UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR BIGUAÇU
CURSO DE GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM
MARÍLIA MAZZUCO SANT’ANA
O SIGNIFICADO DE SER FAMILIAR CUIDADOR DO PORTADOR DE
TRANSTORNO MENTAL
Biguaçu, novembro de 2007
MARÍLIA MAZZUCO SANT’ANA
O SIGNIFICADO DE SER FAMILIAR CUIDADOR DO PORTADOR DE
TRANSTORNO MENTAL
Monografia apresentada como requisito parcial para
obtenção do titulo de Bacharel em Enfermagem
pela Universidade do Vale do Itajaí, Centro de
Educação Biguaçu.
Orientadora: Profª Msc. Valdete Préve Pereira
Biguaçu, novembro de 2007
MARÍLIA MAZZUCO SANT’ANA
O SIGNIFICADO DE SER FAMILIAR CUIDADOR DO PORTADOR DE
TRANSTORNO MENTAL
Esta monografia foi julgada adequada para obtenção do titulo de Bacharel em
Enfermagem e aprovada pelo Curso de Graduação em Enfermagem da
Universidade do Vale do Itajaí – Centro de Educação Biguaçu.
Área de conhecimento: Ciência da Saúde / Enfermagem
Biguaçu (SC), novembro de 2007.
Profª Msc. Valdete Préve Pereira
UNIVALI – CE BIGUAÇU
Orientadora
Profª Msc. Angela Maria Blatt Ortiga
UNIVALI – CE BIGUAÇU
Membro da banca
Profª Msc. Maria Catarina da Rosa
UNIVALI – CE BIGUAÇU
Membro da banca
Dedicatória
Aos meus pais, Roque e Rosane, seres iluminados,
que me deram a vida e me ensinaram o verdadeiro
valor do ser humano!
Aos meus irmãos, Marcelo e Raquel, pessoas
especiais que sempre estiveram ao meu lado nos
momentos mais importantes da minha vida!
Sem vocês nunca conseguiria alcançar mais esse
sonho [...]
Meu eterno amor e gratidão! Amo muito vocês!
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, a Deus, por ter me dado o dom da vida e em todas as etapas desta
estar iluminando o meu caminho!
Aos meus pais, Roque e Rosane, pessoas incomparáveis, que me ensinaram a viver
com dignidade e a ser uma pessoa cada vez melhor, pelos quais eu tenho profundo orgulho e
admiração! Obrigado por todo amor, afeto, apoio e por sempre me darem força e
incentivarem-me em mais esta trajetória! Nunca saberei como retribuir toda esta dedicação
[...] Essa conquista também é de vocês! Obrigada por tudo!
À toda minha família, que sempre esteve ao meu lado, por todo amor, amizade,
carinho, companheirismo e aconchego. Muito obrigada! Em especial à Carolina, minha prima
irmã, pessoa que eu admiro tanto e que muito contribuiu com este trabalho! Obrigada pelos
conselhos, carinho e amizade e por ser também incentivadora de minha vida acadêmica!
Ao meu namorado, amigo e companheiro Leonardo! Agradeço todo carinho, amor,
paciência, compreensão e por sempre me apoiar nas horas difíceis! Obrigada por todos os
momentos felizes que me proporcionastes! Te amo muito!
À minha querida orientadora, professora Valdete, por ter entrado com entusiasmo
neste projeto e ter acreditado em minhas potencialidades. Serei sempre grata pela
contribuição no desenvolvimento deste trabalho, com toda a sua experiência, competência,
paciência, sabedoria, e por todo apoio e dedicação. Obrigada pela oportunidade de guiar-me
nesta jornada e transformar minha realidade no sentido de Ser Mais!
Às minhas amigas Denise, Elayne, Larissa, Lilian e Niliane, amigas mais do que
especiais, que cruzaram o meu caminho e trouxeram muita alegria ao longo dessa caminhada.
Agradeço a cada uma de vocês pela amizade, afeto, companheirismo, e pelo ombro amigo em
todos os momentos! Nunca esquecerei dos anos que passamos juntas! Expresso a minha
profunda e sincera gratidão!
Às professoras da banca examinadora, Maria Catarina da Rosa, amiga e parceira
desde os últimos períodos do curso, obrigada por todo o carinho, conhecimento, sabedoria e
apoio. À professora Ângela Maria Blatt Ortiga, companheira e amiga nos últimos estágios,
obrigada pela paciência, pelo apoio, pelas críticas e sugestões, compromisso e competência.
Obrigada por terem aceitado meu convite e serem uma das responsáveis pela minha formação
acadêmica!
Aos outros professores do Curso de Graduação em Enfermagem e a coodernadora do
curso Maria Lígia dos Reis Bellaguarda, que contribuíram também com toda a experiência,
conhecimentos e sabedoria! Obrigada!
Aos familiares cuidadores participantes desta pesquisa, que contribuíram muito com o
enriquecer deste trabalho. Sem vocês este sonho não estaria sendo concretizado! Muito
obrigada!
À todos os meus amigos que de alguma forma contribuíram e torceram por minhas
vitórias e souberam compreender a minha ausência.
À todas as pessoas que participaram desta pesquisa ou que de alguma forma
contribuíram para a construção deste trabalho.
SANT’ANA, Marília Mazzuco.O Significado de ser familiar cuidador do portador
de transtorno mental. 2007. 101f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) Curso de Graduação em Enfermagem, Universidade do Vale do Itajaí, Centro de
Educação Biguaçu, Biguaçu/SC, 2007.
RESUMO
Trata-se de um estudo qualitativo descritivo cujo objetivo foi compreender os
significados de ser familiar cuidador do paciente portador de transtorno
mental, com base na Teoria de Enfermagem de Rosemerie Rizzo Parse,
fundamentada nas suas dimensões práticas e princípios metodológicos. Os sujeitos
da pesquisa foram os familiares de portadores de transtornos mentais, atendidos na
Clínica Integrada de Atenção Básica à Saúde (CIABS), no município de Biguaçu/SC,
vinculada à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. A coleta de dados ocorreu
durante os meses de julho e agosto de 2007. O referencial teórico utilizado teve
como base a teoria do “Tornar-se Humano”, de Rosemarie Rizzo Parse, pois esta
propõe um processo de cuidado em sua metodologia prática, desenvolvido através
de três dimensões: esclarecer significados; sincronizar ritmos e mobilizar a
transcendência, contemplando os significados que emergiram a partir das
experiências vividas em família, buscando atingir uma vida melhor. Os dados foram
coletados a partir de encontros com duas famílias de portadores de transtorno
mental, totalizando três familiares, através de diálogo vivo, e registrados por meio de
gravação em cassete e mp3, sendo o conteúdo posteriormente gravado, transcrito e
categorizado. O material foi submetido à análise qualitativa da qual emergiram as
categorias temáticas que indicaram os significados que resultaram de ser familiar
cuidador do paciente portador de transtorno mental, as quais foram: convivendo com
o transtorno mental; lidando com as dificuldades, enfrentamentos e limitações; coconstituindo padrões de inter-relação em família e com “outros”; co-criando
possibilidades de vir-a-ser: a busca da transcendência. Pude concluir também que, a
compreensão da doença pelo familiar cuidador e a busca pela assistência mais
adequada ao seu familiar doente acontece de forma lenta e progressiva, a medida
que eles se dão conta do processo pelo qual estão passando. Através dos encontros
e experiências vivenciadas pude refletir com estas famílias sobre o cuidado ao
portador de transtorno mental, estando ali como um instrumento para guiá-los a
novas formas de cuidado, mostrando os caminhos e os respeitando.
Compartilhamos de reflexões relacionadas a cada significado, procurando sempre
co-transcender no sentido de “ir além”. Finalizando, pode-se concluir que este
estudo aponta para a necessidade de direcionamento da atenção profissional para
seres humanos em família, sendo possível compreender os significados de ser
familiar cuidador do portador de transtorno mental. Concluindo, espera-se que os
serviços em saúde mental passem a constituir-se em espaços de acolhimento,
valorização da escuta, de cuidado, de trocas, de auto-ajuda, de afeto, de integração,
de liberdade e autonomia. Que sejam espaços sociais de resgate da cidadania, sem
preconceitos, e acima de tudo, espaços que tenham como objeto a existência do
sofrimento dos pacientes e sua relação com o meio social onde vivem.
Palavras-chave: Enfermagem. Teoria de Parse. Transtorno mental. Familiar
cuidador.
ABSTRACT
This is a qualitative study descriptive whose goal was to understand the meanings
of being relative caretaker of the patient bearer of mental disorder, based on the
theory of Nursing of Rosemerie Rizzo Parse, based on its practices and
methodological principles. The subjects of the search were relatives of people with
mental disorders, served on the Integrated Care Clinic to the Basic Health (CIABS),
in the municipality of Biguaçu / SC, linked to the University of Vale do Itajaí UNIVALI. The collection of data occurred during the months of July and August 2007.
The benchmark theoretical used was based on the theory of "Becoming Human," of
Rosemarie Rizzo Parse, because this suggests a process of careful in its practical
methodology, developed through three dimensions: clarify meanings; synchronize
rhythms and mobilize the transcendence, contemplating the meanings which
emerged from the experience with family, seeking achieve a better life. The data
were collected from meetings with two families of people with mental disorder,
totaling three relatives, through dialogue alive, and recorded on tape and mp3, and
the content subsequently recorded, transcribed and categorized. The material was
submitted to the qualitative analysis from where emerged the thematic categories
which indicated the meanings that resulted to be relative caretaker of the patient
bearer of mental disorder, which were: living with a mental disorder; dealing with the
difficulties, confrontations and limitations; co - forming patterns of inter-relationship
with family and with "other"; co-creating possibilities of coming-to-be: the search for
transcendence. I might also conclude that, the understanding of the disease by
relative caretaker and the search for assistance more appropriate to the sick relative
happens so slow and gradual, as they give account of the process by which they are
going. Through the meetings and lived experiences I could reflect with these families
about the care of the bearer of mental disorder, being there as a tool to guide them to
new forms of care, showing the ways and respecting them. We share the ideas
related to each meaning, always looking for co-transcend to "go beyond".
Terminating, we can conclude that this study points to the need for targeting the
professional attention for humans in family, and it is possible to understand the
meaning of being relative caretaker of the bearer of mental disorder. In conclusion, it
is hoped that services in mental health become into spaces of host, of recovery of
listening, of care, of trade, of self-help, of affection, of integration, of freedom and
autonomy. That become social spaces for redemption of citizenship, without
prejudices, and above all, spaces that have as subject the existence of the suffering
of patients and their relationship with the social environment where they live.
Keywords: Nursing. Theory of Parse. Mental disorder. Relative caretaker.
