SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
JOSÉ FRANCISCO REZEK
Discursos proferidos no STF,
em 20 de junho de 1990,
por motivo de exoneração a pedido
B R A SÍ LIA
199 1
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
JOSÉ FRANCISCO REZEK
Discursos proferidos no STF,
em 20 de junho de 1990,
por motivo de exoneração a pedido
BRASÍLIA
1991
Carta do Senhor Ministro
J OSÉ FRANCISCO REZEK
Brasília, 18 de abril de 1990
Senhor Ministro Presidente:
É tempo de que esta carta seja escrita, já tantos dias passados desde
quando, no plenário dessa Casa, vesti pela última vez a toga que me ofe­
recera, na investidura, a Ordem dos Advogados. Dois momentos me vêm
agora, intermitentes, à memória. Evoco um amanhecer de sábado, nos
idos de fevereiro de 1983, quando, já ciente da iminência de minha indi­
cação para a cátedra de que o Presidente Xavier de Albuquerque se afas­
tava, entreguei-me, caminhando só pelos verdes de Brasília, a refletir so­
bre a inesperada e fascinante perspectiva de integrar a Corte maior, e de
no seu quadro exercer o ofício judiciário por mais de trinta anos, o que a
ninguém antes sucedera. Evoco ainda uma hora tardia de noite recente,
quando quis dar-lhe conta - no seu regresso à capital - da encruzilha­
da que de súbito se me apresentara à frente, e quando suas judiciosas
ponderações me proporcionaram mais breve alcance de decisão definiti­
va.
Sete anos, assim, foram quanto pude honrar-me sob o teto dessa au­
gusta Casa: sugestivamente um tempo igual ao da judicatura daqueles
que aí tive como meus mestres mais gratos, dos quais recolhi, de permeio
com lições sem preço, a evidência constante de uma estima sem limites.
Retiro-me da Corte muito antes de quando supunha devesse fazê-lo,
e isto me impõe contrição maior que a de tantos dos seus antigos juízes
que a deixaram por sobejar-lhes tempo de consagração ao serviço públi­
co, ou por força da idade e do imperativo constitucional. Serei entretan­
to, em toda parte e em toda circunstância, o arauto fiel da exemplarida­
de e da excelência com que o Supremo Tribunal tem respondido, e há de
responder sempre, à justa expectativa dos brasileiros. Se é certo que não
se encontra, em direito comparado, algo que exceda a dimensão da prer­
rogativa judiciária no Brasil contemporâneo, não menos certo é que difi­
cilmente se poderia achar lá fora uma instituição congênere que igualasse
essa Casa na inquebrantada tradição de probidade de seus membros, no
volume de trabalho que lhes tem imposto nossa ordem jurídica, na luci­
dez e na dignidade com que se houveram, todos, nos momentos mais bri-
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lhantes de nossa história, tanto quanto naqueles outros, sombrios e infe­
lizmente não raros, de erosão do princípio democrático e sacrifício das li­
berdades públicas. Assim, as diversidades periféricas na formação acadê­
mica, na convicção política, no estilo e na metodologia dos juízes dessa
Corte jamais puderam sombrear a cristalina igualdade que no essencial
os irmana.
Cientes do que representa essa Casa em nosso quadro institucional, e
de que inexcedível é a honra de integrá-la, foram muitos os que me sensi­
bilizaram enaltecendo o gesto de renúncia ao encargo vitalício, e a assun­
ção dos riscos de uma responsabilidade executiva. Foram tantos, e de tão
variadas origens e classes, e tão espontâneos e anônimos na exterioriza­
ção do que sentiam, que no seu contexto se diluiu alguma voz avulsa, ra­
ra e rude, propensa a travestir o significado curial do fato incomum. De
minha parte nada vejo de especialmente meritório naquele gesto. Sabe
Vossa Excelência quanto aprendi na atmosfera nobilíssima desse Tribu­
nal, e sabe, dessarte, que nem me deslumbra a segurança pessoal nem me
molesta a idéia de enfrentar desafios. Em verdade, muito mais que nos
meus próprios recursos ou na integralidade do meu devotamento à causa
pública, creio no Brasil e em seu povo, e a cada dia o conhecimento de
outras sociedades reforça em mim essa congênita confiança. Os brasilei­
ros já não se encontram distantes, penso, daqueles dias melhores que
tanto fizeram por merecer. A República haverá de luzir na democracia
definitiva que alcançamos. Não lhe faltará segurança ou alento enquanto
erigida sobre instituições como o Supremo Tribunal Federal e, sob seu
exemplo e disciplina, todo o Poder Judiciário.
Rogo a Deus que preserve a felicidade pessoal de Vossa Excelência e
de todos os seus eminentes pares, e que se digne reger o destino histórico
dessa honorável Corte.
FRANCISCO REZEK.
Palavras do Senhor Ministro
NÉRI DA SILVEIRA,
Presidente
Na primeira parte desta Sessão, o Tribunal presta homenagem ao
Exmo. Sr. Ministro Francisco Rezek.
Para falar em nome da Corte, convidei o eminente Ministro Célio
Borja, a quem concedo a palavra.
Discurso do Senhor Ministro
CÉLIO BORJA
Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Ministros aposentados, Sr. Pre­
sidente e Ministros dos Tribunais Superiores da União e do Distrito Fe­
deral, Srs. Desembargadores, Srs. Magistrados, Srs. Diplomatas, minhas
Senhoras e meus Senhores.
É da tradição do Supremo Tribunal Federal que os seus Ministros
não recebam homenagens no curso da judicatura e em razão dela.
Somente ao deixarem-na, a Corte manifesta-lhes o reconhecimento
que mereçam. Usualmente, o homenageado não comparece; representa-o
sua família.
Por isso, aqui estão D. Myréa Rezek e sua filha para receber o tri­
buto afetuoso que devemos ao chanceler José Francisco Rezek, que, há
pouco, despediu-se da magistratura por ter aceitado sua nomeação para
o cargo de Ministro de Estado das Relações Exteriores.
