Supremo Tribunal Federal
AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA 2.557 SANTA CATARINA
RELATOR
AUTOR(A/S)(ES)
PROC.(A/S)(ES)
RÉU(É)(S)
PROC.(A/S)(ES)
: MIN. ROBERTO BARROSO
: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA
CATARINA
: PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE
SANTA CATARINA
: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
: PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
DECISÃO:
Ementa:
CONSTITUCIONAL
E
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL
ORIGINÁRIA.
CONFLITO
DE
ATRIBUIÇÕES ENTRE MPF E MPE.
SUPOSTAS
IRREGULARIDADES
EM
IMÓVEL FINANCIADO PELA CAIXA
ECONÔMICA FEDERAL NO ÂMBITO DO
PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA
(PMCMV). ATRIBUIÇÃO DO MINISTÉRIO
PÚBLICO ESTADUAL.
1. Nos termos da orientação ainda vigente
no STF, compete a esta Corte o julgamento
dos conflitos de atribuições entre membros
do Ministério Público Federal e dos Estados
(art. 102, I, f, da CF).
2. A demonstração de que a Caixa
Econômica Federal atuou apenas como
agente financeiro em sentido estrito,
responsável pela liberação de recursos
financeiros para a aquisição de imóvel já
edificado, e não na condição de agente
executor de políticas públicas federais de
promoção à moradia, afasta a sua
responsabilidade por eventuais vício de
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construção.
Precedente
do
Superior
Tribunal de Justiça.
3. Conflito que se resolve pela atribuição do
Ministério Público do Estado de Santa
Catarina, na linha da opinião da
Procuradoria-Geral da República.
1.
Trata-se de conflito negativo de atribuições suscitado pelo
Ministério Público do Estado de Santa Catarina em face do Ministério
Público Federal no curso de procedimento instaurado para apurar
possível ocorrência de vícios de construção (infiltração, rachaduras,
manchas no forro, problemas de esgotamento sanitário e vedação
acústica) em imóvel financiado pela Caixa Econômica Federal no âmbito
do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV).
2.
O Ministério Público Federal declinou de sua atribuição,
em razão de a construção do imóvel não ter sido financiada pela Caixa
Econômica Federal, o que afastaria a sua responsabilidade por eventuais
vícios de construção.
3.
Por outro lado, Ministério Público do Estado de Santa
Catarina insistiu na atribuição do parquet federal, tendo sustentado que
“embora efetivamente não seja a Caixa Econômica Federal (CEF) a responsável
por construir ou vender imóveis subvencionados pelo 'Minha Casa Minha Vida',
sua posição como gestora dos recursos de tal programa faz com que os
consumidores acreditem que, no mínimo, tal entidade responsabiliza-se pela
concretização das obras, atuando como verdadeira garantidora”.
4.
Os autos foram remetidos ao Supremo Tribunal Federal
para dirimir o conflito de atribuições entre os órgãos do Ministério
Público, com fundamento no art. 102, I, f, da Constituição.
5.
A Procuradoria-Geral da República opina, em preliminar,
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pela competência para dirimir os conflitos entre órgãos do Ministério
Público e, no mérito, pela atribuição do Ministério Público do Estado de
Santa Catarina para a apuração das supostas irregularidades no imóvel.
6.
É o relatório. Decido.
7.
A jurisprudência anterior do Supremo Tribunal Federal
apontava ser do Superior Tribunal de Justiça a competência para dirimir
os conflitos de atribuição entre órgãos do Ministério Público Federal e dos
Estados (cf. Pet 1.503, Rel. Min. Maurício Corrêa; CC 7.117, Rel. Min.
Sydney Sanches; Pet 3.005, Rel.ª Min.ª Ellen Gracie; entre outros). Tal
orientação foi posteriormente modificada, concluindo-se pela
competência desta Corte para resolver tais conflitos, nos termos do art.
102, I, f, da Constituição. Nesse linha, vejam-se os seguintes precedentes:
Pet 3.258, Rel. Min. Marco Aurélio; Pet 3.631, Rel. Min. Cezar Peluso; ACO
889, Rel.ª Min.ª Ellen Gracie; ACO 853, Rel. Min. Cezar Peluso.
8.
Nada obstante, o Plenário desta Corte voltou a discutir o
tema da competência do STF para apreciar conflitos de atribuições
envolvendo órgãos do Ministério Público (ACO 1.394, Rel. Min. Marco
Aurélio). Na oportunidade, consignei, em síntese, que a competência do
Supremo Tribunal Federal, por ser de direito estrito, não poderia ser
ampliada. Menos ainda, em conflito tipicamente administrativo, que
poderia ser resolvido institucionalmente pelo Conselho Nacional do
Ministério Público (art. 130-A, § 2º, da CF).
