Catedrático e autor,
Daniel Innerarity:
As
Daniel Innerarity é
pessoas queum optimista por
"uma única razão":
transformam
as
para se ser pessimista
sociedades são
é precisoos
estar muito
E ele tem
moderados seguro.
dúvidas.
BÁRBARA REIS (HTTP://WWW.PUBLICO.PT/AUTOR
/BARBARA-REIS)
15/09/2013 - 00:00
Pede para a entrevista
ser em castelhano,
francês ou alemão. "O
meu pior erro foi não
acreditar que a
globalização ia ser a
sério, deixei o inglês
para trás", diz a rir.
Daniel Innerarity,
catedrático de
Filosofia Política,
basco, 54 anos, é
professor nas
universidades de
Zaragoza e Sorbonne,
e autor de vários
(http://imagens6.publico.pt/imagens.aspx/797706?tp=UH&
db=IMAGENS)
DANIEL ROCHA
livros, alguns dos
quais publicados em Portugal pela Teorema. Com A Transformação da
Política (2002) ganhou prémios de ensaio e entrou na famosa lista dos "25
grandes pensadores do mundo" que a revista Nouvel Observateur
publicou quando fez 40 anos. Innerarity esteve em Lisboa há uma semana
para o colóquio inaugural do novo think tank Institute of Public Policy
Thomas Jefferson-Correia da Serra, dirigido pelo economista Paulo Trigo
Pereira. No elevador, lançámos a proposta: fazermos uma entrevista
monotemática, 100% sobre "a política", pôr "o político" para cima e para
baixo, virá-lo do avesso, de pernas para o ar, abri-lo com um bisturi e
espreitar por dentro. "Bueno, vamos a isso."
Dedica a sua vida a uma coisa politicamente incorrecta: fazer o
elogio dos políticos e da política. Por que é que a política é
importante?
Provavelmente há uma explicação psicológica. Quando vejo um
linchamento, defendo a pessoa que está a ser linchada. E quando vejo
demasiadas pessoas de acordo em relação a um lugar-comum, começo a
pensar que é suspeito. Segunda explicação: preocupa-me muito que a
política esteja a ser mal feita, mas preocupa-me ainda mais que, numa
sociedade livre, a política seja débil.
Durante muitos anos, o grande problema era termos um poder que se
excedia. Esta visão mudou e hoje temos a atitude contrária. A maior parte
dos problemas que temos vêm não do facto de o poder ser demasiado
forte, mas do facto de o poder ser demasiado fraco.
Por que é que o poder se tornou mais fraco?
Porque o mundo se tornou em algo muito mais complexo. O governo de
sociedades circunscritas por uma fronteira soberana, com uma moeda e
uma disposição à obediência bastante notável (porque as pessoas tinham
menos formação), era um governo relativamente fácil. As sociedades
actuais têm muito mais competências, horizontalizaram-se muito, são
muito menos verticais. Por outro lado, os limites já não limitam. Em
Portugal entram a troika, as alterações climáticas e a imigração. As
sociedades são lugares de passagem. Além disso, os assuntos sobre os
quais os políticos têm de decidir têm uma componente técnica de
especialização que os tornam muito difíceis - sistema financeiro, meio
ambiente, sustentabilidade das pensões, que recursos dar à investigação...
São decisões que exigem um grande saber.
A política precisa dos técnicos, mas os técnicos não podem
dominar a política. Como se sai desta armadilha?
O problema é que o técnico e o político se configuraram como dois pólos
distintos. Os técnicos recomendam - ou impõem - sem terem em conta a
lógica política, e os políticos tomam decisões sem terem em conta os
meios, as condições e as possibilidades técnicas. Esses dois pólos têm que
funcionar num único momento.
Estarem sempre juntos até à decisão final?
Sim, making sense together. Em vez de serem dois aspectos separados,
têm que trabalhar juntos. Temos que combater a tecnocracia e o
decisionismo dos políticos, nenhum dos poderes pode estar acima do
outro.
