Nossa Senhora do Bom Sucesso e
Nossa Senhora do Bom Parto:
ambigüidades iconográficas na
imaginária sacra colonial
João Dalla Rosa Júnior*
Universidade Federal de Ouro Preto
Durante as pesquisas de iniciação científica junto ao Laboratório de Estudos e
Pesquisa em Arte Colonial da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, diversas
questões foram se apresentaram conforme eu me aprofundava no trabalho. Destes
questionamentos, alguns ainda me provocam e, sabendo que para sanar as inquietações a solução é mais pesquisa, decidi estendê-los para meu tema de monografia
do curso de especialização da qual esta comunicação é uma parte.
As quatro imagens sacras coloniais das invocações da Virgem presentes na
Igreja Matriz de Viamão, cidade da Grande Porto Alegre, me proporcionaram o
primeiro contato com a potencialidade de estudo que a imaginária religiosa possui
no Brasil. As imagens desta cidade, bem como as do restante da América Portuguesa, salvo algumas exceções, mantêm-se distantes de um referencial histórico que as
considere a partir de um contexto que não seja o religioso. Deste modo, a maior
parte das questões com as quais trabalho é oriunda desta atmosfera de incertezas
que envolvem uma pesquisa com este tema.
Sob o contexto religioso da América Portuguesa, sabe-se o papel primordial que
as representações da Virgem desempenharam na mediação da fé dos fiéis a Deus.
Portanto, o grande número de imagens que atualmente encontramos de invocações
da Virgem é explicado por esta função: de acordo com a necessidade e situação do
fiel, ele deveria dirigir suas preces a uma específica invocação de Nossa Senhora,
cuja devoção já era de reconhecimento da população. Esta associação entre orago e
* João Dalla Rosa Júnior é aluno do curso de pós-graduação lato sensu em Cultura e Arte
Barroca da Universidade Federal de Ouro Preto e graduado em Artes Plásticas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Atualmente está vinculado ao Laboratório de Estudos
e Pesquisa em Arte Colonial desta última universidade.
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imagem orientava o processo de fatura da escultura através do que se denomina atualmente iconografia, estabelecendo-se uma complementação entre forma e tema.
No estudo da imagem de Nossa Senhora do Parto da Igreja Matriz de Viamão,
pude perceber as primeiras peculiaridades do tema das invocações da Virgem. Ao
tentar buscar os referenciais iconográficos da devoção de Nossa Senhora do Parto,
denominação sinalizada por uma placa, abaixo da imagem, na qual se percebe
características que a distingue técnica e temporalmente do restante da talha da igreja,
verifiquei a dimensão das correspondências entre forma e tema de uma imagem sacra. Tendo como atributo o Menino Jesus vestido, deitado sobre seu braço esquerdo,
apoiado pelo braço direito, além da nuvem com quatro querubins sobre a qual a
Virgem está de pé, a escultura pode representar uma Nossa Senhora do Parto, se
considerarmos atualmente uma associação entre o menino e sua mãe. Entretanto, se
vincularmos estas características a um contexto colonial e à iconografia cristã, talvez
as respostas não sejam tão precisas.
Lançando mão de trabalhos que já se empenharam em fazer um levantamento
dos oragos das representações cristãs, pode-se perceber que a iconografia de uma
invocação da Virgem suscita muitas questões, dependendo das fontes que o iconógrafo utiliza para basear as relações entre forma e tema. Nossa Senhora do Parto,
invocação atribuída à imagem de Viamão, quando procurada entre estas publicações, traz consigo relações com outras três invocações da Virgem, que, muitas vezes, são reunidas sob uma mesma devoção.