9.
No entanto, o referido processo ainda se encontra
pendente de decisão definitiva, de modo que, sem embargo de decisões
monocráticas em sentido contrário, adoto a orientação até aqui
predominante e conheço do presente conflito de atribuições.
10.
No mérito, tenho por incensurável a manifestação do
Procurador-Geral da República, ao pugnar pela atribuição do Ministério
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Público do Estado de Santa Catarina, nos termos seguintes:
“No presente caso, razão assiste ao membro do Ministério
Público Federal.
Os autos versam sobre a investigação de possíveis vícios
de construção em imóvel adquirido por particular mediante
financiamento concedido pela CEF no âmbito do Programa
Minha Casa Minha Vida.
O PMCMV, criado pela Medida Provisória nº 459, de 25 de
março de 2009, posteriormente convertida na Lei 11.977/2009, é
programa habitacional federal, regulamentado pelo Poder
Executivo federal e subsidiado pela União, com o objetivo de
“criar mecanismos de incentivo à produção e aquisição de
novas unidades habitacionais ou requalificação de imóveis
urbanos e produção ou reforma de habitações rurais” (art. 1º da
Lei 11.977/2009), para famílias de baixa renda.
A gestão do Programa Nacional de Habitação Urbana
(PNHU) e do Programa Nacional de Habitação Rural (PNHR),
subprogramas do PMCMV, é feita pelos Ministérios da Fazenda
e das Cidades, conforme arts. 10 e 17 da Lei 11.977/2009, e a
operacionalização dos recursos respectivos, feita pela CEF, nos
termos dos arts. 9º e 16 do mesmo diploma legal.
Além das responsabilidades ligadas à gestão operacional
do programa, atua a CEF, no âmbito do PMCMV, como agente
financeiro do Sistema Financeiro de Habitação (SFH), o que lhe
permite utilizar os recursos dos fundos ligados ao programa
para financiar tanto a aquisição de moradias pelos beneficiários,
quanto empreendimentos habitacionais pelas construtoras .
Em outras palavras, a atuação da CEF, no PMCMV, pode
dar-se sob duas formas distintas: a primeira, por meio do
financiamento e acompanhamento de obras das unidades
habitacionais que serão contempladas pelo mencionado
programa social; a segunda, mediante concessão, em favor dos
interessados que preencham determinadas condições
previamente estipuladas pela legislação de regência do
programa, de carta de crédito para a aquisição de imóvel
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residencial já edificado. Na primeira forma de atuação,
consoante orientação firmada na jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça, a CEF possui responsabilidade solidária
com a construtora pela solidez e segurança da obra, tendo em
vista sua atuação fiscalizadora sobre a aplicação dos recursos
públicos destinados ao financiamento imobiliário.
Na segunda forma de atuação, entretanto, uma vez que a
CEF intervém na operação apenas na qualidade de mutuante,
disponibilizando aos contratantes a importância necessária à
aquisição do imóvel residencial, não se vislumbra
responsabilidade da instituição financeira pela solidez e
segurança da obra, porquanto esta não fiscaliza a construção,
tampouco participa da escolha do imóvel negociado, a qual
cabe exclusivamente ao adquirente.
Não há, ressalte-se, notícia de que a CEF apareça, na
documentação de oferta do imóvel, como financiadora do
empreendimento em si, mas, sim, que os recursos do PMCMV
serviram, na linguagem do sistema financeiro, como “funding”
da operação, ou seja, como origem dos valores aplicados pela
CEF.
O caso versado nestes autos parece enquadrar-se na
segunda hipótese, ante a informação prestada pela CEF, por
meio do Ofício nº 194/2014/SR Oeste SC, no sentido de que “não
construiu, intermediou ou vendeu” o imóvel adquirido por
Rodrigo Antônio Occai. Esclareceu a CEF que o financiamento
concedido, embora enquadrado nas regras e parâmetros do
PMCMV, destinou-se à aquisição de imóvel livremente
escolhido pelo interessado, cabendo à instituição financeira tão
somente a avaliação de mercado do imóvel, para fins de
enquadramento nas condições do programa habitacional.
(…)
Diante dessas constatações, não se verifica, ao menos
inicialmente, a possibilidade de atribuir-se à CEF
responsabilidade pelos vícios de construção noticiados por
Rodrigo Antônio Occai, muito embora a aquisição do imóvel
tenha ocorrido mediante financiamento concedido no âmbito
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do PMCMV.