Isso não deixa o político numa situação frágil?
É impossível governar pessoas sem perceber as suas razões, as suas
lógicas, os seus saberes. Já não estamos num mundo no qual quem manda
é o mais esperto da turma e em que os que são mandados não sabem nada.
Em muitos casos, os que são mandados sabem muito mais do que quem
governa. É preciso um diálogo entre os dois.
Propõe menos poder para os políticos?
Menos hierarquia. Se o fizerem bem, vão estar numa relação menos
hierárquica, menos vertical, mas vão ter mais saber, mais conhecimento, e
esse conhecimento vai trazer mais igualdade. O problema é que estamos
assim [levanta os braços e forma uma balança desequilibrada], com os
técnicos com muito mais poder do que os políticos. Não se trata de
inverter isto. Temos que caminhar para uma sociedade mais horizontal.
Hoje ainda pensamos no poder como uma vertical, alguém que está em
cima e alguém que está em baixo. E por isso a Europa é interessante. E por
isso ainda explorámos pouco as formas de compliance, de aceitação e de
governo que não são autoritárias. O facto de haver na Europa uma
dimensão muito consensual de governo está, provavelmente, a
permitir-nos explorar formas de articulação de poder que não são
estritamente hierárquicas.
O que nos mostra o caso Monti/Berlusconi, no qual o técnico é
muitíssimo melhor do que o político, mas que, chegados às
eleições, nos trouxe Berlusconi de volta?
Vivi o ano passado em Itália e acompanhei esse período intensamente. A
entrada de Monti na política tem a ver com a introdução de uma
racionalidade económica num país que estava à beira do abismo. Seria
sempre provisória. Durou o tempo que durou e houve eleições e
Berlusconi voltou a ter um grande protagonismo, porque a Itália é muito
berlusconiana. Interpreto-o da seguinte maneira: o eixo esquerda/direita
complicou-se com o aparecimento de um outro eixo de diferenciação
política, que é a tecnocracia/populismo. Que por sua vez têm as suas
próprias versões de direita e de esquerda. Dentro da tecnocracia (no
sentido suave da expressão) há uma linha conservadora (Monti) e uma
mais progressista (Enrico Letta). E do outro lado, temos um populismo de
esquerda (Grillo) e de direita (Berlusconi). Estas são hoje as quatro
possibilidades do político.
Isso deixa os políticos com poucas possibilidades: nem os
tecnocratas nem os populistas são opções interessantes...
A chave da questão é como conseguimos vincular estes dois tipos de
legitimidade. Terá êxito o político que for capaz de juntar a competência
técnica e responsabilidade pública ao ser compreendido e apoiado pelas
pessoas. Não é fácil. O mundo das finanças é muito complicado, as pessoas
estão cansadas, há uma grande pressão pelo imediato... Mas esta é a
fórmula mágica. Digo-o publicamente e sem patente!
Esse vazio torna a política hoje mais importante do que era, por
exemplo, nos anos 1980?
Sim. Há três factores: nos anos 1980 os políticos estavam na torre de
controlo da sociedade, era o mundo das grandes transformações e dos
grandes conflitos em torno da Guerra Fria e de modelos sociais. Hoje, em
ambientes de grande mudança - em cinco anos tivemos prémios de risco
das taxas de juro, conflitos de todo o tipo, desaceleração (há uma grande
desaceleração da História) - a ideia de programa eleitoral, de promessa
eleitoral, acabou. Como dizia um filósofo francês, "acabou a era da
promessa". A promessa que se mantém no tempo, que tem um objectivo
de longo prazo, e que configura um programa e uma identidade,
debilitou-se num ambiente em que o político se dedica a chutar bolas para
fora, como os jogadores de futebol. Há uma parte da política que consiste
em improvisar, tratar do curto prazo, vencer a pequena batalha. Os
políticos não podem fazer grandes promessas porque a situação política
não é estável e eles passam a vida a improvisar.