Lança-se, ele, assim, a uma etapa de sua existência em que o inter­
nacionalista reconhecidamente competente é desafiado a dirigir a política
externa do País, de maneira que este participe mais eficazmente das deci­
sões que lhe afetam o destino, sem perder de vista que, no campo das re­
lações internacionais, o Brasil espera alcançar o desenvolvimento e con­
tribuir para a consecução e a manutenção da paz.
Não se cuida, na história do Ministro Francisco Rezek, de uma dra­
mática mudança de rumos, mas de ênfases, e de ser fiel à sua geração no
momento em que ela ascende ao governo da República. Assumem-no, em
verdade, os homens e mulheres do segundo após-guerra, nascidos no li­
miar de um tempo dominado pelo duplo ideal da liberdade e da paz.
Com efeito, em 1944, ano de seu nascimento em Cristina, no sul de
Minas Gerais, iniciava-se a construção da nova ordem internacional, com
a realização, em Bretton Woods, de I? a 22 de julho, da Conferência
Monetária e Financeira das Nações Unidas, da qual resultou a criação do
FMI e do B IRD. Em 26 de junho de 1945, instaura-se, com a Carta de
São Francisco, uma nova disciplina das relações internacionais que presi­
de «a maior e mais estável onda de prosperidade da história mundial»
(John Williamson, Keynes and the international economic order in Key­
nes and the Modern World, Cambridge University Press, 1983, pág. 87).
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Em 18 de setembro de 1946, termina, no Brasil, um longo período
de discricionarismo e volta-se a viver, democraticamente, em regime repre­
sentativo e Estado de Direito. Mas, vinte anos depois de promulgada, a
Carta da restauração liberal é reduzida à ineficácia com o advento do
Ato Institucional n? 2; de outubro de 1966. Em resposta a esta traumáti­
ca ruptura, já em novembro seguinte, a primeira geração a completar,
após a guerra, o ciclo da educação formal pronuncia, Brasil afora, nas
solenidades de sua graduação, o seu rompimento com a ordem autoritá­
ria, que então renascia e, por outros vinte anos, dominaria o País.
Orador da turma de 1966, da Faculdade de Direito da Universidade
Federal de Minas Gerais, representante da geração à qual foram ofereci­
das, desde a infância, a paz com ininterrompida prosperidade, a liberdade
e a participação política que, antes, sequer eram mencionadas - José
Francisco Rezek pergunta-se, no discurso de formatura, «o que significa
afinal, ante o pensamento jurídico, a causa da humanidade» cuja defesa
é a síntese do compromisso do jurista. E completa a provocação, pedindo
que lhe digam quando a servimos e quando lhe faltamos (cfr. José Fran­
cisco Rezek, Estrela da Manhã, Mensagem dos Formandos de 1966, Fa­
culdade de Direito, UFMG, pág. 2 1).
O discurso entremostra o forte traço reflexivo que lhe marca o tem­
peramento, ilumina o caráter e explica o scholar sob a toga do magistra­
do.
Antes de responder à sua própria provocação, o orador lança um
desconsolado olhar sobre o seu tempo e denuncia a formidável regressão
do status liberta tis dos brasileiros ao estado de polícia.
Nas suas palavras, «sente-se personagem no quadro imaginado por
Tolstoi, o do homem que, viajando distraído no interior de um trem,
guarda a impressão de estar seguindo para frente, quando, na realidade,
segue para trás, e de súbito, ao ver pela janela a sombra das árvores, re­
conhece o verdadeiro sentido da marcha.» (Estrela da Manhã, cit. pág.
22).
Diante de quadro tão hostil aos valores do espírito, à cultura da li­
berdade na qual fora formado, a sua opção é a do jurista que «vai ensi­
nando quem lhe cruza o caminho, vai preparando a construção da socie­
dade nova, onde o homem, como queria Chardin, não mais se considere
o centro estático do mundo, mas o próprio eixo, a própria flecha na tri­
lha da evolução.» (op. cit. págs. 2 1/22).
Porta-voz de seus coevos, Rezek, depois de proclamar o dever do ju­
rista em face dos que negam o primado do Direito, toma o desafio em
suas mãos e rompe, mais do que com os vitoriosos do dia, com a inércia
da organização social brasileira:
«Encontraremos pela frente um fardo de leis equívocas,
sugeridas por uma paisagem morta, inspiradas em idéias e
conceitos que o tempo cuidou de sepultar.»
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«o aperfeiçoamento das leis vem a ser, no entanto, uma
obra sem término previsível. Seus erros renascerão no tempo,
exigindo que se levante a voz do nosso meio. Porque a verda­
deira essência da crise do Direito não é a dissonância entre a
lei e a justiça, mas é o silêncio dos juristas diante desse flage­
lo». (Estrela da Manhã, cit., págs. 22/23).
O pendor para o Direito Internacional reponta nesse discurso de for­
matura, não de despedida da escola que lhe daria, no ano seguinte, o Di­
ploma de Estudos Superiores de Doutorado em Direito Público. O co­
nhecimento do mundo é subsidiado pela viagem aos Estados Unidos da
América, à qual seguiu-se a permanência como bolsista, na Universidade
de Paris, onde obteve o grau de Doutor, após defesa da tese Conduite
des Rélations Internationales dans le Droit Constitutionnel Latinoaméri­
cain, perante banca integrada por Georges Berlia e Roger Schwartzenberg,
sob a presidência de Georges VedeI.
O:xford está no roteiro do internacionalista em formação. Ali, com a
tese Reciprocity as a Basis of Extradiction é-lhe conferido o Diploma in
Law.