A primeira delas é a invocação de Nossa Senhora do Ó ou da Expectação do Parto. Segundo Nilza Botelho Megale e Rizzardo da Camino, Nossa Senhora do Parto
corresponderia a uma invocação cuja iconografia remeteria a gravidez de Maria. Ambos citam a cidade do Rio de Janeiro e o mulato João Fernandes como precursores do
culto a esta devoção, ressaltando os diversos acontecimentos que envolveram a imagem e a igreja sob os quais apóiam suas conclusões iconográficas. Entretanto, a autora,
em seu discurso, chega a afirmar que a imagem que descreve está mais relacionada à
invocação de Nossa Senhora do Ó, ao mesmo tempo em que, contrariamente, continua afirmando a importância desta e sua relação com a do Parto. Embora seja possível
relacionar ambas as invocações pelo viés do parto, já que Maria deu à luz o Menino,
cada invocação denota uma devoção diferente e, com isto, há uma distinção dogmática, muito bem estabelecida por Réau, entre a gravidez da Virgem, representada na
Utilizam-se aqui estes dois conceitos de acordo com os significados propostos por PANOFSKY, Erwin. Iconografia e Iconologia: uma introdução ao estuda da Arte da Renascença. In:
Significado nas Artes Visuais. São Paulo: Perspectiva, 2004, p. 47-87.
MEGALE, Nilza Botelho. Invocações da Virgem Maria no Brasil. São Paulo: Vozes, 1997,
p. 360-362 e CAMINO, Rizzardo da. A Senhora da Conceição Aparecida (padroeira do
Brasil). Rio de Janeiro: Editora Aurora, 1996, p.120.
MEGALE, Nilza Botelho. Ibidem, p.362.
Idem. Ibidem, p. 363.
RÉAU, Louis. La Vierge. In: Iconographie de l’art chrétien. Tomo 2, v. 2. Paris: Press Universitaire de France, 1957. p. 84-102.
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invocação de Nossa Senhora do Ó, e o nascimento do Menino Jesus e a relação maternal de Maria, simbolizada pela própria presença do infante como atributo. Desse modo,
a similaridade não procede para uma constituição da invocação de Nossa Senhora do
Parto. A iconografia proposta não contempla as diversas faces temáticas que a forma
sugere, deixando mais dúvidas nas fronteiras devocionais das invocações da Virgem.
Os outros dois oragos que se relacionam com a invocação em questão são
reunidos, algumas vezes, sob uma mesma égide: Nossa Senhora do Bom Parto e
Nossa Senhora do Bom Sucesso. Em seus nomes, o primeiro apresenta uma adjetivação ao fato da vida da Virgem, enquanto o segundo não faz referência a nenhum
acontecimento biográfico, apesar de expressar, com todas as letras, sucesso. Estas
características são algumas das citadas nas fontes em que distinguem as duas invocações, uma vez que as pesquisas baseiam-se em dados históricos, buscando, na
maioria das vezes, só apresentar as igrejas dedicadas a cada orago, deixando de
lado a iconografia de cada devoção. Já, em uma das fontes em que ambas são relacionadas, as características se unificam segundo o critério, novamente, do parto.
Maria José de Assunção da Cunha apresenta, em seu livro Iconografia Cristã, ambos os nomes para apresentar a mesma devoção. No parágrafo inicial, a autora faz
referência ao momento e condição do parto do Menino Jesus a partir de uma citação bíblica. Em seguida, contextualiza o surgimento da invocação em Minas Gerais, destacando a atuação do Padre João de Faria Fialho e a construção da capela
homônima em Vila Rica. Finalizando, são descritas duas maneiras de representação desta invocação, ilustrando, ao lado, com um desenho. Na primeira destas
descrições, são apresentados como atributos o Menino Jesus, deitado e amparado
conforme a imagem de Viamão, uma coroa real e um véu curto. Na segunda, Virgem e o Menino estão de pé, segurando flores. Estas duas possibilidades de representação também são mencionadas por Nilza Megale e Rizzardo da Camino, embora se refiram somente a Nossa Senhora do Bom Sucesso.
Em uma análise iconográfica da imagem de Nossa Senhora do Parto de Viamão, observa-se que há a presença de características de ambos os modelos de representação: a virgem está com o Menino sob seus braços, mas ele está vestido e
ela, de pé. Essa peculiaridade põe em dúvida a correspondência entre a forma da
escultura e o tema a que se refere, uma vez que a imagem não se relaciona diretamente com os modelos proposto pela tradição cristã. Entretanto, qual é a precisão
desta iconografia, se para uma mesma devoção, há dois nomes diferentes e duas
formas de representação? As equivalências não podem indicar unidades?