Sem programas, o político não fica ainda menos preocupado
com o longo prazo?
Eles têm que fazer menos promessas e as que fazem têm que ver mais com
o compromisso pessoal do que com os resultados. Eu posso prometer
esforçar-me para procurar consensos, mas não posso prometer resultados
concretos. Os políticos não podem prometer criar um milhão de postos de
trabalho. Não é sincero. Há uma grande urgência para que a política
recupere uma visão de longo prazo. Se a política se limita a ser uma
agregação de pequenas decisões no curto prazo, acabará por dar
resultados incoerentes.
Outro factor é o condicionamento que temos no mundo interdepen-dente,
onde os instrumentos de soberania são muito pouco eficazes. Todos os
políticos estão num espaço político no qual têm a impressão de estar a ser
governados por outros. Estão constantemente a dizer-nos coisas que temos
que fazer. Ou é Merkel, ou são os mercados internacionais, ou os EUA.
Especialmente na Europa, estamos rodeados de exigências que fazemos
uns aos outros, porque sabemos que o que fazemos vai influenciar outros.
A reforma laboral na Alemanha influi imediatamente no crescimento do
emprego ou do desemprego em Portugal. Numa Europa onde estamos a
condicionar-nos uns aos outros continuamente, atirando fardos para os
vizinhos, impõe-se um tipo de atenção ao contexto muito mais amplo do
que o contexto nacional - que se tornou provinciano e pequeno.
Os cidadãos estão cada vez mais distantes da política. Quais são
as principais causas deste tédio?
Há uma razão: as pessoas estão cada vez mais conscientes de que a sua
influência sobre as decisões políticas nos seus países é muito pequena,
pois a maior parte das decisões tomadas vem fortemente condicionada por
factores exógenos como o sistema financeiro, as obrigações recíprocas
entre os países da União Europeia, as crises. As pessoas vêem que a
diferença entre governarem uns ou outros é pequena. Outro factor é um
problema de inteligibilidade: temos muita dificuldade em compreender o
que se está a passar.
Nós ou os políticos?
Todos. O que se está a passar está a ser mal explicado. Não o entendem os
políticos, não o entendem os cientistas sociais, não o entendem os
filósofos, não o entendem os cidadãos. Provavelmente, há hoje mais
transformações e mudanças do que as nossas capacidades cognitivas
conseguem compreender. Vai demasiado depressa. E por isso é errada a
tendência muito na moda (e um pouco populista) - e aqui falo como
cidadão - de dizer que sabemos o que devia ser feito. Os cidadãos
deveriam ser sinceros e reconhecer que também não sabem o que deve ser
feito. Por vezes estamos a criticar o que é feito pelos políticos com base na
ideia de que os cidadãos saberiam perfeitamente o que deveria ser feito,
mas que infelizmente tivemos o azar de nos ter caído em cima uma classe
política que não sabe o que fazer. Este quadro não é real. É um quadro
populista.
Estamos todos perdidos...
Sim. Mas este é um bom ponto de partida. Dizia Kant: o homem não sabe
exactamente o que quer. É uma grande frase da história da filosofia.
Partamos da ignorância. Não estamos nos anos 80, quando partíamos de
modelos fixos.
Como é que se sai disto?
Fala-se muito do elemento deliberativo da política, ou seja, de que a
política seja um espaço no qual a sua organização e modo de comunicação
permita avançar cognitivamente e descobrir coisas. Em vez de chegar à
política com ideias preconcebidas, dogmas e interesses fixos, aceitemos
que vamos para a política fazer descobertas. Muitos dos erros colectivos
que cometemos como sociedades foram erros cognitivos, não foram erros
morais. A própria crise: não fomos capazes de antecipar cognitivamente os
riscos, não medimos bem, cada um estava no seu mundo fechado e
concentrado num interesse concreto. Claro que há diferentes graus de
responsabilidade, porque os cidadãos foram enganados. Mas os cidadãos
também fizeram cálculos domésticos errados.