Note-se que a hipótese levantada pelo órgão ministerial de
atuação estadual, na qual figuraria a CEF, perante os
beneficiários do PMCMV, como “garantidora e fornecedora dos
imóveis que estão adquirindo”, diz respeito, precisamente, à
atuação daquela instituição na concessão de financiamentos
para empreendimentos habitacionais vinculados ao programa,
caso em que, como decorrência do dever de acompanhar e
fiscalizar as obras, há responsabilidade do agente financeiro por
eventuais vícios de construção.
A situação dos autos, contudo, é distinta, pois não há
informação de que tenha a CEF financiado a construção do
imóvel, cuidando-se, como visto, de financiamento destinado à
aquisição de imóvel já edificado, selecionado mediante livre
escolha do adquirente.
Restando afastada, ao menos nesse momento, a
possibilidade de responsabilização da empresa pública federal
pelos fatos noticiados, e inexistindo interesse federal direto e
específico, que justifique a autuação do Ministério Público
Federal, conclui-se ser do Ministério Público do Estado de Santa
Catarina a atribuição para oficiar no procedimento apuratório
subjacente”.
11.
Não vejo como infirmar a opinião do Chefe do Ministério
Público. A demonstração de que a Caixa Econômica Federal atuou apenas
como agente financeiro em sentido estrito, responsável pela liberação de
recursos financeiros para a aquisição de imóvel já edificado, e não na
condição de agente executor de políticas públicas federais de promoção à
moradia, afasta a sua responsabilidade por eventuais vícios de
construção.
12.
Nessa linha, confira-se o seguinte precedente do Superior
Tribunal de Justiça:
“RECURSO ESPECIAL. SISTEMA FINANCEIRO DA
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HABITAÇÃO. PEDIDO DE COBERTURA SECURITÁRIA.
VÍCIOS NA CONSTRUÇÃO. AGENTE FINANCEIRO.
ILEGITIMIDADE.
1. Ação em que se postula complementação de cobertura
securitária, em decorrência danos físicos ao imóvel (vício de
construção), ajuizada contra a seguradora e a instituição
financeira estipulante do seguro. Comunhão de interesses entre
a instituição financeira estipulante (titular da garantia
hipotecária) e o mutuário (segurado), no contrato de seguro, em
face da seguradora, esta a devedora da cobertura securitária.
Ilegitimidade passiva da instituição financeira estipulante para
responder pela pretendida complementação de cobertura
securitária.
2. A questão da legitimidade passiva da CEF, na condição
de agente financeiro, em ação de indenização por vício de
construção, merece distinção, a depender do tipo de
financiamento e das obrigações a seu cargo, podendo ser
distinguidos, a grosso modo, dois gêneros de atuação no
âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, isso a par de sua
ação como agente financeiro em mútuos concedidos fora do
SFH (1) meramente como agente financeiro em sentido estrito,
assim como as demais instituições financeiras públicas e
privadas (2) ou como agente executor de políticas federais para
a promoção de moradia para pessoas de baixa ou baixíssima
renda.
3. Nas hipóteses em que atua na condição de agente
financeiro em sentido estrito, não ostenta a CEF legitimidade
para responder por pedido decorrente de vícios de construção
na obra financiada. Sua responsabilidade contratual diz
respeito apenas ao cumprimento do contrato de financiamento,
ou seja, à liberação do empréstimo, nas épocas acordadas, e à
cobrança dos encargos estipulados no contrato. A previsão
contratual e regulamentar da fiscalização da obra pelo agente
financeiro justifica-se em função de seu interesse em que o
empréstimo seja utilizado para os fins descritos no contrato de
mútuo, sendo de se ressaltar que o imóvel lhe é dado em
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garantia hipotecária.
4. Hipótese em que não se afirma, na inicial, que a CEF
tenha assumido qualquer outra obrigação contratual, exceto a
liberação de recursos para a construção. Não integra a causa de
pedir a alegação de que a CEF tenha atuado como agente
promotor da obra, escolhido a construtora ou tido qualquer
responsabilidade relativa à elaboração ao projeto.
5. Recurso especial provido para reconhecer a
ilegitimidade passiva ad causam do agente financeiro
recorrente”. (REsp 1102539, Quarta Turma, Rel. Min. Maria
Isabel Gallotti, j. em 09.08.2011)
13.
Afastada a possibilidade de responsabilidade da
instituição financeira federal, não há interesse da União no presente caso,
o que atrai a competência da Justiça Comum para processar e julgar
eventual ação civil pública.
14.
Diante do exposto, conheço do presente conflito e
reconheço a atribuição do Ministério Público do Estado de Santa Catarina
para a apuração dos fatos descritos nos presentes autos.
Publique-se. Intimem-se.
Brasília, 27 de agosto de 2015.
Ministro LUÍS ROBERTO BARROSO
Relator
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Conflito de Atribuições entre MPF e MPE