Ao regresso, é o concurso para o Ministério Público Federal e, nele,
a honrosíssima classificação, as promoções em rápida seqüência e por
merecimento, a Procurador de primeira categoria e, em 1979, a Subpro­
curador-Geral da República. Ali foi buscá-lo o Ministro Leitão de Abreu
que o fez assessor extraordinário da chefia do Gabinete Civil do Presiden­
te João Figueiredo, ocupada por aquele eminente brasileiro. Em 1983, o
nosso homenageado é nomeado Ministro do Supremo Tribunal Federal.
Aos 39 anos era José Francisco Rezek o benjamin da Corte Suprema
do Brasil, onde já exercera a função de Secretário J urídico do saudoso Mi­
nistro Bilac Pinto, seu conterrâneo, amigo e confidente; e onde, como
Subprocurador-Geral da República, granjeara o mais alto conceito, graças
aos luminosos pareceres sobre difíceis questões de Direito Público.
Também avalizava a investidura do Ministro Rezek, sua carreira no
magistério superior, lastreada nos cursos e concursos a que se submeteu,
no Brasil e no exterior, e nos quais logrou demonstrar a excelência do
seu conhecimento de Direito e, particularmente, o domínio do Direito In­
ternacional. Quando de sua posse nesta Corte, em 24 de março de 1983,
o Ministro Rezek era Professor Titular de Direito Internacional Público e
já havia sido Chefe do Departamento de Direito e Diretor da Faculdade
de Estudos Sociais Aplicados, da Universidade de Brasília.
Aos títulos científicos, já aludidos, somavam-se as obras produzidas,
numerosas, excepcionalmente ricas de conteúdo e centradas no Direito
das Gentes.
Droit des Traités: Particularilés des Actes Constitulifs d'Organisa­
tions Internationales (Haia, 1968); La Conduite des Relations Internatio­
naIes dans le Droil Constitutionnel Latinoaméricain (tese de doutoramen-
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to, Paris, 1970); Comunicações de Massa na Constituição Brasileira
( 1972); As Relações Internacionais na Constituição da Primeira República
( 1973); O Princípio da Nacionalidade e a Aplicação da Lei Penal Brasi­
leira ( 1973); Perspectiva do Tratado Institucional ( 1975); A Questão da
Nacionalidade após a Lei n? 6.092/74 ( 1976); Perspectiva do Regime
Jurídico da Extradição ( 1976); O J uscolonialismo na Teoria da Respon­
sabilidade Internacional ( 1976); Organização Política do Brasil (obra en­
comendada pelo Instituto Rio Branco, do Ministério das Relações Exte­
riores, para integrar a bibliografia básica do Curso de Altos Estudos,
Brasília, 1976); A Disciplina Internacional da Nacionalidade ( 1977); Aspec­
tos Elementares do Estatuto da Igualdade ( 1977); Conselho de Estado:
Consultas da Seção dos Negócios Estrangeiros (direção geral, introdução e
notas), 4 volumes; A Nacionalidade à Luz da Obra de Pontes de Miranda
( 1979); Variantes da Extradição e Direitos Humanos ( 1979); Constitucio­
nalidade do Empréstimo Compulsório de 1980 ( 1982); Limites Constitu­
cionais da Liberdade de Trabalho ( 1982); Reciprocity as a Basis or Extra­
diction (Oxford, 1982); Alcance do Veto fundado em Contrariedade ao In­
teresse Público ( 1982).
No curso de sua judicatura, publicou ainda
Direito dos Tratados (Forense, Rio de Janeiro,
1984); Traité de
Droit lnternational Humanitaire (Capítulo X, Pedone, Paris, 1986); Le
Droit InternationaJ de la Nationalilé (Haia, Récueil des Cours, 1986).
A copiosíssima produção de votos e despachos do magistrado Fran­
cisco Rezek, rivaliza com a sua obra científica.
Liberto da falaz e sempre equívoca classificação dos Juízes em libe­
rais e conservadores - absolutamente imprópria nos países de tradição
jurídica continental - o Ministro Rezek aplicou o Direito atento à equa­
nimidade e ao fim a que ele se destina - a defesa da causa da humani­
dade - tão ansiosamente referida no seu discurso de formatura.
A clareza é a virtude que - entre outras e numerosas - ressalta dos
votos do Ministro Rezek, no Supremo Tribunal.
Reclamava, para si mesma, certa Universidade, o dom da indenidade
às leis da República, em nome da autonomia que a Constituição lhe ga­
rantiu.
Disse, a propósito, o Chanceler de hoje, quando vestia toga de juiz:
«Hesito em acreditar, por mais que se liberalizem as insti­
tuições, que o Congresso Nacional vá um dia», . . . «editar pa­
ra as universidades federais um sistema de autogoverno, en­
quanto cada um dos professores dessas universidades recebe, a
cada mês do calendário, sua remuneração à conta dos recur­
sos do Tesouro Nacional; enquanto cada um dos seus estu­
dantes recebe esse serviço gratuitamente - numa gratuidade
bancada pelo inteiro quadro social; tudo isso dentro de um ce­
nário custeado, em cada uma de suas paredes, móveis e equi-
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pamentos, pela sociedade, pelos contribuintes que a todo dia
alimentam o erário. A posição que esta Casa assume, no sen­
tido de desautorizar a norma estabelecida pelo Conselho da
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, parece-me
não apenas consentânea com a distribuição de competência
normativa expressa na Carta de 88, mas também com o corre­
to propósito de não prestigiar qualquer forma de autogoverno
à revelia da entidade mantenedora, que é toda a sociedade
brasileira». (Ação Direta de Inconstitucionalidade n? 51-9
Rio de J aneiro - Medida Cautelar).
-
A clareza, a simplicidade, o casamento, sem rusgas, da palavra ao
pensamento, capturam imediatamente a adesão do leitor, iniciado ou lei­
go, para a tese da inexistência da soberania das universidades e da exis­
tência de uma ratione entre o quantum de independência normativa e de
auto-suficiência patrimonial e financeira.