Como é que se chega a esse equilíbrio de conseguir tomar
decisões diárias e estar livre para poder descobrir?
Respondo-lhe com uma história: John Franklin, o navegador que
descobriu a Passagem do Noroeste, era uma pessoa muito lenta e
dedicou-se a profissões nas quais ser lento era uma vantagem competitiva.
Decidiu ser navegador. Quando estava num momento crítico da sua
expedição, as temperaturas baixaram muito. O mar começou a gelar e ele
tinha de tomar uma decisão. Ele era o capitão. Ia para um lado ou para o
outro? A tripulação estava com muito medo e ele demorou muito tempo a
decidir. Tomou a decisão certa, mas a tripulação estava muito ansiosa. O
biógrafo que contou a sua vida escreveu que Franklin "escapou da morte
porque era mais lento do que ela". Há certos erros dos quais, pessoal e
colectivamente, só nos livramos se pararmos, se formos um pouco lentos.
Se formos capazes de ter uma certa antecipação do futuro. Eu tenho um
detector de preguiçosos para as organizações. Quem é o que menos
trabalha? É o que está mais agitado. E por vezes o mais lento é o que está a
trabalhar mais, o que está a transformar. No mundo actual, há demasiada
agitação improdutiva. Na política isto também se aplica. Há uma grande
agitação, mas há uma grande incapacidade de transformar.
Nessa lógica, Merkel seria uma transformadora...
Penso que no seu caso tem apenas a ver com o seu calendário eleitoral.
Não sei. Dou-lhe um pouco de psicanálise barata: ela provavelmente está à
espera de ter mais razões para convencer o seu eleitorado e poder
dizer-lhes: eles no Sul já estiveram de castigo, já fizeram tudo o que nós
lhes dissemos que tinham que fazer, agora é o momento de os apoiar.
Defende que faz parte da normalidade democrática "um certo
aborrecimento", mas há ou não limites a partir dos quais
devemos preocupar-nos?
Esse tédio não é tão preocupante como por vezes nos fazem crer. Às vezes,
pelo contrário, preocupa-me o interesse excessivo dos cidadãos pela
política, porque isso pode trazer muita crispação, muita agressividade. Por
que é que aceitamos o pluralismo de esquerda e direita e não aceitamos
que haja pessoas que se interessam mais por política do que outras?
Como interpreta a nova mobilização dos cidadãos, que têm
vindo para a rua protestar? É uma contradição em relação a esta
apatia ou faz parte dela?
As pessoas estão preocupadas e querem mostrar a sua indignação
genérica, mas essa pulsão de cidadania não se canaliza através dos
mecanismos habituais da representação - os partidos e os sindicatos.
A democracia ficava mais forte se estes cidadãos estivessem
vinculados a partidos e sindicatos?
Não necessariamente. Não deveríamos confundir os dois planos. O
movimento social existe para mudar as agendas, não para fazer política.
Esse foi o erro de Beppe Grillo em Itália: querer fazer de um movimento
social um partido político, quando um partido tem estatutos, um corpo
ideológico, âmbitos de responsabilidade. Numa manifestação não há nada
disso.
Neste mundo em transformação, quais são as funções dos
políticos?
Há vários planos. O primeiro de todos é ter uma ideia geral do que se está
a passar. A política está muito parcelada. Os técnicos sabem de uma coisa,
os políticos de outra. Um político tem que ter olfacto para ter uma ideia do
conjunto e sobretudo perguntar-se sempre pelas condições de
compatibilidade de lógicas distintas. A política é sempre um compromisso;
na política nunca se consegue o que se quer; a política tem sempre a ver
com a escolha entre dois males, mais do que entre o bem e o mal. O
político tem de ser capaz de pensar como se articula o económico com o
político, o social, o educativo, o ambiental, o cultural. E ser o agente de
articulação de esferas que hoje estão separadas.