LISTA DE QUADROS E FIGURAS
Quadro 1: Rede de Atenção em Saúde Mental...................................................................................20
Figura 1: símbolo da Teoria do “Tornar-se Humano”.......................................................................36
Figura 2: Princípios e conceitos de Rogers da Fenomenologia Existencial................................39
Figura 3: Relação de princípios, conceitos e estruturas da Teoria de Parse (1981)...................42
SUMÁRIO
LISTA DE QUADROS E FIGURAS........................................................................................................... 8
1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................11
2 REVISÃO DE LITERATURA.................................................................................................................15
2.1 BREVE HISTÓRICO DA PSIQUIATRIA............................................................................................15
2.2 A SAÚDE MENTAL E O TRANSTORNO MENTAL ........................................................................21
2.3 A ASSISTÊNCIA NA REDE DE ATENÇÃO EM SAÚDE MENTAL...............................................22
2.3.1 Rede de Atenção Básica................................................................................................................23
2.3.2 Serviço Municipal de Saúde Mental ............................................................................................25
2.3.3 Rede de Atenção Especializada...................................................................................................26
2.3.3.1 Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) .....................................................................................26
2.3.3.2 Serviços Residenciais Terapêuticos em Saúde Mental .............................................................28
2.3.4 Rede Hospitalar ...............................................................................................................................29
2.3.4.1 Hospital-Dia.....................................................................................................................................29
2.3.4.2 Serviço de Urgência Psiquiátrica em Hospital Geral e Especializado.......................................29
2.3.4.3 Leito ou Unidade Psiquiátrica em Hospital Geral........................................................................30
2.3.4.4 Hospital Especializado em Psiquiatria..........................................................................................30
2.4 A ENFERMAGEM PSIQUIÁTRICA ...................................................................................................31
2.5 A FAMÍLIA COMO CUIDADORA DO PORTADOR DE TRANSTORNO MENTAL.....................33
3 REFERENCIAL TEÓRICO ....................................................................................................................35
3.1 BREVE BIOGRAFIA DA TEORISTA .................................................................................................35
3.2 BREVE DESCRIÇÃO DA TEORIA....................................................................................................36
3.3 AS BASES CONCEITUAIS DA TEORIA DE PARSE......................................................................37
3.4 PRESSUPOSTOS E/OU PRESSUPOSIÇÕES BÁSICAS.............................................................39
3.5 DIMENSÕES E PRINCÍPIOS .............................................................................................................40
3.6 CONCEITOS.........................................................................................................................................43
3.6.1 Ser humano / Ambiente .................................................................................................................43
3.6.2 Saúde.................................................................................................................................................43
3.6.3 Enfermagem .....................................................................................................................................44
4 METODOLOGIA .....................................................................................................................................45
4.1 TIPO DE ESTUDO...............................................................................................................................45
4.2 A TEORIA DO “TORNAR-SE HUMANO” NO CUIDADO ...............................................................45
4.3 A TEORIA DO “TORNAR-SE HUMANO” NA PESQUISA..............................................................46
4.4 LOCAL DE ESTUDO ...........................................................................................................................47
4.5 SUJEITOS DE ESTUDO.....................................................................................................................48
4.6 PROCEDIMENTO PARA A COLETA DE DADOS ..........................................................................49
4.7 REGISTRO E ANÁLISE DOS DADOS..............................................................................................49
4.8 A ÉTICA COMO CONTEÚDO E COMPORTAMENTO NA INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA ......50
5 UMA PRÁTICA ASSISTENCIAL NA BUSCA DA TRANSCENDÊNCIA .......................................52
5.1 ENTRADA NO CAMPO.......................................................................................................................52
5.2 OS ENCONTROS COM RUBI E DIAMANTE ..................................................................................53
5.2.1 Uma síntese teórica com RUBI E DIAMANTE ...........................................................................55
5.3 OS ENCONTROS COM ESMERALDA............................................................................................56
5.3.1 Uma síntese teórica com ESMERALDA .....................................................................................57
6 OS SIGNIFICADOS DE SER CUIDADOR EM FAMÍLIA ..................................................................59
6.1 CONVIVENDO COM O TRANSTORNO MENTAL .........................................................................60
6.1.1 Manifestações da doença..............................................................................................................60
6.1.2 Recaídas............................................................................................................................................62
6.1.3 Aderência ao tratamento ...............................................................................................................63
6.2 LIDANDO COM AS DIFICULDADES, ENFRENTAMENTOS E LIMITAÇÕES............................66
6.2.1 Percepção da doença e enfrentamentos....................................................................................66
6.2.3 Sobrecarga do familiar...................................................................................................................72
6.2.4 Falta de controle sobre suas ações ............................................................................................74
6.3 CO-CONSTITUINDO PADRÕES DE INTER-RELAÇÃO EM FAMÍLIA E COM “OUTROS”......76
6.3.1 História de vida em família ............................................................................................................76
6.3.2 Relações interpessoais ou sociais/estudo e trabalho.............................................................79
6.4 CO-CRIANDO POSSIBILIDADES DE VIR-A-SER: A BUSCA DA TRANSCENDÊNCIA...........83
6.4.1 Compreensão acerca da doença .................................................................................................83
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................................................86
REFERÊNCIAS ..........................................................................................................................................92
APÊNDICES ...............................................................................................................................................98
APÊNDICE A – TERMO DE COMPROMISSO DE ORIENTAÇÃO.....................................................98
APÊNDICE B – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO.....................................99
APÊNDICE C – SOLICITAÇÃO PRÉVIA DE AUTORIZAÇÃO DA INSTITUIÇÃO ..........................100
APÊNDICE D – SOLICITAÇÃO PRÉVIA DE AUTORIZAÇÃO DA INSTITUIÇÃO ..........................101
11
1 INTRODUÇÃO
A saúde mental caracteriza-se pelo modo em que uma sociedade julga ou
reage a comportamentos considerados apropriados, baseando-se em normas
culturais, regras e conceitos próprios. O sadio, quer dizer a pessoa que mantém
atitudes adequadas em interação com o meio em que vive e não apresenta uma
relação fora dos padrões de normalidade que a sociedade impõe. Já, a doença
mental significa desvio da saúde, ou seja, desvio do estado normal, caracterizandose por uma falha do indivíduo em se comportar de acordo com as expectativas de
sua comunidade (TEIXEIRA et al., 2001).
O transtorno mental sempre foi visto como um desvio em relação a um padrão
de comportamento pré-estabelecido, do que seja normalidade, tanto pela sociedade
em geral, como pela ciência.
Peplau (apud COSTA 2005, p. 34), considerada a “Mãe da enfermagem
psiquiátrica", considera a doença mental como um potencial experiência de
aprendizagem e afirma que, “através da evolução de uma boa relação entre a
enfermeira e o cliente, ambos podem desenvolver-se e crescer mais como pessoas”.
De acordo com Costa (2005), o portador de transtorno mental é todo o ser
humano acometido por um sofrimento ou desorganização das funções mentais que
necessita de uma reorganização das suas ações para viver e aprender a auto
determinação e não ficar à margem da sociedade.
“O Movimento da Reforma Psiquiátrica no Brasil se inicia na década de 70,
com denúncias de maus tratos e violências aos doentes, falta de recursos e más
condições de trabalho” (SPADINI; SOUZA, 2006, p.124).
Com o Movimento da Reforma Psiquiátrica muda o olhar em relação a doença
mental, pois a institucionalização contribuiu para a estigmatização do doente mental;
a Reforma dá uma nova concepção à psiquiatria: a saúde mental. E então, a partir
desta nova fase, “houve a criação de novos modelos de atendimento, como serviços
básicos, comunidades terapêuticas, entre outros” (SPADINI; SOUZA, 2006, p.124).
Com a saída dos pacientes dos hospitais, novas teorias surgiram para buscar
compreender a dificuldade de aceitação, pela família, do membro doente. As
12
grandes teorias relacionadas às famílias de doentes mentais tiveram seu auge nos
anos 50 e 60, pois os familiares passaram, então, a conviver mais de perto com o
portador de sofrimento psíquico, situação que gerou muitas dificuldades de
relacionamento e desencadeou, por vezes, reinternações. Com o movimento da
Reforma Psiquiátrica, que priorizou mudança do modelo assistencial, a família voltou
a compor o cenário da assistência ao doente mental. São marcos da Reforma
Psiquiátrica as três Conferências Nacionais de Saúde Mental, realizadas
respectivamente em 1987, 1992 e 2001, nas quais houve a possibilidade de
inserção dos familiares no interior desse processo (MORENO; ALENCASTRE,
2003).
Os transtornos mentais geralmente são doenças de curso crônico, tendo a
pessoa portadora e sua família, que aprender a conviver com esta situação para o
resto de sua vida. Júnior (1999) afirma que a família é a principal responsável pelo
tratamento e cuidado do paciente, pois, na maioria das vezes, ela é a única que
pode acolher o paciente, além dos profissionais de saúde. Acredito que a doença
mental é uma experiência que envolve toda a família, segundo Moreno (2005, p. 52),
“a família é um sujeito que tem sua própria intencionalidade, seus próprios
interesses, racionalidade e necessidades, distintos daqueles de seus membros
individuais”.
Os familiares de portadores de transtorno mental a partir do momento que se
deparam com esta situação, sofrem uma significativa mudança em suas vidas, tendo
eles que se adaptar constantemente às novas formas de condução do seu dia-a-dia.
Toda esta mudança repercute sobre vários aspectos do estilo de vida de cada
família acometida por esse transtorno.
Em face desta questão, afirmo a necessidade de proporcionar uma atenção a
essas famílias, conhecendo os significados e experiências, refletindo sobre as
questões de cuidados no sentido de dar alternativas de interação para lidar com a
doença, suas dificuldades na aceitação e enfrentamento; apoio na adaptação a um
novo estilo de vida e a significativa mudança que pode ocorrer em toda a família
acometida por algum transtorno mental.
Pretendo com isto, assistir a família em suas necessidades, ouví-la,
reconhecer seus pontos fortes e oferecer apoio no cuidado de si e do paciente
portador de transtorno mental.
13
O interesse pelo tema e o incentivo para a pesquisa vieram de um contato
mais próximo com uma profissional da área de saúde mental, a qual desenvolveu
um trabalho acadêmico relacionado com o tema, e assim me estimulou e chamou
minha atenção para esse campo do saber que antes era desconhecido para mim,
porém sempre despertou muito interesse em toda minha trajetória acadêmica e de
vida. Pelo fato de ter me interessado por tão importante tema, fui em busca de um
contato maior com o mesmo, e foi então, que surgiu a oportunidade de estagiar
como bolsista na área da saúde mental, onde pude compartilhar com as
experiências e contatos através de Políticas de Saúde Mental no Estado de Santa
Catarina e me envolver ainda mais com esta temática.
Para que o processo da prática com as famílias ocorresse, busquei algumas
teorias de enfermagem que poderiam contemplar este foco e que me embasariam
para a pesquisa, e foi quando conheci a teoria de Rosemarie Rizzo Parse, a teoria
do “Tornar-se Humano”. Baseada no conhecimento e estudo desta teoria cheguei a
conclusão ser a mais apropriada para o desenvolvimento deste estudo e
implementação da prática.
A partir de um estudo mais aprofundado, optei em utilizar esta teoria em meu
trabalho de conclusão de curso, a fim de facilitar a busca por uma assistência de
enfermagem a familiares de portadores de transtornos mentais, baseado em suas
crenças, experiências vividas e valores, visando compreender suas histórias de vida
e que pudessem resultar e propiciar melhora da qualidade de vida destes familiares,
sendo os mesmos, os sujeitos da minha pesquisa.
Segundo Ribas (2004), nesta teoria, a enfermeira esclarece os significados
que emergem das situações cotidianas dos pacientes, compartilhando com eles,
pensamentos e sentimentos. Parse (1995) entende que o ser humano, a partir dos
significados de suas experiências vividas, é capaz de co-criar novas possibilidades
de vida e saúde, e pode transcender este significado, buscando “ir além”.
Em face das atuais políticas públicas brasileiras de saúde mental, que
priorizam a desospitalização e a desinstitucionalização da assistência, a importância
da família para o tratamento é cada vez mais evidente. Neste contexto, é
indispensável identificar a compreensão das famílias a respeito da doença mental e
das possíveis formas de seu tratamento, o que pode auxiliar na articulação do
cuidado das equipes de saúde mental, não apenas em direção ao usuário, mas
14
também em direção aos seus familiares (BRASIL, 2003).
Em meio à realização da pesquisa, com o propósito de buscar novas
alternativas para o melhor cuidado a essas famílias e a reflexão para melhores
práticas de saúde e humanização na área da saúde mental, sinto a necessidade de
compreender como estes familiares se sentem, estando no papel de cuidador de um
portador de transtorno mental, tendo este estudo sido um meio para a realização da
pesquisa, como também responder a questão norteadora.
Quais os significados de ser um familiar cuidador no convívio com o
portador de transtorno mental?
Respondendo a questão norteadora, o estudo tem como objetivo geral:
•
Compreender os significados de ser familiar cuidador do paciente portador
de transtorno mental.
E, assim, visando alcançar o objetivo geral, surgem os seguintes objetivos
específicos:
•
Identificar quais as dificuldades do familiar no cuidado ao paciente
portador de transtorno mental;
•
Refletir sobre o processo de cuidar na busca pela assistência adequada
ao portador de transtorno mental;
•
Proporcionar uma maior compreensão dos significados do transtorno
mental na família.
15
2 REVISÃO DE LITERATURA
2.1 BREVE HISTÓRICO DA PSIQUIATRIA
Segundo Spadini e Souza (2004, p.124), “a história da doença mental, ou
loucura, é relatada desde os primórdios da civilização, onde a pessoa considerada
anormal era abandonada à sua própria sorte, para morrer de fome ou por ataque de
animais.”