Não se irrogue ao autor do voto cristalino, o vezo centralizador ou
certo penchant anti-autonomista. A manifestação que a seguir leio, produ­
zida no julgamento da Representação n? 1.150-0 - RS, na qual se discu­
tia a competência do Estado do Rio Grande do Sul para editar leis relati­
vas a substâncias tóxicas, especialmente, agrotóxicas, corrigirá o labéu
preconceituoso.
«A história da federação americana. . » «. . . é portentoso testemunho
de quão fecunda pode ser a legislatura dos Estados-membros na concep­
ção de modelos normativos, que se propagam entre seus homólogos, e
cuja excelência vem a União, mais tarde, e na esteira de suas unidades
componentes, a reconhecer. As grandes causas legislativas ali germinaram
no âmbito restrito de alguns Estados federados, antes que o Congresso se
propusesse assumi-las. Se, naquele grande país, os cultores do direito e da
política acreditassem na falácia de que as normas de interesse coletivo de­
vem ter sua origem necessária na criatividade do legislador federal, e ca­
so se entregassem os Estados, por isso, à indolente dependência do pater­
nalismo metropolitano, é provável que com largo atraso se tivessem feito
consagrar nos Estados Unidos da América, a abolição da escravatura, o
voto feminino, a igualdade dos direitos civis, a proteção ambiental, o ba­
nimento de toda segregação nas escolas públicas, e os direitos mais ex­
pressivos do empresário, do contribuinte e do trabalhador.» (Rp n?
1. 150-0
RS).
Conclui o Ministro Rezek repondo em circulação, no território do
Direito Constitucional brasileiro, a idéia de federalismo como o regime
da diversidade na unidade, não o das uniformidades compulsórias:
.
-
«Inexiste a aventada isonomia às avessas. Em parte algu­
ma da Constituição da República há de encontrar-se, expressa
ou implícita, a garantia de que empresas, nacionais ou estran­
geiras, operando legalmente no país, devam por isso fruir, em
qualquer ponto do território nacional, de iguais facilidades, à
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sombra de idêntica metodologia administrativa. Não há, pois,
na Lei fundamental, o que autoriza o produtor de substâncias
potencialmente nocivas à saúde e à vida humana a exigir, do
legislador rio-grandense - e, hoje, de mais de uma dezena de
unidades federadas - a fidalguia complacente que lhe prodi­
galizam outros Estados e, mais que ninguém, a União Fede­
ral. »
O invejável domínio da palavra que, no seu discurso, está hipostati­
camente unida ao pensamento e de tal maneira que nunca se sabe se o
verbo é a idéia ou se esta é aquele - mestria tal permitiu que as inter­
venções quase-apologais do Ministro Rezek, fundamentassem decisões
que, sem elas, seriam de difícil demonstração.
Socorro-me de exemplos ao alcance da mão.
Sobre o exame psicotécnico, objeto de alguma hesitação jurispruden­
cial:
«Entende-se por exame uma aferição necessariamente
marcada pelo rigor científico. Jamais uma entrevista em clau­
sura, de cujos parâmetros técnicos não se tenha notícia, e on­
de a possibilidade teórica do desmando, do arbítrio, do capri­
cho, do preconceito, não conheça limites.
É certo que a psicologia vive ainda hoje um estágio pri­
mitivo, em grande parte experimental, de sua evolução como
ciência.» . . . «Essas práticas merecem o nome de exames na
medida em que assentam sobre pesquisas de valor reconheci­
do, qual sucede no âmbito da medicina geral. Há de abonar­
se, pois, o exame psicotécnico do qual resulte a conclusão de
que certo candidato, à luz de tais ou quais testes, documenta­
dos em doutrina, revela agressividade excessiva - ou, pelo
contrário, demonstra índole exageradamente passiva - para o
bom desempenho da função policial. Os referidos testes con­
duziriam a idêntica conclusão se realizados em Genebra, ou
e� Moscou, ou em Cingapura, tais como testes de acuidade
visual ou de higidez pulmonar. Isso é o que se denomina rigor
científico. É algo completamente diverso da submissão do
candidato ao serviço público à subjetividade de um entrevista­
dor d� quem sequer se reclama que exponha, a posteriori, os
fundamentos do seu laudo de rejeição». (RTJ 124/776-775).
Sobre a fronteira aberta que separa o crime político do comum:
«Parece-me que tem razão o advogado do extraditando
quando dá pela impertinência do § 3?, que é a nossa versão
da velha cláusula belga ou cláusula do atentado. À luz dessa
norma, o Supremo Tribunal Federal poderá deixar de conside­
rar crimes políticos os atentados contra chefes de Estado ou
quaisquer autoridades, bem assim os atos de anarquismo, ter-
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rorismo, sabotagem e seqüestro de pessoa. No regime do
Decreto-Lei 941, de 1969, enxertou-se esse final de frase que
degenera a estirpe do artigo: «ou que importe em propaganda
de guerra ou de processos violentos para subverter a ordem
política e social». Esse final de frase pode comprometer a exa­
ta compreensão da cláusula do atentado, ali expressa. O que
se quer dizer é que mesmo em presença de crime de inspira­
ção política absolutamente incontroversa, poderá o Supremo
Tribunal Federal, à vista da crueldade do delito, deixar de
considerá-lo privilegiado, em nome de um princípio maior: o
de que a militância política não justifica certas formas de con­
duta, especialmente odiosas frente à sensibilidade humana».
(Pedido de Extradição n? 412 - Itália).
Enfrentando a questão de poder-se exigir de Estado requerente de
extradição, a observância de normas brasileiras de proteção do acusado
ou limitativas do ius puniendi, pondera o Ministro Rezek:
«O que a Procuradoria-Geral propõe é uma extensão
transnacional do princípio inscrito no § 11 do rol de garan­
tias.
Pergunto-me se não seríamos então levados, pela lógica,
a indeferir, um dia, a extradição, se verificássemos que no
processo de que o extraditando resultou condenado houve
prova resultante de quebra do sigilo de correspondência eis
que o § 9? do mesmo artigo constitucional proíbe isso; ou
porque no Estado requerente não se garante uma instrução
criminal contraditória; ou porque lá não se prevê a instituição
do júri para os crimes dolosos contra a vida. O rol do art.