Tendo esta questão em vista, decidi refazer o caminho que constitui o processo da
iconografia. Como afirma Panofsky, para se realizar uma análise iconográfica, que visa
identificar a História dos tipos (temas ou conceitos expressos por objetos e eventos)
através de fontes literárias, pressupõe-se uma descrição pré-iconográfica, ou seja, o que
CUNHA, Maria José de Assunção da. Iconografia Cristã. Ouro Preto: UFOP/IA, 1993, p.
23-24.
Idem. Ibidem, p. 24.
MEGALE, Nilza Botelho. Ibidem, p. 99 e CAMINO, Rizzardo da. Ibidem, p. 87.
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atualmente se popularizou por análise formal. Busquei, então, algumas imagens,
oriundas de diversas partes da América Portuguesa, de modo a entender como se chegou a estes modelos iconográficos. Totalizando onze esculturas dedicadas a uma das
duas invocações, elas traçaram, pelas suas formas, um panorama das características da
produção da imaginária, mas, também proporcionaram bases para a compreensão das
relações de procedência e disseminação das devoções.
Dentre as imagens selecionadas para o estudo, uma é proveniente da Bahia;
uma de Goiás; cinco de Minas Gerais; uma do Rio de Janeiro; duas de São Paulo e
uma do Rio Grande do Sul. Isto denota que através dos números, uma das primeiras
colocações que se pode inferir é que nenhuma das duas invocações possuía um
culto tão popular quanto outras devoções que se expandiram no período colonial,
como é o caso de Nossa Senhora da Conceição, por exemplo. Não obstante, se
separarmos as duas invocações, percebe-se que a incidência de igrejas de Nossa
Senhora do Bom Sucesso é maior que de Nossa Senhora do Parto, conforme publicações sobre a produção artística colonial de algumas regiões. Ao mesmo tempo
em que, em relação às imagens, a maioria está classificada como Nossa Senhora do
Bom Parto ou como sua variação sem o adjetivo.
Partindo, então, para as características das imagens, pode-se observar que os dois
modelos propostos para a iconografia das duas invocações aparecem distintamente
representados nas esculturas. Ora uma imagem corresponde ao primeiro modelo, ora,
ao segundo. Entretanto, algumas imagens se distinguem por apresentar outros atributos,
o que faz com que se descortine novas fronteiras entre as invocações.
Na imagem da Bahia, atualmente no Museu de Arte Sacra de São Paulo e por
ele classificada como tal, são encontrados os atributos referentes ao primeiro modelo iconográfico apresentado por Maria José de Assunção: a Virgem está de pé
segurando o Menino Jesus nu sobre seu braço esquerdo, sendo apoiado pelo braço
direito. Esta mesma composição é apresentada por outra imagem do mesmo museu, com procedência de São Paulo. Entretanto, ela se diferencia em dois pontos: a
presença de um crescente lunar sob os pés da Virgem e o Menino Jesus apoiado
pelos dois braços, bem no eixo central da imagem. Uma possível explicação para
esta última diferença poderia residir nas características estilísticas e, logo, relacionadas à linha de tempo. As linhas compositivas da imagem de São Paulo remetem
a um modelo de representação próprio do século XVII, enquanto a da Bahia se referiria ao século XVIII. Neste intervalo, o desenvolvimento técnico e regional permitira uma mudança de eixo da escultura, criando um jogo de contrapeso no qual
o Menino Jesus deslizaria para a esquerda. Já quanto à presença do crescente lunar,
a distinção poderia estar nas fontes disponíveis que o artífice utilizou como base
para a fatura da imagem, uma vez que este atributo está relacionado à representação do Apocalipse. Porém, mesmo com estas diferenças, as semelhanças quanto ao
atributo Menino Jesus são correspondentes da mesma forma que em outras esculturas e as relaciona sob um mesmo tema.