Conforme Teixeira et al. (2001), surge na França no início do século XIX
Philipe Pinel, médico psiquiatra que revolucionou a assistência aos doentes mentais
iniciando neste período a humanização da assistência. Porém, a mesma assistência,
neste período, continua baseada no modelo custodial e norteada por vigilância,
restrição e contenção.
No início do século XX, Sigmund Freud outro médico, neuropsiquiatra, traz
mudanças à assistência psiquiátrica com a introdução da psicanálise. Surge uma
nova visão do ser humano, o do homem como um todo (físico e mente), e ainda
considerando sua história de vida como um fator predominante para os transtornos
mentais (TEIXEIRA et al., 2001).
Dias (apud COSTA, 2005, p.28), afirma que a psiquiatria no Brasil apresentou
quatros períodos em sua história. O primeiro período foi de (1500-1817), e se
caracteriza pela recente descoberta do Brasil, “onde a loucura não era considerada
uma doença”. O segundo período, de (1817-1852), foi representado pela vinda da
família real para o Brasil, e neste a loucura passa a ser percebida e a receber
tratamento. O terceiro período é marcado pela significativa mudança no tratamento
aos doentes mentais, onde estes passam a ser recolhidos dos espaços públicos e
vão para um lugar restrito, destinado a eles, o hospício. Ocorre nessa época
também, “a criação de vários asilos e a Assistência Médica Legal aos Alienados” em
1890. O quarto período se inicia em 1890 e vai até 1941. É caracterizado pela
formação de novas instituições que faziam a função de retirar “os loucos” das ruas e
de encontrar métodos na tentativa de curá-los.
16
As críticas ao modelo asilar iniciaram-se durante e após a Segunda Guerra
Mundial, quando ocorreram novas reformulações da assistência psiquiátrica:
Psiquiatria Institucional na França, Comunidade Terapêutica na Inglaterra,
Psiquiatria Preventiva nos Estados Unidos e Psiquiatria Democrática na Itália. Todas
estas formas propunham a transformação do espaço asilar e a possibilidade de
desospitalização e desinstitucionalização dos pacientes, ou seja, seu retorno à sua
família e à sua comunidade (MORENO; ALENCASTRE, 2003).
Segundo Amarante (1995), a Reforma Psiquiátrica pode ser definida como um
processo histórico de formulação crítica e prática, que tem como objetivos e
estratégias o questionamento e elaboração de propostas de transformação do
modelo clássico e do paradigma da psiquiatria. No Brasil é um processo que surge
mais concretamente a partir da conjuntura da redemocratização, em fins da década
de 70.
Este movimento surgiu inspirado no modelo Italiano proposto por Franco
Basaglia, médico e psiquiatra precursor do movimento de reforma psiquiátrica
italiana, conhecida como Psiquiatria Democrática, que levou o Serviço Psiquiátrico
de Trieste a ser credenciado, em 1973 pela Organização Mundial da Saúde (OMS),
como principal referência mundial para uma reformulação da assistência em saúde
mental (AMARANTE, 1996).
O processo da Reforma Psiquiátrica brasileira conseguiu a aprovação de leis
e portarias que estabelecem o desmonte de hospitais-asilos e se comprometem com
a criação de redes/atendimentos de saúde abertos e inovadores.
Segundo Brodbeck (2001), as resoluções que norteiam as diretrizes da
Reforma Psiquiátrica no Brasil falam que a desinstitucionalização propõe a
implantação de serviços inteiramente substitutivos ao hospital psiquiátrico porque
responde de modo totalmente transformado à complexidade das necessidades que
o hospital absorve no seu interior e procura mobilizar todos os atores envolvidos
como agentes de mudança.
Após décadas de transformações, destaca-se em meados de 1985 o
empenho do Movimento Sanitário Brasileiro, cujo objetivo era a melhoria das
condições de vida da população através de transformações em todo o setor saúde.
Amarante (1995) reforça ainda que no auge deste contexto reformista,
17
acontece em Brasília no ano de 1986 a 8ª Conferencia Nacional de Saúde, que ao
contrário das conferencias anteriores, teve caráter de consulta e participação
popular, contando com representantes de vários setores da comunidade.
Dando continuidade a estas mudanças, a trajetória da desinstitucionalização é
marcada por muitos eventos e acontecimentos importantes, iniciando com a I
Conferencia Nacional de Saúde Mental – proposta como desdobramento da 8ª
Conferencia Nacional de Saúde e marco histórico da psiquiatria brasileira
(BRODBECK, 2001).
Em 1989 é aprovado no Congresso Nacional o projeto de Lei nº 2.675/89,
conhecido como "lei Antimanicomial" ou projeto Paulo Delgado, que propunha a
extinção progressiva dos Hospitais Psiquiátricos. Foi a partir daí que ocorreram as
principais transformações no campo político-jurídico nacional, resultando na
elaboração e aprovação de projetos de lei com o mesmo propósito no Rio Grande do
Sul, Ceará, Pernambuco, Minas Gerais e Rio Grande do Norte (BRODBECK, 2001).
Em 06 de abril de 2001, é homologada a Lei nº 10.216, a qual dispõe sobre a
proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e do modelo
assistencial (BRODBECK, 2001). Com a regulamentação desta Lei, ocorreu o
redirecionamento da assistência em saúde mental, privilegiando o oferecimento de
tratamentos em serviços de base comunitária. Foi proibida a internação de pacientes
portadores de transtornos mentais em instituições com características asilares, ou
seja, aquelas desprovidas de serviços médicos, de assistência social, psicológica,
ocupacional, de lazer, e que não assegurem aos pacientes os direitos de: ter acesso
ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas necessidades; ser
tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua
saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na
comunidade. Esta lei também determina que o paciente há longo tempo
hospitalizado, será objeto de política específica de alta planejada e reabilitação
psicossocial 1 assistida. Contudo, a Lei mantém a internação hospitalar quando os
recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes. Não fazendo em momento
1
Reabilitação psicossocial: é definida como “o processo pelo qual se facilita ao individuo com
limitações, a restauração, no melhor nível possível de autonomia de suas funções na comunidade”.
Seria o processo de remoção de barreiras, as quais impedem a plena integração de um indivíduo na
comunidade e o pleno exercício de seus direitos e de sua cidadania. (PITTA, 1996, p. 19-26;
BERTOLOTE, 1996).
18
algum referência a extinção progressiva dos Hospitais Psiquiátricos (BRASIL,
2001a).
Atualmente, com o advento da Reforma Psiquiátrica, a prática de enfermagem
psiquiátrica é inserida em diversos serviços de atenção ao portador de transtorno
mental (Centros/Núcleos de atenção psicossocial, hospital-dia, lares protegidos, etc),
e ainda encontra algumas parcerias da saúde mental com a saúde da família,
através da Estratégia de Saúde da Família (COIMBRA et al., 2005).
Ao refletirmos sobre a enfermagem relacionada à reabilitação psicossocial no
Brasil, não podemos falar do indivíduo com transtorno mental sem considerar a sua
família, ou seja, não se consegue cuidar do portador de transtorno mental com
eficácia sem cuidarmos da sua família. Além disso, de acordo com os princípios do
momento atual da psiquiatria, a família deve ser uma aliada, uma parceira no ato de
cuidar (COIMBRA et al., 2005).
Segundo Brasil (2002), na III Conferência Nacional de Saúde Mental,
realizada em dezembro de 2001, é reafirmada a saúde como direito do cidadão e
dever do Estado e também a necessidade de garantir que as políticas públicas de
saúde mental sejam guiadas pelos princípios do SUS 2 de atenção integral, acesso
universal e gratuito, equidade, participação e controle social nas três esferas de
governo. E, ainda, que respeitem as diretrizes da Reforma psiquiátrica e das Leis
Federal e Estadual, priorizando a rede de atenção integral à saúde mental.
A reorientação do modelo assistencial é baseada em uma concepção de
saúde compreendida como processo e não como ausência de doença, na
perspectiva de produção de qualidade de vida, focando ações integrais e
promocionais de saúde. A efetivação da Reforma Psiquiátrica traz uma prática que
necessita de agilidade no processo de superação dos hospitais psiquiátricos e a
concomitante criação da rede substitutiva que garanta o cuidado, a inclusão social e
a emancipação dos portadores de transtorno psíquico (BRASIL, 2002).
A história da saúde mental em Santa Catarina se inicia antes da criação do
Hospital Colônia Santana, com o asilo de Azambuja em Brusque, dirigido pelas
2
O Sistema Único de Saúde (SUS) foi criado na constituição de 1988, e somente regulamentado em
19 de setembro de 1990 através da Lei 8.080, que possui princípios doutrinários e organizativos, tais
como: universalidade, equidade, integralidade; e hierarquização, participação popular e
descentralização (POLIGNANO, 2007).
19
Freiras da Irmandade da Divina Providência desde 1910, surgindo também nesta
mesma época o Hospício do Drº Schneider de Joinvile. Após a inauguração do
Hospital Colônia Santana os pacientes de todas estas cidades passaram a ser
atendidos por esta mesma instituição (COSTA, 2005).
Na década de 30 chegam ao Estado os primeiros psiquiatras, que foram os
responsáveis pelo local de construção do Hospital. A concepção predominante era a
da construção de grandes instituições, chamadas de manicômios, onde se garantiria
uma assistência mais técnica e adequada aos doentes mentais, denominados então,
psicopatas (COSTA, 2005).
Conforme Pereira (2003), o Hospital Colônia Sant’Ana foi considerado modelo
na época pelo tipo de construção e proposta técnico - científica, pois, possuía
recursos variados e empregava o que havia de mais moderno em assistência e
tratamento aos pacientes. Eram usados recursos fisioterápicos, balneoterapia,
terapia hetero-familiar (consistia na tentativa de adaptar o paciente em uma família
adotiva, visando sua reinserção social), e intervenções de caráter clínico, como:
insulinoterapia, cardiazol e eletrochoque.
Segundo Costa (2005), na década de 50 ocorre a psiquiatrização da doença
mental, onde os psicofármacos passam a substituir o atendimento que antes era
prestado pelas religiosas. A direção do Hospital Colônia Sant’Ana é assumida pelo
médico psiquiatra Dr. Antonio Santanela, o responsável pelo início da implantação
dos padrões atualizados de atendimento.
A partir de 1995 o Hospital Colônia Sant’Ana passou a chamar-se Instituto de
Psiquiatria de Santa Catarina, sofreu grandes mudanças em suas estrutura seguindo
as orientações preconizadas pelo Ministério da Saúde, passando a se desdobrar em
duas áreas de atendimento: o Centro de Convivência Sant’Ana (CCS) com 500
leitos, e as Unidades de Internação Psiquiátrica (UIPs) com 186 leitos. Atualmente o
Instituto de Psiquiatria de Santa Catarina – IPq-SC conta com 442 paciente internos
(COSTA, 2005).
No último século o modelo de atenção em saúde mental mudou da
institucionalização de indivíduos portadores de transtornos mentais para um enfoque
baseado na atenção comunitária, apoiada na disponibilidade de leitos para casos
agudos em hospitais gerais. Essa mudança baseia-se tanto no respeito aos direitos
20
humanos das pessoas com transtornos mentais como no uso de intervenções e
técnicas atualizadas. É fundamental um diagnóstico objetivo e correto bem como, a
escolha do tratamento apropriado e intervenções nas áreas de prevenção e de
reabilitação (SANTA CATARINA, 2004).
Neste sentido, a rede de atenção integral em saúde mental deve conter um
conjunto de dispositivos sanitários e sócio-culturais que partam de uma visão
integrada das várias dimensões da vida do indivíduo, em diferentes e múltiplos
campos de intervenção, tais como: social, educativo, assistencial e de reabilitação.
Requer a concepção de um saber e de cuidados em saúde mental que superem os
reducionismos estritamente médicos ou psicológicos, na direção de uma atenção
psicossocial interdisciplinar ampla, que aborde todas as esferas da existência
humana (SANTA CATARINA, 2004).
Segundo Ribas (2004), após mais de uma década da Reforma Psiquiátrica
introduzida em Santa Catarina, a área de psiquiatria passou a contar com alguns
novos recursos terapêuticos como: uma rede de NAPS/CAPS atuando em todo o
Estado, o Instituto de Psiquiatria (IPQ), outros hospitais psiquiátricos da rede
particular (Instituto São José - SC, Rio Maina - Criciúma, entre outros) e ainda,
passou a internar pacientes psiquiátricos em leitos de hospitais gerais.