153, com todas as vênias, não me parece operante, no proces­
so extradicional, como o conjunto de parâmetros a serem im­
postos ao Estado requerente.
Meu voto acompanha o do eminente Ministro-relator, de­
ferindo a extradição; sem, porém, fazer a ressalva alvitrada
pelo Ministério Público, no sentido de limitar a pena a 30
anos».
Esse ponto de vista foi o que prevaleceu em mais de um caso, desde
então. Entende-se, dessarte, que o § 11 do rol constitucional traça
príncípios aplicáveis ao Judiciário brasileiro à feitura de justiça criminal
no Brasil. Não poderíamos estender esses parâmetros a uma justiça es­
trangeira. A pena de morte é tudo quanto excluímos, porque o legisla­
dor, na disciplina específica do processo extradicional, quis que o gover�
no brasileiro, a entregar o extraditando, reclamasse, entre outras garan­
tias, a de que em caso de aplicação da pena de morte esta não será exe­
cutada.» (Extr. 469-7-EUA).
Ainda, da jurisprudência do Supremo Tribunal no capítulo das ex­
tradições, enriquecido com originais contribuições do internacionalista
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hoje à frente da Chancelaria, é de recordar-se o voto que ele proferiu na
Extradição n? 419 - República Italiana (in RTJ 114/18), versando o te­
ma, sempre árduo, da concorrência de jurisdições nacionais diversas so­
bre o extraditando, em razão de uma mesma imputação ou de acusações
várias.
«Minha preocupação, ao estudar os autos, foi a de en­
contrar um delito isolado que se pudesse entender totalmente
ocorrido na Itália. É comum que esta Casa examine pedidos
de extradição onde se acusa o extraditando de uma pluralida­
de de delitos. Busquei, então, nestes autos, um crime circuns­
crito no território italiano, para entender legítimo o deferi­
mento da extradição, ainda que uma dezena de outros delitos
se pudessem reputar consumados no Brasil» . . .
«Se verdadeiros o s fatos que o processo narra, estão eles
incontornavelmente
associados
ao
território
brasileiro,
inscrevendo-se no domínio processual penal afeto à Justiça do
Brasil. Assim, ainda que o Supremo Tribunal Federal estivesse
autorizado - e penso, com muita convicção, que ele não o
está - a decidir ex ae quo et bano, a decidir à base do bom
senso ou de considerações pragmáticas, ainda assim eu não
creria que, neste caso, a jurisdição italiana deve ser reputada
preponderante. Mas este problema na verdade não se coloca,
visto que não somos um tribunal internacional neutro, não so­
mos um tribunal de terceiro Estado a desempatar conflito po­
sitivo entre a jurisdição brasileira e a jurisdição italiana. So­
mos o Tribunal maior de um Estado soberano cuja lei, a pro­
pósito, quer garantir privilégio à jurisdição local, em qualquer
hipótese de concorrência. Ou, quando menos, em casos como
este, onde a jurisdição brasileira se pretende afirmar não à ba­
se de simples previsão do delito em tratado, mas do mais ób­
vio, notório, antigo e pujante dos elementos definidores da
competência penal: a territorialidade, que neste caso aponta a
Justiça brasileira como competente, e não nos permite optar
pela jurisdição italiana. »
De outros julgados, extraem-se apotegmas que trazem ao chão da
realidade, debates que, vezes quantas, perdem-se na estratosfera de eté­
reas construções verbais.
«Arrolar tipos penais em demasia não constitui constran­
gimento ilegal» . . . (RTJ 126/171).
ou
«A condição de funcionário público federal não confere
ao agente a faculdade de ver-se processado e julgado em foro
federal». . . «há que aferir o envolvimento de bens, serviços ou
interesses da União» ...
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Creio que o Ministro Rezek põe um pouco do seu desvelo no caso
Firmenich (RT J 1 1 1116), ou melhor, na intervenção que ele aí praticou,
sustentando primeiro que
«O parlamento, em toda a parte, tem o poder de revogar
normas com efeito ex nunc; jamais o de declará-las nulas,
com efeito retroativo, sob o argumento de inconstitucionalida­
de».
A seguir, considera que o extraditando se beneficiara da lei argenti­
na de anistia; não sendo punível a partir dela, o fato anistiado não pode
motivar o pedido de extradição.
Para tornar ineludível a conclusão, argumenta:
«Este país não concederia a extradição de um menor,
com 17 anos de idade, acusado de homicídio nos Estados Uni­
dos da América ou na Argentina, apesar da circunstância de
que, nas três ordens, a lei penal diz que «matar alguém» é cri­
me. Por que razão? Exatamente por força do inciso 11 do art.
77, verificando que aquele fato concreto é irreprimível em fa­
ce da irresponsabilidade penal».
O Internacionalista que afirma a jurisdição pátria, quan­
do em concurso legítimo com a estrangeira, também não con­
cebe «progressos, para o Direito das Gentes, à revelia dos Es­
tados»; e tem como «fantasia romântica» a teoria segundo a
qual o Direito Internacional pode «alçar vôo mediante o só
impulso do dinamismo e da obstinação de uma elite de pensa­
dores desestatizados». Condena, como «perda total do senso
de realidade», o emprego de linguagem ou construção arti­
ficiosa na negociação de tratados coletivos, para o fim de
«contornar as exigências constitucionais em vigor nos Estados
pactuantes», especialmente, as «prerrogativas constitucionais
dos parlamentos» (Direito dos Tratados, Forense, Rio de Ja­
neiro, 1984, pág. XX). Para Rezek o fenômeno da substitui­
ção dos Estados por organismos internacionais «é epidérmico
e transitório» (Dir. dos Tratados, cit. pág. XXI), pois, o Esta­
do, é «a expressão, a melhor que se conhece, do ideário e dos
anseios de uma comunidade de seres humanos congregados
pelo sentimento nacional» (Dir. dos Tratados, cit., págs. XX
e XXI).