Uma espécie de supervisor?
Gosto da palavra. Supervisor não no sentido hierárquico, mas de alguém
capaz de impulsionar em cada uma dessas esferas uma auto-reflexão.
O que é que os políticos têm de fazer melhor do que ninguém?
Provavelmente, procurar o acordo, o compromisso, a compatibilidade.
Mas se o político tem que fazer alguma coisa muito bem é ter a noção do
conjunto.
Hoje o compromisso é visto como um sinal dos "fracos", as
cedências são lidas como "recuos"... Cícero está certo e Mandela
é um herói, mas na prática não respeitamos essas qualidades
nos políticos.
As pessoas que transformam as sociedades são os moderados, não os
radicais. Grillo não vai transformar a Itália. São os moderados dos
diferentes partidos que mudam as coisas. Todos os partidos, as igrejas
também e os movimentos sociais geraram à sua volta o seu Tea Party.
Todos temos o nosso Tea Party, um Tea Party que nos vigia de modo a
impedir-nos de fazermos acordos. Um exemplo: foi o Tea Party que deu a
Obama a sua reeleição. Quem quiser transformar a política actual tem que
se livrar do canto da sereia dos puros do seu partido.
Dois exemplos de moderados que transformaram a história.
Mandela e os que conseguiram acabar com o terrorismo, como na Irlanda
do Norte.
Para a arte do compromisso, propõe o fim da "linguagem do
princípio". "Isto para mim é uma questão de princípio..." Pode
explicar essa ideia?
Há duas coisas que dificultam muito os compromissos em política. Uma é
essa. A outra é o peso excessivo que as campanhas eleitorais têm sobre a
actuação dos políticos no governo. Os políticos fazem duas coisas:
campanha e governo. Neste momento, fazem 90% de campanha e 10% de
governo. O tipo de linguagem e de relação entre eles procede da
campanha, tem a lógica da campanha e muito pouco de governo. Isto tem
um preço muito alto. A campanha está pensada como um tempo de
confrontação, mas limitado no tempo, a seguir ao qual há o momento do
governo, no qual quem ganha pode precisar da colaboração dos que
perderam. Se as campanhas são muito agressivas, muito duras, muito
crispadas, com desprezo, não entre adversários mas entre inimigos,
fechamos o espaço de colaboração que precisamos para governar.
Pensemos mais em governar do que em ganhar eleições. O que não são
coisas facilmente compatíveis.
Fernando Henrique Cardoso, ex-Presidente do Brasil, escreve
nas suas Cartas a Um Jovem Político (D. Quixote, 2010), que
"você que está a começar na política não deve imaginar que para
ser popular terá que ser mentiroso - uma das atitudes mais
comuns". Impressiona pela assertividade. O que devemos fazer
com a mentira em política?
Não voltarmos a votar neles.
Mas as pessoas continuam a votar. Da habituação, já passámos
para a aceitação.
Sim. Mas a generalização - todos mentem, todos são corruptos - beneficia
principalmente os que mentem e os que são corruptos. Muitas vezes
fazem-se promessas sem terem em conta as condições de possibilidade de
as realizar.
Como Obama em relação a Guantánamo?
Obama é o caso do desajuste de uma pessoa que fala demasiado bem, mas
que tem pouco poder transformador.
É um moderado, deveria ser o tal transformador de que fala...
É um grande cabeça de cartaz de uma campanha, mas não é tão bom
governante como candidato.
Somos nós que colocamos os políticos no papel de salvadores ou
são eles próprios?
As duas coisas. Uma cumplicidade entre ambos: os políticos que dizem
certas coisas e nós que queremos que os políticos digam certas coisas. Tem
que se romper isso. Nós ou eles. Caso contrário, ficamos neste círculo
infernal.
Temos hoje uma "invasão" de juízes, jornalistas, advogados e
empresários na política. Isso é bom ou mau para a política?