O quadro a seguir mostra sinteticamente a extensão da rede física de atenção
em saúde mental no Estado de Santa Catarina, em outubro de 2004.
Quadro 1: Rede de Atenção em Saúde Mental
SERVIÇOS
QUANTITATIVO
Serviço Municipal de Saúde Mental - rede básica
127
Centro de Atenção Psicossocial
36
Serviço Residencial Terapêutico em Saúde Mental
02 #
Centro de Convivência Santana (Hosp.Colônia Santana)
360 leitos
Instituto de Psiquiatria/SC
160 leitos
Instituto São José
120 leitos
Casa Saúde Rio Maina
160 leitos
Hospitais Gerais
366 leitos
Total Geral leitos psiquiátricos
1.166
Leitos por mil habitantes
0,21
# em processo de cadastramento no SUS
Fonte: Santa Catarina (Estado). Plano Estadual de Saúde Mental: 2005 – 2006. Florianópolis, 2004.
21
Conforme cita Ribas (2004), mesmo longe do considerado ideal para
tratamento de doentes mentais, alguns trabalhos têm merecido destaque por sua
ação junto aos doentes. A criação dos NAPS/CAPS como eixo da rede de atenção
em Saúde Mental e de outras estruturas substitutivas do modelo hospitalocêntrico é
o passo mais importante para o entendimento do processo de transformação
institucional.
2.2 A SAÚDE MENTAL E O TRANSTORNO MENTAL
A saúde mental pode ser definida como ausência de distúrbio mental ou
comportamental; um estado de bem-estar psíquico em que o indivíduo alcançou
integração satisfatória de suas tendências instintivas aceitáveis, tanto para si como
para seu meio social (NICOLAU, 2006).
Os termos, transtorno mental ou doença mental, apontam a existência de um
conjunto de sintomas psíquicos ou de alterações no comportamento, que em geral
estão associados a sofrimento psicológico e prejuízos no desempenho social e
ocupacional da pessoa (ABRE – BRASIL, 2007).
Como observa Kolb (1980), não existem limites fixos entre saúde e doença no
âmbito da saúde mental, pois, talvez o conceito de doença mental esteja
caracterizado, na sua maior parte, pelo grau de comportamento diferente dos
padronizados.
Ao se tratar da prática do cuidado à saúde mental, diz-se a respeito do conjunto
de fatores que levam uma pessoa a ficar vulnerável quando é afetada por alguma
situação que abala sua saúde física e mental. São vários os fatores que levam as
pessoas a manifestarem seu sofrimento, desequilíbrio e desconforto mental. Existem
vários tipos de doença mental, dentre as quais, Nicolau (2006) afirma que,
aproximadamente 1% da população adulta é afetada por alguma forma de
esquizofrenia. A depressão, a mania e o transtorno bipolar são denominados distúrbios
ou transtornos do humor. Estudos mostram que estes distúrbios afetam cerca de 8% da
população adulta, a cada ano. Os distúrbios de ansiedade afetam aproximadamente
10% da população em geral e podem se apresentar de várias formas.
22
Fraga (1993 apud PORTELA, 2006, p.33) afirma que, “pelo fato de a saúde
mental estar diretamente relacionada às condições sociais e econômicas, não
podemos dicotomizar saúde e doença mental, mas estas devem ser vistas como um
processo”.
Para Teixeira et al. (2001), com a doença mental a pessoa não consegue
mais encontrar soluções satisfatórias para seus conflitos e seus mecanismos de
defesa são utilizados de forma menos sadia. Seus sintomas são expressos na
maneira como a pessoa se comporta, afetando-lhe cada aspecto e refletindo-se em
seus pensamentos, sentimentos e ações.
Aproximadamente uma em cada seis pessoas apresenta, em algum momento
da vida, distúrbios mentais que interferem no trabalho ou nas atividades do dia-a-dia.
Pelo menos 25% das pessoas que procuram ajuda profissional por causas físicas
apresentam distúrbios emocionais (LINCX, 2007).
Segundo estimativas internacionais e do Ministério da Saúde, 3% da
população (5 milhões de pessoas), necessitam de cuidados contínuos (transtornos
mentais severos e persistentes), e mais 9% (totalizando 12% da população geral do
país – 20 milhões de pessoas) precisam de atendimento eventual (transtornos
menos graves). Quanto a transtornos decorrentes do uso prejudicial de álcool e
outras drogas, a necessidade de atendimento regular atinge cerca de 6 a 8% da
população, embora existam estimativas ainda mais elevadas (BRASIL, 2003).
Conforme Brasil (2001b), em nossa realidade, o atendimento a uma família
sempre se dá em função do surgimento de uma doença em um dos seus membros.
Raramente olhamos a família como um grupo de pessoas que necessita de uma
intervenção, seja por dificuldades de relacionamentos surgidos, por exemplo, em
função da doença, ou simplesmente por estarem sofrendo com o surgimento da
doença em um de seus integrantes.
2.3 A ASSISTÊNCIA NA REDE DE ATENÇÃO EM SAÚDE MENTAL
Como em outras áreas do SUS, a gestão da política de saúde mental é tarefa
complexa, descentralizada, com diversos níveis de decisão e de controle social. Foi
23
a III Conferência Nacional de Saúde Mental, ocorrida em dezembro de 2001, com
ampla participação dos movimentos sociais, de usuários e de seus familiares, que
forneceu, na melhor tradição do Sistema Único de Saúde, os substratos políticos e
teóricos para a política de saúde mental no Brasil, nos últimos anos (BRASIL, 2002).
A articulação de uma rede de atenção à saúde mental de base comunitária
foi um dos principais desafios desta gestão. Somente uma rede, com seu
potencial de construção coletiva de soluções, é capaz de fazer face à
complexidade das demandas e de garantir a resolutividade e a promoção de
autonomia e cidadania às pessoas com transtornos mentais. A rede de
saúde mental é complexa, diversificada, de base territorial, e deve constituirse como um conjunto vivo e concreto de referências para o usuário dos
serviços (BRASIL, 2002, p.13).
De acordo com Santa Catarina (2004), a rede de serviços públicos de saúde
mental compreende três áreas de atendimento: a de atenção básica, onde atuam
principalmente as equipes do Programa de Saúde da Família (PSF) e os serviços
municipais de saúde mental; a rede ambulatorial especializada em saúde mental,
composta pelos centros de atenção psicossocial (CAPS) e pelas residências
terapêuticas, voltadas à reabilitação e inserção social do paciente crônico; a do
atendimento hospitalar, realizado em hospitais gerais e em hospitais especializados
em psiquiatria.
2.3.1 Rede de Atenção Básica
Santa Catarina (2004) coloca que, a atenção básica é um conjunto de
unidades e ações articuladas em um território, sob o eixo do acolhimento, vínculo e
diálogo. A atenção em saúde mental no espaço da atenção básica deve ser não
somente local e acessível, como também, estar em condições de atender às
múltiplas necessidades dos usuários.
As ações de saúde mental desenvolvidas nas Unidades Básicas de Saúde
caracterizam-se como atenção primária, integrando profilaxia (prevenção) e
tratamento dentro do limite de atuação e complexidade. A equipe de saúde mental
busca melhorar a saúde mental da população assistida, desenvolvendo ações de
24
recuperação no tratamento de doentes, junto a ações dirigidas a grupos
comunitários ou à comunidade e ações dirigidas à demanda interna da Unidade
(TEIXEIRA et al., 2001).
Identificam-se como princípios orientadores para a saúde mental na atenção
básica: diagnóstico, intervenção precoce, participação do usuário, parceria com a
família e envolvimento com a comunidade local.
Segundo Santa Catarina (2004), conforme as recomendações da Assembléia
Mundial da OMS (maio de 2001), e da III Conferência Nacional de Saúde Mental
(dezembro de 2001), no que se refere às deliberações pela ampliação dos cuidados
em saúde mental na atenção básica à saúde, esta propõe:
- Estabelecer como porta de entrada da rede de atenção em saúde mental
as Unidades Básicas de Saúde, preferencialmente por meio da estratégia
Saúde da Família; (p.49)
- Priorizar as ações de cuidados primários de saúde mental nas unidades
básicas de saúde no que tange os quadros clínicos de depressão,
ansiedade e suas relações de comorbidade; (p.49)
- Possibilitar que a rede básica de saúde desenvolva ações de vigilância em
saúde mental, localizando e atuando nas áreas de risco geradoras de
sofrimento mental (locais de trabalho, condições de moradia e outras),
contribuindo assim, para desenvolver ações intersetoriais necessárias para
a redução do sofrimento; (p.49)
- Incentivar a incorporação das ações de saúde mental nas equipes de
Saúde da Família (ESF), mediante oferta de ações mais locais por parte dos
seus profissionais. (p.49)
Os recursos humanos preconizados para esses serviços são: equipe de PSF,
tendo um profissional de nível superior capacitado em saúde mental.
A Saúde da Família é compreendida como uma estratégia de reorientação do
modelo assistencial, modulada mediante a implantação de equipes multiprofissionais
em unidades básicas de saúde. Tais equipes multiprofissionais são responsáveis
pelo acompanhamento de um número definido de famílias, localizadas em uma área
geográfica delimitada (BRASIL, 2006).
O Programa de Saúde da Família (PSF), atualmente Estratégia da Saúde da
Família, teve um grande impacto no modelo assistencial à saúde, pois trouxe
mudanças para a população, envolvendo a ESF cada vez mais no ambiente familiar
e aproximando consideravelmente essa comunidade à unidade de saúde. A ESF
25
tem como objetivo contribuir para a solução dos problemas da comunidade, sendo
ele encontrado dentro da realidade da mesma (SEVERINO; PRUDÊNCIO, 2006).
A realidade das equipes de atenção básica demonstra que, cotidianamente,
elas se deparam com problemas de “saúde mental”; 56% das equipes de saúde da
família referiram realizar “alguma ação de saúde mental”. Por sua proximidade com
famílias e comunidades, as equipes da atenção básicas constituem um recurso
estratégico para o enfrentamento de agravos vinculados ao uso abusivo de álcool,
drogas e diversas formas de sofrimento psíquico (BRASIL, 2003).
Porém, nem sempre a atenção básica apresenta condições para dar conta
dessa importante tarefa. Às vezes, a falta de recursos de pessoal e a falta de
capacitação acabam por prejudicar o desenvolvimento de uma ação integral pelas
equipes. Além disso, atender as pessoas com problemas de saúde mental é de fato
uma tarefa muito complexa (BRASIL, 2003).
Com a inserção do cuidado à saúde mental pelas equipes da atenção básica,
tornou-se mais fácil o acesso ao atendimento de uma grande parcela da população
de portadores de transtornos mentais. Porém, junto à assistência na atenção básica,
há uma necessidade do desenvolvimento de serviços especializados adequados
devido a complexidade dos transtornos mais graves que podem vir a ser
identificados neste nível de atenção (PORTELA, 2006).
2.3.2 Serviço Municipal de Saúde Mental
O atendimento em Saúde Mental prestado nesse nível poderá ser realizado
em centro de saúde, ambulatório especializado e policlínicas. A referência para o
serviço municipal de saúde mental, a ser organizado por cada prefeitura, é a Portaria
nº224, de 29/01/1992, do Ministério da Saúde (BRASIL, 1992).
As atividades competentes ao serviço de saúde mental são:
ƒ
Atendimento individual (consulta/ psicoterapia);
26
ƒ
Atendimento em grupo (grupo operativo, terapêutico, atividades sócioterapêuticas, grupos de orientação, atividades de sala de espera,
atividades educativas em saúde);
ƒ
Visitas domiciliares por profissional de nível médio e/ou superior;
ƒ
Atividades comunitárias.
A respeito dos recursos humanos, quando possível a equipe multiprofissional
poderá ser composta por: médico psiquiatra, médico clínico capacitado em saúde
mental,
psicólogo,
enfermeiro,
assistente
social,
terapeuta
ocupacional
e
profissionais de nível médio (técnico de enfermagem) (SANTA CATARINA, 2004).
2.3.3 Rede de Atenção Especializada
É a rede composta pelas diversas modalidades de Centros de Atenção
Psicossocial (CAPS) e pelos Serviços Residenciais Terapêuticos em Saúde Mental.