Essa percepção da realidade - direta, dura e sem antolhos - passa
ao largo do chauvinismo. É a límpida definição do dualismo jurídico,
construído a partir da preeminência do tratado, como fonte das normas
internacionais, tanto mais legítima e segura quanto resulta da vontade ex­
pressa dos Estados, único exemplar de sociedade política na qual os in­
divíduos podem ter voz decisiva.
O que está na raiz dessa visão de mundo e dessa concepção da disci­
plina normativa das relações internacionais é o mesmo humanismo políti-
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co que, ao conferir às associações locais preeminência sobre a província,
o reino e o império, desencadeou a verdadeira revolução democrática
moderna que consiste em substituir, no comando da vida social, os entes
da razão, as personalidades fictas, por esse ser humílimo, criado, falível,
perfectível, mas inefável, que é o homem.
A dignidade humana não provém do grupo social a que o indivíduo
pertença - a essa família, àquela nação, a esta cultura, àqueloutra civili­
zação. A preeminência da pessoa natural sobre os seres da ontologia
política, vem do fato de que nenhum deles a contém ou a satisfaz inteira­
mente. O homem, já se disse, é o peregrino do absoluto.
Esse espírito reflexivo, esse esteta das virtudes raras, esse ambicioso
da permanente superação dos seus limites, essa inteligência apurada na
milenar sabedoria dos seus antepassados e, paradoxalmente, esse coração
paciente consigo mesmo, porque confiante em que todas as coisas, boas e
más, virão a seu tempo, é aquele a quem agora o País entrega o cuidado
que, há muito, o atormenta, de fazê-lo artífice da história - da sua e da
história da humanidade, cujo serviço e cuja defesa é, para a consciência
de Rezek, a parte mais relevante do compromisso do homem da lei. Esse
juramento, como é sabido, começa com as palavras - Ego promito me
semper - valendo, nelas, o advérbio pela livre submissão do promitente
à perpétua servidão do Direito.
Completou-se a judicatura do Ministro Francisco Rezek com a expe­
riência, a todos os títulos singular, de presidir o Tribunal Superior Elei­
toral, no ano em que o Brasil, depois de quase três décadas, voltou a es­
colher, pelo voto direto dos cidadãos, o Presidente da República.
O que foi, ali, a presidência Rezek, disse-o com a elegância e a exati­
dão de sempre o Ministro Octavio Gallotti, em discurso proferido na so­
lenidade de inclusão e descerramento do retrato do nosso homenageado
na galeria dos antigos Presidentes da alta Corte eleitoral.
Registro que é, também, motivo de orgulho para o Supremo Tribu­
nal Federal, tenha um dos seus juízes, então o mais moço, granjeado a
confiança e o respeito de toda a Nação, pela mestria revelada na condu­
ção da consulta a um corpo eleitoral numerosíssimo, espalhado em terri­
tório vasto e desigualmente dotado de meios modernos e rápidos de apu­
ração da vontade nacional.
O Supremo Tribunal Federal que se sabe juiz dos demais poderes da
Nação, em face dos quais guarda a ·mais absoluta independência de jul­
gamento e invariável harmonia no propósito de bem ,servir, não crê que a
seus Ministros se possa oferecer mais alta posição, nem o exercício de
mais nobre mister, nem via mais direita de nobilitação do que a magis­
tratura que exercemos. Ela prodigaliza tudo isso a um só tempo.
Ao renunciar à suprema judicatura, privando-se de honra tamanha e
do justo prêmio que lhe tocaria se nela persistisse, o Ministro Francisco
Rezek aceita o desafio de procurar não menor reconhecimento de seus
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contemporâneos e dos pósteros, pela excelência dos benefícios que, por
certo, conquistará para o Brasil e pela nobreza dos serviços que prestará
à comunidade das nações.
Internacionalista, o Ministro Francisco Rezek - reconhecemos to­
dos - sempre esteve naturalmente vocacionado para tarefas que trans­
cendem às do magistrado.
A elas, afinal, acede, tal como, antes dele, Epitácio Pessoa. Vendo-o
partir parar viver plenamente as suas novas circunstâncias, os seus anti­
gos colegas proclamam as virtudes do juiz que se retira - o seu saber, a
sua modéstia, a sua independência feita de desambição e dignidade, a sua
exação e, nas palavras das Ordenações do Reino,
« . . sobretudo tão inteiro que, sem respeito de amor, ódio, ou
perturbação outra do ânimo a todos guardou justiça igual­
mente».
.
E, assim, lhe tendo dado o que é de justiça, o Supremo Tribunal Fe­
deral augura ao Ministro Francisco Rezek a alegria de viver um grande
destino, servindo a mais nobre das causas que é a humanidade.
Palavras do Senhor Ministro
NÉRI DA SILVEIRA,
Presidente
Para falar em nome do Ministério Público Federal, concedo a pala­
vra ao eminente Procurador-Geral da República, Dr. Aristides Junqueira
Alvarenga.
Discurso do Doutor
ARISTIDES JUNQUEIRA ALVARENGA,
Procurador-Geral da República
Excelentíssimo Senhor Ministro Presidente, José Néri da Silveira;
Excelentíssimos Senhores Ministros; Excelentíssimos Senhores Ministros
aposentados dessa Corte; Excelentíssimos Senhores Ministros dos Tribu­
nais Superiores e do Tribunal de Contas da União; Excelentíssimo Se­
nhor Desembargador-Presidente do Tribunal de Justiça do Distrito Fede­
ral; Excelentíssimos Senhores Magistrados de primeiro e de segundo
graus de jurisdição; Prezados colegas do Ministério Público; Senhores
Advogados; Senhores Diplomatas; Senhoras e Senhores.