PANOFSKY, Erwin. Ibidem, p. 51-54.
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Das cinco imagens que encontrei em Minas Gerais, quatro demonstram estruturas compositivas que seguem este mesmo modelo iconográfico. Uma delas se encontra na Capela do Padre Faria. Segundo Augusto de Lima Júnior, este padre seria o
responsável por trazer o culto a Nossa Senhora do Bom Sucesso a Minas Gerais, onde
teria organizado uma bandeira por conta própria em busca do ouro no pé do Itacolomy, fundando uma ermida a esta invocação, que mais tarde se mudara para a
atual localização desta capela, mas adotando outra denominação, a de Nossa Senhora do Rosário10. A mesma narrativa também é relatada por Nilza Megale11. Porém,
Adalgisa Arantes Campos não cita nenhum destes acontecimentos quando faz um
breve histórico do monumento. Ela afirma que “em 1733, o Rosário do arraial do
Padre Faria constituiu outro livro de compromisso”.12 Citando o Conselheiro Santana,
diz ainda que a irmandade teria surgido em 1719, dentro da Igreja Matriz de Nossa
Senhora da Conceição, de onde partiu para erigir um templo próprio, porém, com
uma cisão entre pretos e brancos, os brancos haviam ficado com a Capela do Padre
Faria e os negros, com a Igreja de Santa Ifigênia13. Para finalizar, e contrariando ainda
mais as histórias da relação entre Nossa Senhora do Bom Sucesso e a capela, ela
coloca que a invocação existente no retábulo-mor é da Virgem do Parto.
Direcionando o foco à imagem, como disse Adalgisa, ela está localizada no
retábulo-mor, sobre o tabernáculo, na parte inferior do camarim. Embora também
apresente o Menino Jesus nu alinhado ao eixo central do corpo, o braço esquerdo
da Virgem projeta-se um pouco mais a frente do que o direito. Com isto, percebe-se
uma semelhança com a imagem de São Paulo, porém a nuvem sobre a qual Nossa
Senhora está apoiada, onde se percebe dois querubins, mais uma vez cria diferenças. Esta distinção também ocorre com as outras imagens da mesma região. No livro Devoção e Arte, organizado por Beatriz Coelho, foram incluídas fotografias de
duas esculturas que apresentam algumas semelhanças quanto à composição iconográfica citada. Localizadas, uma, na Igreja de São José de Ouro Preto14 e, outra, na
de Nossa Senhora das Mercês de Tiradentes15, observa-se o alinhamento da posição do Menino Jesus ao eixo central do corpo. Na imagem de Tiradentes, apesar
dela não possuir a nuvem com os querubins, o Menino aparece nu e a Virgem está
coroada. Já, na outra, de Ouro Preto, encontramos o inverso: Nossa Senhora está
sobre a nuvem, sem coroa, com os braços segurando o Menino, embora este atributo não apareça. Esta mesma posição se encontra em uma outra imagem, localizada na Igreja de Nossa Senhora do Rosário de Ouro Preto, no primeiro retábulo
lateral do lado do Evangelho. Nele, no nicho esquerdo, a Virgem, de pé, segura o
LIMA JÚNIOR, Augusto. História de Nossa Senhora em Minas Gerais: origens das principais invocações. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1956, p. 142.
11
MEGALE, Nilza Botelho. Ibidem, p. 96.
12
ARANTES, Adalgisa Campos. Roteiro Sagrado: monumentos religiosos de Ouro Preto.
Belo Horizonte: Tratos Culturais/Editora Francisco Inácio Peixoto, 2000, p. 79.
13
Idem, Ibidem.
14
Devoção e Arte: Imaginária Religiosa em Minas Gerais / Beatriz Coelho, organizadora.
São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2005, p. 107.
15
Idem. Ibidem, p.252.
10
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Menino sobre o braço esquerdo e o direito levemente o apóia. Jesus está vestido e
sob os pés de Nossa Senhora vemos uma nuvem com os querubins.