2.3.3.1 Centro de Atenção Psicossocial (CAPS)
O CAPS é um serviço de saúde aberto e comunitário do Sistema Único de
Saúde. É um lugar de referência e tratamento para pessoas que sofrem com
transtornos mentais graves, cuja severidade e/ou persistência justifiquem sua
permanência num dispositivo de cuidado intensivo, comunitário, personalizado e
promotor de vida. A assistência referente aos Centros de Atenção Psicossocial
(CAPS) tem como referência a Portaria S/M nº 336 de 19/02/2002 (BRASIL, 2002).
Compõem-se, como Modalidade dos Serviços e Capacidade Operacional os:
ƒ
CAPS I: municípios com população entre 20.000 e 70.000 habitantes.
ƒ
CAPS II: municípios com população entre 70.000 e 200.000 habitantes.
27
ƒ
CAPS III: municípios com população acima de 200.000 habitantes.
ƒ
CAPS i II (crianças e adolescentes): população cerca de 200.000
habitantes
ou
outro
parâmetro
populacional,
atendendo
critérios
epidemiológicos.
ƒ
CAPS ad II (álcool e drogas): municípios com população superior a 70.000
habitantes (SANTA CATARINA, 2004).
Os municípios com menos de 20 mil habitantes não precisam ter CAPS, face
à lógica de organização proposta pelo Ministério da Saúde e podem começar a
estruturar sua rede de cuidados a partir da atenção básica (BRASIL, 2003).
Toda a assistência prestada no CAPS se dá através de trabalhos
desenvolvidos em um “meio terapêutico”, isto é, tanto as sessões individuais ou
grupais, como a convivência no serviço, tem finalidade terapêutica. Isto é obtido
através da construção permanente de um ambiente facilitador, estruturado e
acolhedor, abrangendo várias modalidades de tratamento. Cada usuário de CAPS
deve ter um projeto terapêutico individual, isto é, um conjunto de atendimentos que
respeite a sua particularidade, que personalize o atendimento de cada pessoa na
unidade e fora dela. O projeto terapêutico deve definir a modalidade de atendimento
que pode ser:
Intensivo: trata-se de atendimento diário, oferecido quando a pessoa se
encontra com grave sofrimento psíquico, em situação de crise ou
dificuldades intensas no convívio social e familiar, precisando de atenção
contínua. Esse atendimento pode ser domiciliar, se necessário;
Semi-intensivo: é oferecido quando o sofrimento e a desestruturação
psíquica da pessoa diminuíram, melhorando as possibilidades de
relacionamento, mas a pessoa ainda necessita de atenção direta da equipe
para se estruturar e recuperar sua autonomia;
Não intensivo: oferecido quando a pessoa não precisa de suporte contínuo
da equipe para viver em seu território e realizar suas atividades na família
e/ou no trabalho (SANTA CATARINA, 2004, p. 52-53).
Segundo o autor supracitado, em relação aos recursos humanos, os
profissionais que trabalham nos CAPS possuem diversas formações e integram uma
equipe multiprofissional. É um grupo de diferentes técnicos de nível superior e de
nível médio. Os profissionais de nível superior são: enfermeiros, médicos (psiquiatra
e/ou com formação em saúde mental), psicólogos, assistentes sociais, terapeutas
ocupacionais, pedagogos, professores de educação física ou outros necessários
para as atividades oferecidas nos CAPS.
28
Conforme Brasil (2003), o desenvolvimento dos novos serviços substitutivos
em saúde mental, destacando especialmente os Centros de Atenção Psicossocial
(CAPS), caracterizam um avanço indiscutível da política do SUS. Esse progresso na
resolução dos problemas de saúde da população por meio da vinculação com
equipes e do aumento de resolutividade propiciado pelos serviços substitutivos em
crescente expansão, não significa, contudo, que tenha se chegado a uma situação
ideal, do ponto de vista da melhoria da atenção.
Os CAPS, dentro da atual política de saúde mental do Ministério da Saúde,
são considerados dispositivos estratégicos para a organização da rede de
atenção em saúde mental. Eles devem ser territorializados, ou seja, devem
estar circunscritos no espaço de convívio social (família, escola, trabalho,
igreja, etc.) daqueles usuários que os freqüentam. Deve ser um serviço que
resgate as potencialidades dos recursos comunitários à sua volta, pois
todos estes recursos devem ser incluídos nos cuidados em saúde mental. A
reinserção social pode se dar a partir do CAPS, mas sempre em direção à
comunidade (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2003, p.2).
2.3.3.2 Serviços Residenciais Terapêuticos em Saúde Mental
Conforme Santa Catarina (2004) são casas localizadas no espaço urbano,
constituídas para responder às necessidades de moradia de pessoas portadoras de
transtornos mentais graves, institucionalizadas ou não, que não possuam suporte
social e laços familiares.
O suporte de caráter interdisciplinar quer seja o CAPS de referência, a equipe
da atenção básica ou outros profissionais, deverá considerar a singularidade de
cada um dos moradores, e não apenas projetos e ações baseadas no coletivo dos
moradores (BRASIL, 2000).
Neste serviço quem poderá se beneficiar está inserido nos aspectos a seguir:
ƒ
Portadores de transtornos mentais egressos de internação psiquiátrica em
hospitais cadastrados no SIH/SUS, que permanecem no hospital por falta
de alternativas que viabilizem sua re-inserção no espaço comunitário;
ƒ
Egressos de internação em Hospital de Custódia e Tratamento
Psiquiátrico, em conformidade com decisão judicial;
ƒ
Pessoas em acompanhamento nos CAPS, para as quais o problema de
moradia é identificado, por sua equipe de referência, como estratégico no
seu projeto terapêutico (SANTA CATARINA, 2004).
29
2.3.4 Rede Hospitalar
As referências para a organização da rede hospitalar voltada à assistência
psiquiátrica pelo SUS são: a Portaria SNAS nº 224 de 29/01/1992 e a Portaria GM nº
251 de 31/01/2002 (BRASIL, 1992, 2002).
2.3.4.1 Hospital-Dia
Representa um recurso intermediário entre a internação e o ambulatório, que
desenvolve
programas
de
atenção
de
cuidados
intensivos
por
equipe
multiprofissional, visando substituir a internação integral. O hospital-dia deve situarse em área específica, independente da estrutura hospitalar, contendo salas de
trabalho para trabalhos em grupo, sala de refeição, área externa para atividades ao
ar livre e leitos para repouso eventual (SANTA CATARINA, 2004).
Como cita o autor acima, para compor os recursos humanos a equipe mínima,
por turno de 4 horas, para 30 pacientes/dia, dever ser composta por: 01 médico
psiquiatra, 01 enfermeiro, 04 outros profissionais de nível superior (psicólogo,
enfermeiro, assistente social, terapeuta ocupacional e/ou outro profissional
necessário à realização dos trabalhos) e profissionais de nível médio necessários ao
desenvolvimento das atividades.
2.3.4.2 Serviço de Urgência Psiquiátrica em Hospital Geral e Especializado
Os serviços de urgência psiquiátrica em prontos-socorros gerais funcionam
diariamente durante 24 horas e contam com o apoio de leitos de internações para
até 72 horas. Estes serviços devem ser regionalizados, atendendo a uma população
residente em determinada área geográfica. Serviço com até 10 leitos para
30
internações breves deverá contar com: 01 médico psiquiatra, 01 assistente social, 01
enfermeiro e profissionais de nível médio necessários ao desenvolvimento das
atividades (SANTA CATARINA, 2004).
2.3.4.3 Leito ou Unidade Psiquiátrica em Hospital Geral
Tem por finalidade oferecer uma retaguarda hospitalar para os casos em que
a internação se faça necessária após, esgotadas todas as possibilidades de
atendimento em unidades extra - hospitalares e de urgência. A unidade deverá
contar com salas para trabalhos em grupo e área externa para lazer, educação física
e atividades sócioterápicas. Conforme parâmetros definidos, com base na Portaria
GM nº 1001/2002, o número de leitos psiquiátricos deverá ser definido pelo gestor
estadual, levando em conta a capacidade instalada do hospital, a existência de
serviços ambulatoriais em saúde mental e a necessidade do número de leitos para a
região (BRASIL, 2002).
Tal serviço deve contar com: 01 médico psiquiatra, 01 enfermeiro, 02
profissionais de nível superior (psicólogo, assistente social e/ou terapeuta
ocupacional) e profissionais de nível médio necessários ao desenvolvimento das
atividades (SANTA CATARINA, 2004).
2.3.4.4 Hospital Especializado em Psiquiatria
Os hospitais especializados em psiquiatria representam o topo do sistema de
complexidade crescente na área da saúde mental e são regulamentados pela
Portaria nº 251/GM de 31/01/2002 (BRASIL, 2002).
A instituição hospitalar deverá constituir um projeto terapêutico, definido como
um conjunto de objetivos e ações, estabelecidos e executados pela equipe
multiprofissional, voltados para a recuperação do paciente, desde a admissão até a
alta. Inclui o desenvolvimento de programas específicos e interdisciplinares
31
adequados à característica da clientela e compatibilizar a proposta de tratamento
com a necessidade de cada usuário e de sua família. Deveria envolver, ainda, a
existência de um sistema de referência e contra-referência que permite o
encaminhamento do paciente após a alta, para a continuidade do tratamento.
Os recursos humanos deste serviço se organizam da seguinte forma: 01
médico plantonista nas 24 horas, 01 enfermeiro das 19h às 7h para cada 240 leitos,
01 psiquiatra e um enfermeiro para cada 40 pacientes, em 20 horas de assistência
semanal, distribuídas em 4 dias, 01 assistente social, 01 terapeuta ocupacional, 01
psicólogo, para cada 60 pacientes, em 20 horas de assistência semanal, distribuídos
no mínimo em 4 dias, 04 auxiliares de enfermagem para cada 40 leitos, com
cobertura nas 24 horas do dia, 01 clínico geral para cada 120 pacientes, 01
nutricionista e 01 farmacêutico (SANTA CATARINA, 2004).
2.4 A ENFERMAGEM PSIQUIÁTRICA
Conforme observado por Rodrigues e Schneider (1999), resgatando o
contexto histórico em que a enfermagem psiquiátrica surge no período de início
desta prática o trabalho estava vinculado às ordens religiosas, que organizavam
todo o ambiente do hospício e que faziam o papel de supervisão, havendo um abuso
de poder por parte destas religiosas que encobriam e permitiam maus tratos aos
doentes. Com o abandono do hospício pelas religiosas, o Governo Provisório da
República manda buscar na França, enfermeiras leigas para continuar nas funções
de organização do hospício, sendo que elas deveriam organizar uma escola para os
enfermeiros no Hospício Nacional de Alienados. Esta é a primeira tentativa de
normalizar o ensino da enfermagem no Brasil no modelo religioso.
No século XIX surge na Inglaterra, Florence Nightingale, que se destaca por
sua atuação na guerra da Criméia, defendendo um cuidado humanizado aos
doentes e a necessidade de educação e preparo das pessoas que cuidavam destes
(PEREIRA, 2003).
Em 1952, Hildegard Peplau, faz um trabalho pioneiro, que preconiza o
32
relacionamento terapêutico enfermeira-paciente como instrumento básico da
assistência no que diz respeito à enfermagem psiquiátrica (TEIXEIRA et al, 2001).
Segundo Costa (2005, p.32), a enfermagem psiquiátrica também sofreu
transformações, assim como os movimentos de transformação da psiquiatria,
passando de uma assistência caracteristicamente custodial, asilar e de controle para
uma visão mais humanizada, privilegiando o relacionamento inter-terapêutico,
visando, assim, a ampliação do campo da enfermagem, para o contato com o
cliente, família e comunidade.
De acordo com Macedo e Monteiro (2004), a enfermagem se desenvolveu a
partir do modelo médico de cuidar, voltando sua assistência para a cura. Porém, ela
tem demonstrado interesse e disposição para abordar aspectos relativos à
subjetividade do ser humano, em sua prática. Um aspecto importante para o cuidado
efetivo é o de que, a enfermeira só poderá desenvolver ações congruentes se, ao
mesmo tempo em que se mantiver consciente de suas crenças e valores pessoais,
conseguir despir-se deles, sabendo que sua cultura pessoal e profissional poderá
ser diferente daquela dos indivíduos, famílias e grupos com os quais poderá atuar.