Em 24 de março de 1983, neste sagrado recinto não se ouviram vo­
tos, não foram proferidas decisões nem se aprovou a ata da sessão ante­
rior, embora aqui estivessem reunidos dez de seus Ministros, estando va­
ga, apenas, a última cátedra à esquerda da Presidência.
Também não se ouviu qualquer saudação.
Viu-se, apenas, o pronunciamento pausado dos termos de um solene
compromisso, para, em seguida, se verificar que na cátedra, então deso­
cupada, já se encontrava um jovem de apenas 39 anos, devidamente to­
gado.
Eu a tudo assistia, em pé, ali na parte lateral, à espera do término
da brevíssima solenidade, para depois, ser mais um dos numerosos com­
ponentes da longa e alegre fila de cumprimento ao novel Ministro da Su­
prema Corte brasileira.
Enquanto lentamente caminhava para felicitá-lo, e à Myréa, lem­
branças do passado invadiram-me.
Voltei à antiga casa da Rua dos Guajajaras, em Belo Horizonte,
bem próxima à Casa de Afonso Pena, assim conhecida a Faculdade de
Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. Era ali o Curso Cham­
pagnat, dos Professores Nivaldo, Roldão e Delson, onde, em 1961, nos
preparávamos para o vestibular universitário. Latim, Francês e Português
eram nossas únicas preocupações. Foi aí que o conheci, nos seus 17
anos.
Depois, a Faculdade e o seu Departamento de Assistência Judiciária
- o querido DAJ -, cenário de nossos primeiros passos na prática fo­
rense.
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Já no quarto ano, ei-lo na Universidade de Harvard em curso de ex­
tensão, como bolsista e no ano seguinte ao de sua formatura, na Univer­
sidade de Paris, como bolsista do Governo Francês, culminando, em 2 de
outubro de 1970, com o título de Doutor em Direito Internacional Públi­
co.
Em 1973, voltamos a nos encontrar, novamente como colegas, no
Ministério Público Federal, em que ele ingressara um ano antes.
Quase dez anos depois, eis-me ali no salão branco deste Supremo
Tribunal Federal, prestes a abraçar seu mais novo Ministro, depois de
acompanhar de perto a constante ascensão do consagrado Professor uni­
versitário e do Instituto Rio Branco, do Titular do Diploma in Jaw da
Universidade de Oxford, do respeitado membro do Ministério Público,
autor de impecáveis pareceres, que serviam de razão de decidir dessa ex­
celsa Corte, principalmente na órbita do Direito Internacional.
Ei-lo, agora, como Ministro da Suprema Corte, com a segurança de
quem segue a traçada estrada da vida.
Durante quase sete anos ele aqui esteve, com a sabedoria de seus vo­
tos, externada pela profundidade de seu conteúdo e invejável precisão
vocabular.
Como Presidente da mais alta Corte Eleitoral do país, em momento
singular de nossa história política, ei-lo a comandar com virtudes admirá­
veis o processo eleitoral, com o reconhecimento de toda a nação. Glorio­
sa e salutar epifania!
Mas sua produção jurídico-literária há muito já indicava sua voca­
ção internacional, a fazer com que não se possa estranhar seu afastamen­
to espontâneo dessa Corte Maior de J ustiça.
Coragem é atributo de homens seguros de sua potencialidade e, por
isso, determinados. E assim é José Francisco Rezek.
Nem se diga que prematura foi sua saída deste Santuário de J ustiça.
O Tempo em que aqui permaneceu foi o bastante para tornar indelével
sua figura de magistrado, ministrando lições inesquecíveis, tal como nos
seus dez anos de Ministério Público Federal, instituição que hoje tenho a
honra de dirigir e que, com especialíssima emoção, participa desta home­
nagem.
O Supremo Tribunal Federal, o Ministério Público Federal e o Brasil
jamais esquecerão de José Francisco Rezek.
E, sem qualquer tom de vaticínio, seu trabalho o tornará ines­
quecível além-fronteiras.
Que Deus o cubra de bênçãos e à Myréa, Adriana, Verônica, Fran­
cisco José e João Paulo: são as preces do Ministério Público!
Palavras do Senhor Ministro
NÉRI DA SILVEIRA,
Presidente
Credenciado pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do
Brasil, falará pela nobre classe dos advogados o Professor Roberto Ro­
sas, a quem concedo a palavra.
Discurso do Doutor
ROBERTO ROSAS,
Advogado
Sr. Presidente do Supremo Tribunal Federal, Srs. Ministros, Sr.
Procurador-Geral da República, Srs. Ministros aposentados, Senhora
Myréa Rezek, minhas senhoras e meus senhores.
Ninguém melhor do que o historiador Heródoto para descrever a vi­
da de uma raça de navegadores e sua penetração no mundo. Eram auda­
zes, corajosos, fechados em seu mundo de mar e céu, e de comércio e de
atiladas empresas. Suas manufaturas, suas conquistas, alheios ao estrépi­
to, à fala, o segredo de suas rotas. Isso ficou a seus descendentes, e se
consolida hoje, nas emoções de seus filhos, no desejo de realizações, de
observações e agir. Esses temperamentos são amalgamados no dia a dia,
no entrecruzar de civilizações e povos, e assim temos o perfil acabado de
pessoas que antes de mais nada têm seu mundo tracejado no espaço e no
tempo. Por isso, ao esboçar o perfil do Ministro Francisco Rezek, deve
ser levada em conta, a atávica ancestralidade de uma raça de navegado­
res, e o componente especial da mineiridade. Completam-se num traço
forte e ameno, como numa contradição, que tem a sua lógica - forte na
convivência do navegador com as intempéries, com o incerto, mas o oti­
mismo que é próprio do navegante - chegar a um bom porto. Ao lado,
o caráter sutil da mineiridade, sem arroubos ou vantagens, mais persua­
são do que prepotência, mais realização do que exibição. Explica-se, por­
tanto, numa vida equilibrada, como o navegador concilia-se com o ho­
mem das montanhas, num perfil sintético de cordialidade, firmeza e
espírito desprendido, ao montar caravelas ou naus, num recôndito desejo
de andar pelo mundo, que se harmoniza com o internacionalista, com o
homem universal, ele vê o direito como regra de vida social aplicável à
comunidade internacional, numa projeção de relacionamento não somen­
te humano, também entre países. Isso, o Ministro Rezek colocou com
brilho e erudição em seu Direito dos Tratados e em seu Curso de Direito
Internacional Público, reflexo de quase 20 anos de dedicação ao magisté­
rio na Universidade de Brasília, sempre unindo à atividade do magistra­
do, pensando como Maurice Duverger que as leis são proposições formu­
ladas de acordo com um modelo de representação abstrata que definem
previsões com uma certa probabilidade (Os Laranjais do Lago Balantin).