Algumas destas mesmas variações iconográficas são compartilhadas pela imagem
de Goiás. Classificada como obra do artífice José Joaquim da Veiga Valle e atualmente
no Museu de Arte Sacra da Boa Morte, ela apresenta os mesmos atributos citados anteriormente. No entanto, se distingue por apresentar o Menino Jesus sentado sobre o
braço esquerdo da Virgem, enquanto o braço direito dela toca seu ventre. Este gesto,
apesar de se diferenciar bastante em relação às outras imagens, denota uma relação
entre a Virgem e as circunstâncias do nascimento de Jesus, mostrando uma outra forma
de simbolizar o mesmo tema e os dogmas a ele relacionados.
Ao sul da América Portuguesa, a escultura de Viamão encerra o percurso das
imagens do primeiro modelo iconográfico. Suas características dialogam com as
formas das demais e, com isto, verifica-se uma coerência no conjunto. Das onze
representações encontradas sob a denominação Nossa Senhora do Bom Parto e
Nossa Senhora do Bom Sucesso, oito se identificam com a primeira descrição proposta por Maria José de Assunção da Cunha para a iconografia destas invocações.
Além disso, fica evidente, após a análise de todas estas referências, que a origem
de suas afirmações se concentra na imagem da capela do Padre Faria. Entre esta e
a ilustração que utiliza para representar a iconografia da invocação em seu livro16,
há inúmeras semelhanças que perpassam panejamento, forma da nuvem, número
de querubins, cabelo, fisionomia e gestualidade. Assim, reconhece-se a fonte que
foi utilizada para tais conclusões e o porquê da citação de tais atributos. Entretanto,
ainda fica uma dúvida quanto à posição da Virgem, pois afirma Maria José que ela
aparece sentada. Neste caso, só se pode pressupor um erro óptico: ao olhar a imagem de baixo, devido ao panejamento, os joelhos parecem estar flexionados, ilusão que se desfaz quando se muda o ângulo e focaliza-se o perfil da escultura.
Subtraindo do conjunto as oito imagens já analisadas, restam três que para
corresponderem à atribuição de Nossa Senhora do Bom Parto ou do Bom Sucesso
devem seguir as prerrogativas do segundo modelo iconográfico proposto por Maria
José: Virgem e o Menino de pé, segurando flores. A estas características, uma imagem de Caeté seria o maior exemplo. Na Igreja de Nossa Senhora do Bom Sucesso,
no retábulo-mor, encontra-se uma escultura cuja representação da Virgem é de pé,
tendo o menino Jesus sentado sobre seu braço esquerdo e projetando o seu braço
direito distante do corpo. Há uma flor na mão direita dela e outra na esquerda do
Menino. A Virgem está coroada e sobre a cabeça de Jesus, há um resplendor.
Conforme Caio Boschi, em Minas Gerais, havia somente duas irmandades de
Nossa Senhora do Bom Sucesso: a primeira em Caeté, na freguesia de mesmo
nome da invocação e a segunda, em São João del Rei, na freguesia de Nossa Senhora do Pilar17. Em seus estudos, em nenhum momento, cita uma irmandade de
CUNHA, Maria José de Assunção da. Ibidem.
BOSCHI, Caio. Os leigos e o Poder: Irmandades Leigas e a Política Colonizadora em Minas Gerais.
São Paulo: Ática, 1986, p. 195.
16
17
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Nossa Senhora do Parto, ou Bom Parto, deixando claro que, de acordo com a documentação, não há uma relação entre as duas invocações neste território. Com
isto, surge uma idéia de separação, cuja importância é reforçada pelas imagens das
outras regiões, uma vez que lançam dúvidas entre as correspondências iconográficas, devido a um outro atributo, e confirmam alguns dados históricos por seus
próprios registros como instituições.