Como afirma Travelbee (1979, p.4):
A enfermagem psiquiátrica se define como um processo
mediante o qual a enfermeira ajuda uma pessoa, família ou
com o objetivo de promover a saúde mental, prevenir ou
experiência da enfermidade e o sofrimento psíquico e, se
contribui para descobrir um sentido dessas experiências.
interpessoal
comunidade
enfrentar a
necessário,
Na assistência psiquiátrica é fundamental que “o profissional tenha
capacidade empática com o sofrimento do outro, disponibilidade interna para a
escuta, flexibilidade para mudar seus pontos de vista”, proporcionando um elo que
liga a família a busca do processo terapêutico (MORENO, 2005, p.60).
Stuart (2001) define a enfermagem psiquiátrica por “um processo interpessoal
que promove e mantém um comportamento do paciente (indivíduo, família ou
comunidade)”, proporcionando integração para o seu funcionamento.
Segundo Taylor (1992), a enfermagem psiquiátrica é “um processo onde a
enfermeira auxilia as pessoas, individualmente ou em grupos, a desenvolverem um
auto-conceito mais positivo, um padrão mais gratificante de relacionamentos
interpessoais e um papel mais satisfatório na sociedade”.
33
Para atuar junto às famílias de portadores de transtornos mentais, é
importante que o enfermeiro conheça e compreenda a estrutura familiar, suas
crenças, valores e conhecimento sobre a doença, para que, a partir daí, possa
planejar a sua assistência conforme a necessidade desses familiares.
Pude perceber neste estudo, que na assistência psiquiátrica o enfermeiro
atua além de suas funções técnicas, como interceptor para criar e manter um
ambiente terapêutico e estabelecer relações interpessoais terapêuticas não só com
os pacientes, mas também com seus familiares.
2.5 A FAMÍLIA COMO CUIDADORA DO PORTADOR DE TRANSTORNO MENTAL
Segundo Bub e Penna et al. (1994), a família é um sistema interpessoal
constituído por pessoas que interagem por variados motivos, tais como: ligações de
afeto e amizade e para a reprodução, dentro da sua história de vida, mesmo sem
habitar o mesmo espaço físico. É entendida como uma relação social dinâmica que,
durante todo o seu processo de desenvolvimento, assume diferentes estados em
função de crenças, valores e normas, seguindo a cultura de cada família, a classe
social a que pertence e as influências ambientais com que se deparam. “Seus
membros podem estar unidos por laços consangüíneos, de interesse ou de
afetividade. A cultura irá determinar a estrutura da família, o tipo de ligação e a
interação entre os seus membros” (PORTELA, 2006, p.51).
Macedo e Monteiro (2004), afirmam com segurança que, a família é o primeiro
e principal lugar de crescimento e desenvolvimento, no qual o ser humano tem a
base para a formação da sua personalidade, bem como de seus padrões de
relacionamento. A interação da família de um portador de transtorno mental é um
processo de grande importância nas relações de convívio familiar, assim como a
relação com outras pessoas, por isto a família é parte fundamental para que ocorra
este processo.
Fundamentando o contexto primário onde o indivíduo se desenvolve, dentro
de um processo histórico: “a família, enquanto um sistema humano composto por
membros de diferentes gerações, passa ao longo de sua existência, por um ciclo de
34
vida próprio, permeado pelas mais variadas tarefas, pelas mais distintas
adaptações” (MACEDO; MONTEIRO, 2004, p. 587).
Quando há uma pessoa portadora de doença mental na família, certamente
ocorrem mudanças nas suas próprias rotinas e nos seus planos de vida. De acordo
com Waidman (1998 apud PORTELA, 2006, p. 32) “conviver com o doente mental
não é uma tarefa fácil, onde os familiares têm algum tipo de sobrecarga, quer seja,
financeira, sobrecarga nas rotinas familiares e sobrecarga em forma de doença física
ou emocional.”
“Muitas famílias não se sentem capazes de encontrar alternativas para
solucionar ou mesmo amenizar seus problemas, tornando necessária a intervenção
de um agente externo, uma ajuda profissional e preparada para a atenção à família”
(MACEDO; MONTEIRO, 2004, p. 589). Portanto, o familiar cuidador do doente
mental, necessita ser compreendido e requer uma atenção diferenciada, no sentido
de orientação e apoio dos profissionais que atuam nessa área, tendo que, a família
como um todo, ser assistida por esses profissionais.
Segundo Teixeira et al. (2001), acredita-se que qualquer tentativa de tratar
uma pessoa longe de sua família é inútil para ela, pois os principais passos na
promoção e prevenção e tratamento da saúde mental devem ser planejados dentro
do ambiente familiar. Compete aos profissionais de enfermagem ajudar a família a
enfrentar a situação de crise gerada pela doença mental e participar dentro de suas
especialidades, de um atendimento planejado.
Ribas (2004), em sua dissertação de mestrado coloca que para Parse, a
família é a relação que se estabelece com os outros, com os quais a gente se
relaciona proximamente, e com padrões de possibilidades multidimensionais. Os
padrões de inter-relacionamento vão se constituindo num processo de relações
paternais, fraternais, conjugais e outros, formando uma rede de experiências vividas,
vivendo as unidades paradoxais de revelar-ocultar, capacitar-limitar, conectarseparar.
35
3 REFERENCIAL TEÓRICO
3.1 BREVE BIOGRAFIA DA TEORISTA
Nome: Rosemarie Rizzo Parse
Parse tem formação pela Universidade de
Duquesne, em Pittsburgh, tendo realizado o seu
mestrado e doutorado na Universidade de Pittsburg.
Foi membro desta Universidade e Reitora da Escola
de Enfermagem na Universidade de Duquesne. De
1983 a 1993, foi professora e coordenadora do
Center for Nursing Research do Hunter College, em
Nova Iorque. É fundadora e a presidente da
Discovery
International,
Inc.,
de
Pittsburgh,
Pennsylvania, uma empresa que oferece serviços de
consultoria
relacionados
à
pesquisa
em
enfermagem, educação e assistência, bem como serviços de orientação sobre a
saúde de pessoas, famílias e comunidades (HICKMANN; RIZZO, 2000). Em 1987,
foi nomeada “Lynn Eminent Scholar” em Enfermagem, na Florida Atlantic University.
Dra. Parse possui mais de vinte anos de experiência em desenvolvimento de teorias,
pesquisa, administração, prática e educação em enfermagem (GEORGE, 1993).
A autora é fundadora e editora da revista Nursing Science Quartely e
fundadora
do
Instituto
de
adequação
Humana,
onde
leciona
Ontologia,
Epistemiologia e Aspectos Metodológicos desta escola. E também, é professora da
cadeira de Niehaff, na Loyola University, em Chicago. Parse é autora de vários
artigos e livros como: Os Fundamentos da Enfermagem; Homem-Vida-Saúde; A
Teoria da Enfermagem; A Ciênca da Enfermagem; Os maiores paradigmas, Teorias
e Criticas, entre outros (PEREIRA, 2003).
36
3.2 BREVE DESCRIÇÃO DA TEORIA
Figura 1: símbolo da Teoria do “Tornar-se Humano”
Segundo George (1993), a teoria de Parse privilegia o significado a partir da
experiência vivida na perspectiva da própria pessoa, focalizando a qualidade de vida
para a enfermagem.
Com o objetivo de fundamentar este estudo com familiares que vivenciam o
cuidado aos portadores de transtornos mentais, optei pela teoria de Rosemarie
Rizzo Parse, com base nas suas dimensões práticas e nos seus princípios
metodológicos, pois acredito que esta teoria possibilite o alcance dos objetivos
propostos.
Parse valoriza a prática de enfermagem e a define como: “inter-relação
sujeito-sujeito, uma presença de amor e de verdade em relação ao outro para
promover a saúde e a qualidade de vida” (GEORGE, 1993, p. 278). Os
procedimentos da prática de enfermagem desta teoria são prescritos pela pessoa, à
luz de seus próprios planos, objetivando mudar os padrões de saúde, para que eles
busquem a melhoria da qualidade de vida.
Segundo Souza et al (s/d), entre 1960 e 1970, Parse desenvolveu a teoria
chamada "Man-Living-Health", traduzida para o português como Homem-VidaSaúde. Em 1992, Parse muda o nome da teoria para "Human Becoming", traduzida
como “Tornar-se Humano”, pois a definição de "homem" no dicionário não se referia
37
mais a ser humano, mas ao "gênero homem". Essa teoria, baseada nas ciências
humanas, emerge de uma síntese de conceitos e caracteriza a singularidade da
enfermagem. É constituída de um sistema inter-relacionado de conceitos que
descreve o ser humano unitário, co-criando saúde a partir de sua dinâmica relação
com o meio ambiente.
3.3 AS BASES CONCEITUAIS DA TEORIA DE PARSE
A teoria de Parse é sintetizada com base nos princípios e conceitos de Martha
Rogers e no pensamento filosófico de Heidegger, de Jean Paul Sartre e Maurice
Merleau-Ponty da fenomenologia existencial, a partir dos quais ela desenvolveu
princípios e pressupostos que estruturam suas suposições na construção de sua
teoria (GEORGE, 1993).
Do sistema conceitual de Rogers, Parse baseou-se nos paradigmas da
simultaneidade e da totalidade. O paradigma da simultaneidade é, onde o ser
humano é um ser aberto livre para escolher o mútuo e rítmico intercâmbio com o
ambiente, e a saúde como conjunto de prioridades de valor de cada ser humano.
Neste paradigma a enfermagem tem suas raízes nas ciências humanas (PARSE,
1981).
Já no paradigma da totalidade, o ser humano é visto como um ser bio-psicosocial e espiritual, um todo a partir da soma de suas partes, que se adapta ao
ambiente para se manter em equilíbrio. Ele interage com o ambiente, estabelece
transações e faz planejamentos voltados para o alcance de objetivos, e a
enfermagem está definida dentro de uma abordagem das ciências naturais ou
médicas (PEREIRA, 2003).
A teoria de Parse foi construída através dos princípios e conceitos da Teoria
do Ser Humano Unitário, de Martha Rogers, os princípios de Helicidade,
Complementaridade e Ressonância, bem como os conceitos de Campo de Energia,
Abertura, Padrão e Organização, e Quadri-dimensionalidade, que passa a
denominar-se Multidimensionalidade.
38
Desenvolvendo tais princípios, Parse (1981) define:
O princípio de Helicidade especifica que a natureza e direção da mudança
ambiental é inovadora, probabilística, e caracterizada pela diversidade
crescente do padrão e organização do campo humano e ambiental (p. 35).
O princípio de Complementaridade enfatiza que a interação do campo
humano e ambiental é contínua, mútua e simultânea (p. 35).
O princípio de Ressonância postula que o campo humano e o campo
ambiental são identificados pelo padrão e organização de ondas,
manifestando uma mudança contínua de padrões de baixa freqüência e
longo comprimento de onda para alta freqüência e padrões de ondas curtas.
Existe uma interação rítmica de energia entre ser humano e ambiente,
expressada em padrões de onda (p. 35).
O conceito de Abertura refere-se ao ser humano como um sistema aberto,
um campo de energia contíguo com o universo. Deste modo, ser humano e
meio ambiente inter-relacionam-se em um movimento irreversível em
direção a uma diversidade e complexidade crescente (p. 35).
Rogers especifica que o ser humano pode ser reconhecido através do
Padrão e Organização do campo humano. O padrão e organização do ser
humano e meio ambiente são expressões rítmicas da unidade (p. 35).
O conceito de Quadridimensionalidade postula o ser humano e meio
ambiente como campos de energia quadri-dimensional. Este conceito
especifica o mundo como não-espacial e atemporal, onde o campo humano
é uma “relativa presença” (p. 35).
Da fenomenologia existencial, Parse utiliza dois princípios: intencionalidade e
subjetividade humana. Estes evoluíram de estudos anteriores e foram adotados por
Heidegger, já, os conceitos de co-constituição, de co-existência e liberdade situada
foram adotados, respectivamente, de Heidegger, Merleau-Ponty e Jean-Paul Sartre.
Intencionalidade - Significa que, o ser humano, o homem é aberto,
conhece e está presente no mundo. Assim, pois, ser homem implica ser
intencional e estar implicado com o mundo, através da natureza
fundamental de conhecer, estar presente e aberto (LEE; SCHUMAKER;
TWIGG, 1997, p.447).