É bom. Quem deve fazer política? Dois tipos de pessoas: têm que ser
políticos profissionais, mas é bom que na política entrem pessoas de
outras profissões para enriquecer os discursos, a maneira de pensar, desde
que respeitem a lógica da política e não imponham a lógica da sua própria
profissão.
O que são "políticos profissionais"?
Políticos a tempo inteiro. A política não deve ser um lugar passageiro. Há
uns anos, havia na Alemanha um sector que dizia que os deputados só
podiam fazer mandatos de quatro anos. Temos que encontrar um ponto
intermédio. Em política todos os princípios que se aplicam com muita
rigidez têm efeitos secundários negativos. Há quem diga que a limitação
de mandatos nos governos radicaliza os governantes no último mandato
(que fariam coisas que não fariam se tivessem que tentar ser reeleitos).
Mas isso tem a vantagem de permitir que o político faça coisas que são
necessárias mas impopulares. A política é isso, é uma ciência muito
impura, muito de equilibrar. Decretar algo com demasiada rigidez para
todos os casos parece-me errado.
Como é que se torna tudo isto operativo, como é que se
transforma a política mobilizando as pessoas? Como é que se
melhora a política?
De tudo, o mais importante é que a política se torne uma coisa inteligível.
A Europa é um exemplo. Nós não entendemos nada. Não é uma questão
de engenharia constitucional ou sequer de liderança, como se costuma
dizer. Mudaram muitas coisas. Vamos ter espaços mais interdependentes,
lideranças mais fracas, poderes mais partilhados. Para isso temos de
aprender uma gramática como se aprende português. Se não fizermos isso,
continuamos a aplicar soluções velhas para problemas novos. Hoje
aplicamos soluções nacionais a problemas globais, transformamos
conflitos de desigualdade em conflitos entre países, pensamos como se os
problemas não tivessem a complexidade que têm.
Está do lado dos optimistas que acreditam que a política vai ser
capaz de se transformar ou dos que dizem que a actual forma
degradada da política se vai apenas normalizar?
Eu não partilho da ideia de que as "crises são oportunidades", como se diz
muito, porque há instituições, civilizações e empresas que sofreram crises
e as aproveitaram mal. Para o melhor e para o pior, estamos no horizonte
da indeterminação histórica. Sou mais optimista do que pessimista por
uma única razão: para se ser pessimista é preciso estar muito mais seguro
do que para se ser optimista. Os pessimistas declaram que não é possível
mudar, que tudo se esgotou, que a história acabou. Esses discursos nunca
me convenceram. O meu optimismo tem como base o cepticismo. Nenhum
pessimista me convenceu e por isso tenho que continuar a ser optimista,
que era o que o meu pai me dizia que eu tinha que ser.
Dedica um dos seus livros ao seu filho, "com o desejo de que não
acredite nos que entendem que a política é uma actividade
indigna nem contribua para lhes dar razão". Acredita que a
próxima geração vai recuperar o respeito pelos políticos?
Não sei, mas fundamentalmente a sociedade horizontalizou-se. A
consciência de que quem manda não é necessariamente quem mais sabe,
nem o que está acima, nem que tem a última palavra, é uma ideia que está
muito presente na nossa sociedade. A partir de quem tem menos de 40
anos, as pessoas que já não viveram universos hierárquicos como os do
passado. Eles têm um sentido dessa horizontalidade, sabem que é possível
em termos tecnológicos, cognitivos e comunicacionais. Têm uma
naturalidade com o horizontal que lhes vai tornar muito difícil entender
relações do tipo vertical. Quem tem funções de poder ou é capaz de
convencer e de dar boas razões ou vai enfrentar uma grande resistência
para receber legitimidade.
Nesse caso, podemos estar despreocupados, a política vai
mudar.
Sim. Os nossos filhos vão fazer uma política diferente.
Não é possível a política sem as "coisas feias" da política?