Nilza Megale, Rizzardo da Camino e Augusto de Lima Júnior, quando aludem
a Nossa Senhora do Bom Sucesso, concordam relatando os feitos que o Padre Faria
realizou na capitania das Minas. No entanto, os três, apontam que antes de se assentar neste novo lugar, ele estava estabelecido na região de Pindamonhangaba, no
atual Estado de São Paulo, onde já havia construído uma capela dedicada à invocação18. Investigando acerca da referência a este lugar e seus remanescentes coloniais, é possível encontrar, ao menos em parte, a confirmação de tal informação na
obra de Percival Tirapeli. Ele apresenta a referida igreja de Nossa Senhora do Bom
Sucesso, contextualizando-a segundo dados do século XIX, o que é nítido pela fachada do monumento19. Entretanto, faz poucas referências à história colonial, salvo
quando destaca a imagem do orago da Igreja.
Sobre a escultura de barro cozido e policromado, primeiramente, pode-se inferir que o contexto da qual fazia parte era anterior ao de Minas Gerias, pois suas
características técnicas e estilísticas denotam uma representação do século XVII. Já,
quanto à iconografia, seus atributos a diferenciam do que se esperava. A imagem
apresenta a Virgem de pé, com o menino nu sentado sobre seu braço esquerdo,
tendo o direito projetado a frente de seu corpo, com um centro à mão.
Semelhante composição verifica-se em outra imagem, agora de outra região. No
Rio de Janeiro, na Igreja de Nossa Senhora do Bom Sucesso, edifício junto à Santa
Casa de Misericórdia, há uma escultura que também apresenta a Virgem, de pé, segurando o menino Jesus com a mão esquerda. Nela, o infante está vestido, de pé e na
mão direta de Nossa Senhora, encontra-se mais uma vez um cetro. Com isto, estabelece-se tanto uma relação iconográfica quanto temporal entre as duas imagens, uma
vez que as características formais também apontam para um modelo de representação do século XVII, como acontece com a imagem de São Paulo. Confirmando esta
questão, Rizzardo da Camino diz que a invocação de Nossa Senhora do Bom Sucesso chegou ao Brasil, em 1637, pelas mãos do Padre Miguel Costa que trouxe uma
imagem de Portugal, afixada na Santa Casa de Misericórdia20.
Estes dados esclarecem algumas dúvidas e restabelecem as bases para algumas
conclusões. A imagem de Caeté, embora esteja extramente relacionada à descrição do
segundo modelo iconográfico, é posterior às esculturas do Rio de Janeiro e São Paulo.
MEGALE, Nilza Botelho. Ibidem, p. 96; CAMINO, Rizzardo da. Ibidem, p. 86 e LIMA JÚNIOR,
Augusto de. Ibidem, p. 141.
19
TIRAPELI, Percival. Igrejas Paulistas: Barroco e Rococó. São Paulo: Editora da UNESP:
Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2003, p. 286.
20
CAMINO, Rizzardo da. Ibidem, p. 86.
18
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Estas apresentam um atributo que não está representado na imagem de Minas Gerais:
na imagem de Caeté, ao invés do cetro, há uma flor na mão direita da Virgem. Entretanto, a flor não é uma representação de madeira embutida à talha da escultura e,
portanto, cria um espaço onde se encaixa o atributo. Sabendo-se o quanto as esculturas
sacras coloniais são passíveis de sofrer interferências devido a sua função devocional,
não poderia a imagem, um dia, ter tido um cetro?
A resposta não pode ser afirmada veementemente, mas, cabe ressaltar a possibilidade levando em conta a pouca abrangência dos modelos iconográficos propostos
por Maria José. Em seu livro, ao relacionar a iconografia de Nossa Senhora do Bom
Parto e Nossa Senhora do Bom Sucesso, ela toma como base a imaginária sacra mineira, sedimentando os modelos de acordo com duas imagens que são marcos de
diferentes momentos históricos já mencionados. Com isto, se torna muito complicado expandir esta iconografia cristã para o restante da América Portuguesa.
O que se pode observar nas imagens é que suas formas evidenciam uma nova
perspectiva para uma fronteira entre as duas invocações. As oito esculturas encontradas com a denominação de Nossa Senhora do Parto, Virgem do Parto ou do Bom
Parto, demonstram uma coerência iconográfica que confirma uma invocação e,
logo, um tema. A representação da Virgem segurando o Menino Jesus denota uma
compreensão da maternidade de Maria: como ela, após todas as questões referentes à gravidez e ao nascimento, se relacionou com seu filho. Ou seja, aos olhos dos
fiéis da época, esta invocação representava a imagem da Virgem-mãe, um modelo
divino para suas atitudes mundanas.