Subjetividade humana - o homem se encontra com o mundo e está
presente nele numa relação dialética. O homem cresce através desta
relação, dando significado aos projetos que surgem no processo de
realização. O homem colabora nos projetos emergentes mediante a escolha
de determinados valores (LEE; SCHUMAKER; TWIGG, 1997,p. 447).
Co-constituição - refere-se à idéia de que o significado que surge de
qualquer situação se relaciona com seus constituintes específicos desta
situação. O homem se inter-relaciona com as diferentes visões de mundo e
dos demais, e co-cria estas visões através de uma presença pessoal (LEE;
SCHUMAKER; TWIGG,1997, p.447).
Co-existência - o homem, como ser emergente, está no mundo com os
demais. O homem conhece a si mesmo, na compreensão do concreto e
através da percepção do outro. Sem os demais, ele não poderia ter noção
de si mesmo (LEE; SCHUMAKER; TWIGG, 1997, p.447).
39
Liberdade situada - uma participação nas escolhas das situações que se
encontra, assim como sua atitude frente a estas situações. Ao eleger uma
forma de responder a essas situações, ele expressa seus valores unitários.
Às vezes, fazemos sem o conhecimento de todos os seus resultados, ainda
que com responsabilidade plena de suas conseqüências (LEE;
SCHUMAKER; TWIGG, 1997, p.447).
Com vistas à criação de sua teoria, Parse (1981) busca unir os princípios e
conceitos de Rogers, sendo estes abordados na figura a seguir.
ROGERS
FENOMENOLOGIA EXISTENCIAL
Princípios:
Helicidade
Complementaridade
Ressonância
Crenças básicas:
Intencionalidade
Subjetividade humana
Co-criação
Conceitos:
Campo de energia
Abertura
Padrão e organização
Quadrimensionalidade
Conceitos:
Co-constituição
Co-existência
Liberdade situada
Ser humano – existência – saúde
Fonte: (PARSE, 1981, p. 34)
Figura 2: Princípios e conceitos de Rogers da Fenomenologia Existencial
3.4 PRESSUPOSTOS E/OU PRESSUPOSIÇÕES BÁSICAS
Segundo George (1993), pressupostos são visões ou afirmações amplamente
aceitas como verdadeiras, sendo que todas as teorias possuem pressupostos
subjacentes básicos que devem ser compatíveis com seus objetivos e relações. Em
nossa prática profissional são representados pelas nossas crenças e valores. Os
nove pressupostos originais de Parse (1995), já modificados e escritos com discurso
filosófico, são:
–
o humano co-existe enquanto co-constitui padrões rítmicos com o
universo (p. 5);
–
o humano é um ser aberto, livre para escolher significados nas
situações, sendo responsável pelas suas decisões (p. 5);
–
o humano é uma unidade de vida, co-constituindo continuamente
padrões de relacionamento (p. 6);
–
o humano transcende multidimensionalmente com as possibilidades
40
de que dispõe (p. 6);
–
o tornar-se é um processo aberto de transformação, experienciado
pelo humano (p. 6);
–
o tornar-se é um processo ritmicamente co-constituído na relação
humano-universo (p. 6);
–
o tornar-se é formado por padrões de relacionamento humano,
prioritariamente valorizado (p. 6);
–
o tornar-se é um processo intersubjetivo de transcender com as
possibilidades (p. 6);
–
o tornar-se é uma evolução humana (p. 6).
Parse (1995) sintetizou esses nove pressupostos originais em outras três
pressuposições sobre o tornar-se humano:
–
tornar-se humano é uma escolha de significados pessoais, no
processo intersubjetivo de relacionar valores prioritários (p. 6);
–
tornar-se humano é co-criar padrões rítmicos de relacionamentos, em
intercâmbio aberto com o universo (p. 6);
–
tornar-se humano é co-transcender multidimensionalmente com o
despertar de possibilidades (p. 6).
3.5 DIMENSÕES E PRINCÍPIOS
Parse (1981) cria uma teoria em que o homem é um ser aberto que,
juntamente com seu mundo, co-cria a saúde. Ela entende a enfermagem como
enraizada nas ciências humanas e tendo seu foco sobre o homem como uma
unidade viva e sobre a participação qualitativa nas experiências de saúde.
Fundamenta os seus princípios em três dimensões e três estruturas, que são
apresentados a seguir:
ƒ
Esclarecer significados: consiste no processo de explicar. “Explicar é
tornar claro o que aparece agora, através da linguagem” (LEOPARDI,
1999, p.129).
ƒ
Sincronizar ritmos: processo em que se conduz através de situações já
vivenciadas, onde Leopardi (1999, p.129) afirma que o “enfrentar-com é
entregar o eu para o processo de partilhamento de significados,
mobilizados dos processos vividos do conectar-separar.”
41
ƒ
Mobilizar a transcendência: através do “ir além” do significado do
momento, para o “vir a ser”, a enfermagem focaliza o indivíduo ou a família
na busca pela mudança dos processos de saúde vividos.
Os pressupostos relacionados aos temas: significado, ritmicidade e cotranscedência, apresentados na teoria de Parse, conduzem os três princípios desta
teoria. São eles:
1º Princípio: “A estruturação do significado, multidimensionalmente, é a cocriação da realidade, através da expressão de valores e imagens” (GEORGE,1993,
p. 271).
Este princípio significa que os seres humanos constroem o que é real para
eles, a partir das escolhas feitas em muitos momentos de suas vidas. Os seres
humanos estão continuamente co-criando a realidade, apoiados nos significados das
experiências multidimensionais que eles vivenciam. Para cada indivíduo, existe um
número infinito de universos simultaneamente, cuja realidade é constituída em
harmonia com muitos universos, estruturados concretamente, através de suas
próprias escolhas. As escolhas humanas surgem de muitas opções simultâneas,
disponíveis nas experiências multidimensionais, quando alguém cria uma visão de
mundo e constrói uma realidade pessoal. Esta realidade pessoal representa tudo o
que a pessoa é, tem sido e se tornará. Construir realidades é dar significado para a
experiência única. A experiência única é a perspectiva individual percebida através
da comunicação de imagens e valores (HICKMANN; RIZZO, 2000).
2º Princípio: “A co-criação de padrões rítmicos da relação é viver a unidade
paradoxal da revelação-ocultamento, capacitação-limitação, ao mesmo tempo que
ligação-separação” (GEORGE, 1993, p.271).
Esse princípio prevê que os seres humanos vivam em ritmos com o universo,
co-constituindo padrões de relação. Os padrões são paradoxais por natureza –
opostos aparentes, mas são as mesmas dimensões de um fenômeno. Os humanos
revelam e ocultam ao mesmo tempo o que estão se tornando, o que encarnam, o
que foram e são. Ressaltamos que ninguém revela tudo o que é; há sempre o
mistério do ser humano. Os humanos são capacitados e limitados simultaneamente
por suas escolhas, em cada uma há um infinito número de oportunidades e
limitações. Ao moverem-se juntos ou separados, ao mesmo tempo, os humanos ora
se conectam, ora se separam do universo, no fluxo rítmico de co-criação. O conectar
42
e separar é o processo mútuo que os seres humanos vivem entre si e com o
universo. Revelar-ocultar, capacitar-limitar e conectar-separar se constituem em
conceitos importantes deste princípio (HICKMANN; RIZZO, 2000).
3º Princípio: “O Co-transcender os possíveis é fortalecer maneiras singulares
de criação, no processo de transformação” (GEORGE, 1993, p. 273).
Este princípio significa reforçar transformações, através da co-constituição
com os outros. O ser humano aspira ser o que não é, ir além, ir em direção ao futuro.
O humano existe com os outros, em inter-relação contínua com o seu self concreto e
suas escolhas, que tornam possível o real. O real é a situação contextual que o
humano co-cria. Esta situação cria outras possibilidades e, assim, ele pode
continuamente escolher formas de co-transcender, dentro do possível. Por
transcender a uma dada situação, os humanos se libertam de certas limitações
impostas por elas. Co-transcender é, então, a forma do ser humano, integrado ao
ambiente, ir além e se projetar para o futuro. Adquirir poder (powering), originar
(originating) e transformar constituem-se em processos relacionados a este princípio
(HICKMANN; RIZZO, 2000).
PRINCÍPIO 1
Estruturar o significado
multidimensionalmente é cocriar a realidade através da
expressão lingüística de
valores e imagens
Imagens
Valores
PRINCÍPIO 2
Co-criar padrões rítmicos de
relacionamento é viver a
unidade paradoxal revelaresconder , capacitar-limitar
enquanto liga-separa
CapacitarLimitar
RevelarEsconder
PRINCÍPIO 3
Co-transcender as
possibilidades é ter domínio
sobre formas únicas de
originar, no sentido de prover o
processo de transformação.
Adquirir
Poder
Originar
Li it
Expressão
Lingüística
LigarSeparar
Transformar
Relação entre os conceitos dos retângulos: fortalecer é uma forma do revelar-esconder imagens.
Relação entre os conceitos nas elipses: originar é a manifestação do capacitar-limitar valores.
Relação entre os conceitos dos triângulos: transformação implica na expressão lingüística do ligarseparar.
Figura 3: Relação de princípios, conceitos e estruturas da Teoria de Parse
(1981).
43
3.6 CONCEITOS
As estruturas conceituais de uma teoria orientam a prática de enfermagem
resultando em diferentes abordagens a serem desempenhadas com o paciente em
relação à sua saúde. A teoria de Parse oferece uma alternativa diferente da
abordagem "tradicional" por ser guiada pelo paradigma da simultaneidade (SOUZA
et al, s/d).
3.6.1 Ser humano / Ambiente
Parse fala dos seres humanos através do termo homem e descreve que em
sua teoria acredita-se que: “o homem é um ser aberto, mais do que a soma das
partes e diferente dela, em intercâmbio recíproco e simultâneo com o ambiente,
escolhendo dentre opções e arcando com a responsabilidade pelas escolhas”
(GEORGE, 1993, p.275).
Ser humano e ambiente são conceitos inseparáveis, isto é, evoluem juntos e
coexistem com o universo. O ambiente é um espaço vivido pelo ser humano,
inseparável e complementar a ele (GEORGE, 1993).
Neste estudo, o ser humano irá corresponder ao familiar cuidador do portador
de transtorno mental, que vivencia o cuidado e atribui seus significados à situação
da doença mental na família.
3.6.2 Saúde
Conforme Leopardi (1999, p.128), “a saúde é definida como um processo e
não um estado particular num determinado momento.” Saúde está intimamente
44
ligada à capacidade do indivíduo de co-criar, no sentido de buscar padrões de vida
que transformem as suas vivências em alternativas, que mantenham o seu bem
estar em inter-relação com o ambiente.
Saúde é um estado de bem estar condicionado à ausência de uma
perturbação funcional/sofrimento, quer seja mental ou biológico. Contudo, nem todo
sofrimento decorre de um mau funcionamento orgânico, uma vez que a vida do ser
humano é motivada por desejos de satisfações ou realizações em todos os aspectos
com interferências do meio em que vive e para o qual vive.
[...] a saúde é um estilo de vida do ser humano selecionado de uma
experiência multidimensional criada num campo aberto de intercâmbio de
energia com o ambiente. Padrões de relação de valores prioritários
constituem a saúde do ser humano (LEOPARDI, 1999, p. 128).
3.6.3 Enfermagem
É considerada uma ciência e arte, fundamentada nas ciências humanas, onde
seu foco é o ser humano, considerado uma unidade de vida que participa
qualitativamente na sua forma de experenciar a saúde (LEOPARDI, 1999).
A teoria de Parse fala que as metas da enfermagem são direcionadas à
qualidade de vida da pessoa, segundo sua própria perspectiva. Ela orienta a prática,
onde seu foco é esclarecer significados para o processo da transformação dos
padrões de saúde da família e da pessoa (GEORGE, 1993).
Pereira (2003) considera a enfermagem psiquiátrica “também como profissão,
arte e ciência, que promove através da oportunidade de encontro com o outro, de
“estar com”, proporcionando ajuda e transformações mútuas.” E também como
profissão, arte e ciência, que promove e fortalece a interação do processo de
relacionamento interpessoal e do enfrentamento do sofrimento psíquico.
Neste estudo, baseado na teoria de Parse, o processo de transformação
abre-se para a oportunidade da enfermeira refletir junto aos familiares de portadores
de transtorno mental, as suas experiências, através da iluminação dos significados
de suas vivências, permitindo mover as possibilidades de transcender em saúde e
qualidade de vida.