A política é sempre a escolha entre uma coisa mal e uma muito
pior. A decepção fará sempre parte da política.
Que preço pagaríamos se vivessemos sem política?
Tirávamos a esperança a uma parte da sociedade cuja única esperança é
que a política as proteja. A parte da população que tem dinheiro e acesso
aos meios de comunicação não se preocupa muito. Mas os outros sim.
Podemos medir a qualidade da democracia pela qualidade dos
políticos?
Não. O importante é que a equipa funcione bem. É como no futebol, mas
sem grandes estrelas. A política será um sistema inteligente quando as
regras forem inteligentes e não porque há políticos inteligentes. Podemos
prescindir de pessoas inteligentes, mas não podemos prescindir de
sistemas inteligentes.
Não precisamos de políticos brilhantes?
De vez em quando aparece uma pessoa extraordinária, mas temos que nos
habituar mais a líderes menos heróicos, menos enfáticos e, em vez disso,
termos equipas, regras, procedimentos, sistemas.
Propõe uma coisa chata, bastante boring...
Sim, proponho isso. Proponho uma política pós-heróica. Há muitas
críticas sobre o facto de a União Europeia ter líderes chatos, como
Barroso, Rompuy e Ashton. Eu não tenho problema com isso. Já nem o
Papa é um príncipe, despojou-se das qualidades principescas. Isso faz
menos sentido ainda para os chefes de governo, que estão continuamente
a cruzar opiniões com os 27 para tomar decisões. Mais vale que seja gente
capaz de comunicar, que fale línguas, que seja bom diplomata, que una,
que ouça, do que pessoas de referência.
Isso significa o fim dos Churchill da história...
Isso acabou. Cameron não tem a margem de manobra que Churchill tinha.
Qualquer coisa que diga tem que ir ao Parlamento e ser cruzada com
imensos líderes.
Das mil definições para a política, qual é a sua neste momento?
É a arte de tomar decisões em contextos condicionados.
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ppereira
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Entre as mil definições da pergunta e a resposta do autor, a bissectriz é um conceito adaptado ao
16/09/2013 13:14 momento. É vago e também redutor resumir a política à arte de tomar decisões em contextos
condicionados, já que tudo supostamente seria politico, uma vez que decidir de modo condicionado é uma
constante da vida. Talvez o autor se inspire nas exigências postas aos políticos por decidirem perante as
condicionantes da crise. O supostamente bom político gere a crise, o Estadista estabele o rumo em
função de valores fundamentais. Um Estadista não resigna perante a conta da crise: uma geração perdida.
Em certo sentido o momento não é para moderados...
Responder
achei muito clara e justa esta análise sobre os líderes políticos. faz 100% sentido a "fórmula mágica" de
15/09/2013 14:40 que fala Innerarity. mas atenção, não podemos confundir lideres "menos heroicos" e lideres medíocres. os
medíocres são de mente pequena e apequenam os países e a vida da comunidade. os "menos heroicos"
são-no porque funcionam numa lógica de equipa, de vista largas e valores não egoistas. a entrevista foi
conduzida com excelentes perguntas. estimulante leitura.
Responder
O que tornaria a política interessante era os partidos terem a obrigatoriedade constitucional de cumprirem
15/09/2013 11:07 com os seus programas eleitorais. A demagogia combate-se com responsabilização. A indiferença perante
o voto, mostra quanto patológica a democracia se tornou ao resumir as eleições a um mero teatro de
acesso ao poder. No poder, os partidos tornam-se a "barriga de aluguer" de outros poderes virando as
costas de imediato aos eleitores. Voltam-se a preocupar com eles três meses antes das próximas
eleições. A democracia é um disfarce, tornou-se um disfarce, e hoje é cada vez a moldura onde uma
narrativa acerca do momento de excepção em vivemos é pretexto para a impôr a barbárie que se assiste
na Europa. Procuram-se Estadistas.
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Entrevista a Daniel Innerarity, convidado do IPP em