Já, a representação de Nossa Senhora do Bom Sucesso caberia uma outra função.
Como comenta Augusto de Lima Júnior, desde seus primórdios em Portugal, esta invocação estava relacionada ao bom sucesso na morte21. Neste contexto, se entenderia a
sua transposição à América, pois os aventureiros lusos que se espraiaram por estas
terras, esperavam ser auxiliados pela intercessão da Virgem quando a morte batesse à
sua porta, uma vez que as possibilidades disto acontecer se apresentavam em grau
elevado. Percebe-se, então, que o atributo ‘cetro’ está relacionado à representação de
uma Virgem intercessora, que concede aos fiéis uma chance de converter seus atos da
vida terrestre em luz para a vida eterna.
Mas, ainda resta uma questão: como indicar cada uma das duas invocações na
identificação das imagens depois desta separação? Historiograficamente, de um
lado, está Nossa Senhora do Bom Sucesso; do outro, Nossa Senhora do (Bom) Parto, cada uma com sua forma, iconografia e devoção colonial distinta. Agora, se
para os fiéis houve e há ambigüidades, talvez o texto dê uma ajuda.
21
LIMA JÚNIOR, Augusto. Ibidem, p. 142-143.
434 - Atas do IV Congresso Internacional do Barroco Íbero-Americano
Bibliografia
ARANTES, Adalgisa Campos. Roteiro Sagrado: monumentos religiosos de Ouro
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em Minas Gerais. São Paulo: Ática, 1986.
CAMINO, Rizzardo da. A Senhora da Conceição Aparecida (padroeira do Brasil). Rio de
Janeiro: Editora Aurora, 1996.
CUNHA, Maria José de Assunção da. Iconografia Cristã. Ouro Preto: UFOP/IA,
1993.
Devoção e Arte: Imaginária Religiosa em Minas Gerais / Beatriz Coelho, organizadora. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2005.
LIMA JÚNIOR, Augusto. História de Nossa Senhora em Minas Gerais: origens das
principais invocações. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1956.
Mostra do redescobrimento: arte barroca. Nelson Aguilar, organizador / Fundação
Bienal de São Paulo – São Paulo: Associação Brasil 500 Anos Artes Visuais, 2000.
MEGALE, Nilza Botelho. Invocações da Virgem Maria no Brasil. São Paulo: Vozes,
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Museu de Arte Sacra: Imaginária séc. XVI e XVII. São Paulo: Empório de Produções
& Comunicação, 2002.
Museu de Arte Sacra: Imaginária séc. XVIII. São Paulo: Empório de Produções &
Comunicação, 2002.
PANOFSKY, Erwin. Iconografia e Iconologia: uma introdução ao estuda da Arte da
Renascença. In: Significado nas Artes Visuais. São Paulo: Perspectiva, 2004.
RÉAU, Louis. La Vierge. In.: Iconographie de l’art chrétien. Tomo 2, v. 2. Paris:
Press Universitaire de France, 1957. p. 53 – 151.
TIRAPELI, Percival. Igrejas Paulistas: Barroco e Rococó. São Paulo: Editora da
UNESP: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2003.
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Nossa Senhora do Parto. Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição. Viamão - Rio Grande do Sul. Foto: Laboratório de Estudos e
Pesquisa em Arte Colonial.
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Nossa Senhora do Ó (camarim). Capela de Nossa Senhora do Ó. Sabará Minas Gerais. Foto: Márcia Bonnet.
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Virgem do Parto. Capela do Padre Faria. Ouro Preto
- Minas Gerais. Foto do autor.
Nossa Senhora do Bom Sucesso. Igreja de Nossa
Senhora do Bom Sucesso. Rio de Janeiro - RJ. Foto:
Márcia Bonnet.
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