Para o Ministro Rezek, em sua magistratura, a lei devia ser entendida co­
mo possível de aplicação, e não ter somente a previsão que pretendeu o
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legislador, mas a segurança, de uma provável aplicação útil e social,
forrando-se de uma afirmação ideológica e de crítica social, não desgar­
rando a aplicação da lei da realidade e da justiça social.
Com isso, tem conseguido a vida harmônica do pensador, mas antes
de tudo o administrador eficiente, que conseguiu dirigir a maior e mais
difícil eleição presidencial brasileira, não a direção despótica ou subjuga­
dora, mas aquela didática e pedagógica, num esforço de 2.000 juízes, e
milhares de escrutinadores e mesários, numa reunião cívica de vitória da
democracia e do estado de direito. Não lhe coube determinar um resulta­
do ou sucesso das candidaturas. O resultado foi proclamado por todos os
juízes eleitorais do Acre ao Rio Grande do Sul, num mapa eleitoral con­
junto de maturidade política.
A preocupação com o resultado das urnas levou o Brasil a aplaudir
a Justiça Eleitoral, consagrando-a como uma das belas instituições na
sua cinqüentenária existência, de grandes colaboradores, mas certamente,
dos maiores - o Ministro Francisco Rezek. A história contemporânea
dirá, e o futuro também, ainda que se pense como numa passagem de
Euclides da Cunha - não havia temer-se o juízo tremendo do futuro so­
bre o episódio de Canudos - a História não iria até ali. A história con­
sagrará a atuação da Justiça Eleitoral em 1988, e exaltará a figura exem­
plar e isenta do Ministro Francisco Rezek, aliada àquele traço de persona­
lidade. O navegador é um otimista, o mineiro é idealista. Idealismo e oti­
mismo são indispensáveis às pessoas que acreditam no poder, nos Servi­
ços da Pátria, no Serviço Público, e antes de tudo tenham coragem para
enfrentar esses obstáculos. Moliére detestava os corações pusilânimes, da­
queles que na ânsia de prever demasiado a continuidade dos fatos, nada
ousam empreender. Não é a personalidade do Ministro Francisco Rezek
- pensa e constrói com o espírito público.
Repete-se sempre a afirmação de Ortega y Gasset - eu sou eu e a
minha circunstância, não que a realidade se componha do eu e da cir­
cunstância ou das duas grandezas adicionadas. O eu é o real e em sua
realidade está a circunstância. Mas qualquer pessoa é insondável sem a
sua circunstância. Assim é o Ministro Francisco Rezek. O eu é a própria
vida do navegador e do mineiro, o otimista e o idealista.
A circunstância é o desapego aos bens materiais, o desapreço ao co­
tidiano, por isso, granjeou os louros no magistério, no Ministério Públi­
co, no Tribunal Superior Eleitoral e no Supremo Tribunal Federal, e será
aplaudido em qualquer função, porque assim acreditam os Advogados
brasileiros, representados por quem acompanhou, de perto, toda a traje­
tória do homenageado, tão bem retratado nas excelentes palavras do
Eminente Ministro Célio Borja, que se integram nesta homenagem do
Conselho Federal da Ordem dos Advogados.
Palavras do Senhor Ministro
NÉRI DA SILVEIRA,
Presidente
As belas orações, que consubstanciam as justas homenagens do Su­
premo Tribunal Federal ao ilustre Ministro Francisco Rezek, constarão
da Ata desta sessão da Corte.
Agradeço a presença dos Srs. Ministros aposentados do Supremo
Tribunal Federal, do Exmo. Sr. Presidente do Superior Tribunal Militar,
do Sr. Presidente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Terri­
tórios, dos Srs. Juízes dos Tribunais Regionais da Primeira Região, dos
Srs. Diplomatas, dos Srs. Magistrados, dos Srs. Membros do Ministério
Público, dos Srs. Advogados, das Senhoras e dos Senhores.
Antes de suspender esta Sessão por 15 minutos, para que a Corte
cumprimente a Exma. Sr. Myréa Rezek e pessoas da família do home­
nageado, quero, como Presidente do Tribunal, reafirmar o apreço de to­
dos nós ao ilustre Ministro que se afastou de nossa convivência diária e
reafirmar que esta justa homenagem do Supremo Tribunal Federal segue
uma tradição da Corte, que também se cumpre relativamente ao Ministro
Francisco Rezek, não obstante a forma diversa do seu afastamento, em
confronto com o que normalmente acontece com os demais membros do
Colegiado, quando o deixam por aposentadoria. É sessão de homena­
gem, ainda sem precedentes, que o Tribunal realiza, em virtude de afas­
tamento de um Ministro, voluntariamente, por exoneração a pedido. Na
história do STF, há registro, apenas, de um pedido semelhante, em 4 de
maio de 1896, quando o Ministro Ubaldino do Amaral Fontoura, após
pouco mais de um ano de exercício, requereu exoneração do cargo. Está
suspensa a Sessão por quinze minutos.
Imprensa Nacional
SIG, Quadra 6, Lote 800
70604 Brasília, Distrito Federal
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JOSÉ FRANCISCO REZEK - Supremo Tribunal Federal