45
4 METODOLOGIA
4.1 TIPO DE ESTUDO
A presente pesquisa tratou-se de um estudo qualitativo, descritivo, onde o
caminho foi percorrido através de todos os momentos com as famílias de portadores
de transtorno mental, obedecendo aos aspectos teóricos e as dimensões práticas,
baseadas na metodologia da teoria de Parse (1987).
Conforme Leopardi (1999, p.129),
[...] Parse apresenta um exemplo de aplicação de sua teoria, numa situação
em que uma enfermeira se relaciona com uma família. Neste exemplo, ela
usa sua estrutura teórica para guiar a prática. Em nenhum momento em sua
discussão refere ou apresenta um processo de Enfermagem uniformizado; é
inovadora e criativa, desincubida de regras prescritivas.
A metodologia do processo de cuidado proposta por Parse, é de natureza
qualitativa. Entretanto, não segue o método tradicional, comumente utilizado pela
Enfermagem. Não há padrões rígidos do processo de enfermagem. Não há planos
de cuidado de Enfermagem baseados em problemas de saúde. As etapas, tais como
avaliar, diagnosticar, planejar, implementar e avaliar não estão de acordo com as
crenças desta teórica e se tornam inapropriadas neste modelo de assistência
(PARSE, 1987).
4.2 A TEORIA DO “TORNAR-SE HUMANO” NO CUIDADO
A teoria de Parse propõe um processo de cuidado em sua metodologia prática
desenvolvido através de três dimensões, já citadas anteriormente. De acordo com
Pereira (2003), a primeira dimensão prática ocorre através de encontros, esclarecendo
os significados das experiências vividas. Consiste em relacionamento recíproco, onde o
significado se torna claro e explícito com o que aparece através da linguagem.
A segunda dimensão prática é a sincronização de ritmos, e se dá no processo
46
de tratar do fluxo da cadência inter-humana (a mudança, o movimento rotativo e o
impulso das relações humanas) (GEORGE, 1993).
A terceira dimensão prática é a mobilização da transcedência e consiste no
processo de ir além do significado do momento para aquilo que ainda não é. O foco
desta dimensão são os sonhos possíveis e a possibilidade de planejar para alcançálos (LEOPARDI, 1999).
4.3 A TEORIA DO “TORNAR-SE HUMANO” NA PESQUISA
A metodologia da pesquisa utilizada por Parse é realizada seguindo os
princípios da construção metodológica, de forma que se enquadrem ao rigor
científico e respeitando a ordem de processos investigativos dentro da tradição da
pesquisa. As etapas do método incluem: seleção dos participantes, engajamento
dialógico, extração de síntese e interpretação heurística (PEREIRA, 2003).
Seguindo a teoria de Parse, a seleção dos participantes foi feita através de
convite, explicitando a participação dos sujeitos no estudo, os objetivos do estudo, a
importância das participações para a construção de conhecimentos, e que seguiu os
preceitos da Teoria de Parse.
De acordo com a Teoria de Parse, o engajamento dialógico é o diálogo entre
o pesquisador-participante, vivenciado no processo “Eu – Tu”, através de presença
verdadeira, surgindo da natureza e estrutura das experiências vividas (PEREIRA,
2003).
A extração de síntese ocorreu com a descrição das informações que
emergiam do diálogo estabelecido entre pesquisador-participante. Segundo Parse
(1987), o pesquisador dialoga com as descrições de um “lidar com” e entra no
processo de extração e síntese por inteiro. O último passo se deu através da
interpretação heurística, feita pela integração do conteúdo sintetizado com os
princípios e estruturas da teoria que foi então, interpretada à luz da mesma pela
junção das idéias com o processo de experiências vividas, dando origem a um novo
corpo de conhecimento que vai além das idéias e poderão contribuir para novos
estudos de pesquisas, e/ou novas práticas.
47
4.4 LOCAL DE ESTUDO
A pesquisa foi desenvolvida na Clínica Integrada de Atenção Básica à Saúde
(CIABS), vinculada à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, localizada na Rua
Cônego Rodolfo Machado, nº1989, Bairro Rio Caveiras, no Município de Biguaçu.
Inaugurada em 17 de maio de 2002, iniciou a atividade de atendimento ao público
em 3 de junho de 2002 (UNIVALI, 2006).
A CIABS é um órgão da Fundação Univali, onde atualmente funcionam as
áreas de Enfermagem, Fisioterapia, Psicologia em parceria com três equipes do
Programa Saúde da Família (PSF), da Secretaria de Saúde de Biguaçu, oferecendo
os serviços de consultas médicas, enfermagem e odontológica, fisioterapia,
psicologia, vacinação, preventivo, teste do pezinho, administração de medicamentos,
curativos, controle de pressão arterial e glicemia e farmácia básica (UNIVALI, 2007).
Sua estrutura física apresenta: 06 consultórios de psicologia, 04 de fisioterapia, 01
sala de recreação, 03 consultórios de PSF, 01 sala de preventivo, 01 sala de
curativos assépticos, 01 sala de administração de medicamentos, 01 sala de
controle de pressão arterial e para diabéticos, 01 sala de vacina e teste do pezinho,
01 sala de enfermagem, 01 consultório odontológico, 01 farmácia, 01 sala de
triagem, 01 recepção, 01 sala de arquivos, 01 expurgo, 01 sala de lavagem de
material, 01 sala de preparo de material e de esterilização de material, 01 sala de
armazenamento de material esterilizado, 04 salas de supervisão, 02 salas de
coordenação, 01 sala de Educação de Saúde da Família, 01 depósito, 01 sala de
guarda de materiais pessoais, 01 copa (UNIVALI, 2006).
Segundo a UNIVALI (2007), entre as comunidades atendidas pelo CIABS, em
Biguaçu, estão as comunidades dos bairros do Jardim Carandaí, Fundos,
Loteamento São Miguel, Primavera, Jardim São Nicolau, Área Industrial, Rio
Caveiras, Morro Bela Vista (bairros localizados no lado esquerdo da BR 101); sendo
que as especialidades de Psicologia e Fisioterapia são estendidas a todo o
município de Biguaçu.
Atendendo desde gestantes, crianças, adolescentes, adultos e idosos. Seu
expediente se dá, das 7:30 às 12:00 e das 13:00 às 16:30, de segunda às sextasfeiras, destinando-se a última sexta-feira do mês para reuniões internas. O
48
atendimento do PSF é efetuado pelo SUS/Secretaria da Saúde. Os demais
atendimentos são realizados na mesma, pela Filantropia da Fundação Universidade
do Vale do Itajaí, com atendimento gratuito. O atendimento da CIABS é de atenção
básica a saúde, ambulatorial, não ocorrendo atendimentos de emergência nesta
unidade.
Neste
estabelecimento,
trabalham
32
pessoas,
com
regime
de
funcionamento da CIABS de 8 horas/dia, de segunda a sexta-feira, distribuídas da
seguinte forma:
ƒ
Pertencentes ao Programa de Saúde da Família: 03 médicos, 03
enfermeiros, 03 técnicas de enfermagem, 02 dentistas e 02 auxiliares de
dentista.
ƒ
Pertencentes a UNIVALI: 01 enfermeira (Coordenação), 01 psicóloga, 04
técnicas de enfermagem, 03 técnicas administrativas, 03 serviçais
terceirizadas (UNIVALI, 2006).
Como parte deste serviço, está incluído o atendimento à usuários portadores
de transtornos mentais na atenção primária, com atendimento médico clínico, de
enfermagem psiquiátrica e psicologia, através de consultas de enfermagem, visitas
domiciliares à portadores de transtorno mental, grupos de convivência e psicoterapia
individual, os quais, são ligados aos estágios curriculares dos cursos de enfermagem
e psicologia. Oferece também assistência farmacêutica, através da dispensação de
medicamentos, e como parte integrante deste processo, vem sendo implantada na
Instituição a assessoria em saúde mental às Equipes de Saúde da Família.
4.5 SUJEITOS DE ESTUDO
Os sujeitos da pesquisa foram os familiares de portadores de transtorno
mental, atendidos na Clínica Integrada de Atenção Básica à Saúde (CIABS), no
município de Biguaçu/SC.
Optei por trabalhar com uma amostra de duas famílias, num total de três
familiares cuidadores. A pesquisa foi realizada no período de julho de 2007 a agosto
de 2007.
49
4.6 PROCEDIMENTO PARA A COLETA DE DADOS
A pesquisa trabalhou com os familiares cuidadores de pacientes com
transtornos mentais, através de encontros com as famílias destes pacientes.
Foi enviado à Instituição de Ensino – UNIVALI e a Clínica CIABS o termo de
Solicitação Prévia de Autorização da Instituição (Apêndices C e D respectivamente),
expondo os objetivos da pesquisa e solicitando autorização para realização da
coleta dos dados.
Foram realizados três encontros com cada família, que são os sujeitos da
pesquisa de acordo com o processo metodológico proposto na metodologia da
Teoria de Rosemarie Rizzo Parse.
4.7 REGISTRO E ANÁLISE DOS DADOS
O registro dos dados coletados foi feito através do diálogo vivo e depoimentos
por meio de gravação em fita cassete e mp3, totalizando a gravação de 5 encontros
em mp3 e 1 encontro em fita cassete. Além desse registro, foram feitas, também
anotações em um diário de campo (DC), contendo notas pessoais (NP) acerca dos
encontros. Após este processo os dados foram transcritos e categorizados, e assim
analisados no decorrer do Estudo. Baseados nos passos metodológicos propostos
por Parse, a análise do estudo seguiu a extração de síntese e a interpretação
heurística.
Para a realização dos registros, utilizei também, um diário de campo, onde
anotei as minhas observações sobre a implementação da prática e sobre o que
ocorria nos encontros. As notas pessoais contidas nesse diário eram considerações
feitas por mim caracterizando cada encontro e sentimentos apresentados pelos
familiares no transcorrer das falas.
50
4.8 A ÉTICA COMO CONTEÚDO E COMPORTAMENTO NA INVESTIGAÇÃO
CIENTÍFICA
Com a Resolução 196/96, estão aprovadas as diretrizes e normas que
regulamentam a pesquisa envolvendo seres humanos.
Brasil (1996) afirma que:
A Comissão Nacional de Ética em Pesquisa - CONEP- é uma comissão do
Conselho Nacional de Saúde - CNS, criada através da Resolução 196/96 e
com constituição designada pela Resolução 246/97, com a função de
implementar as normas e diretrizes regulamentadoras de pesquisas
envolvendo seres humanos, aprovadas pelo Conselho. Tem função
consultiva, deliberativa, normativa e educativa, atuando conjuntamente com
uma rede de Comitês de Ética em Pesquisa - CEP- organizados nas
instituições onde as pesquisas se realizam.
Ética quer dizer ethos em grego, traduzindo-se por “modo de ser” “ou
caráter“. Tem como objetivo principal analisar a maneira de agir dos homens em
sociedade. Examina o comportamento humano em suas profissões, associando o
motivo e a finalidade dos atos através de normas e deveres. Os deveres orientam a
vida dos homens uma vez que a ética é constituída por deveres (NORONHA et al,
1995).
Segundo Caponi et al, (1995) a ética trata-se da teoria que investiga ou
explica a forma de comportamento dos seres humanos, o da moral, levando em
conta sua totalidade, diversidade e variedade.
Estou de acordo com a afirmação de Capella et al (s/d), que, nem sempre
pensamos nas conseqüências de nossos julgamentos, decisões e ações, ou seja, no
poder de nossa intervenção na vida e nos corpos de outras pessoas. Desta forma,
os familiares dos pacientes portadores de transtorno mental foram convidados a
participar do estudo e informados a respeito da prática, numa linguagem clara e
objetiva, que favoreceu a compreensão dos mesmos. Quanto aos princípios básicos
da ética envolvendo a pesquisa com seres humanos, estão:
ƒ
Garantir o respeito, a liberdade de participação e de desistência a
qualquer momento, bem como o anonimato e o sigilo das informações;
ƒ
Beneficência, não causando danos aos participantes da prática;
51
ƒ
Justiça, dando um tratamento igualitário e justo a todos;
ƒ
A obtenção do consentimento verbal e escrito, livre e esclarecido por parte
dos participantes do trabalho;
ƒ
Respeitar as crenças, valores e história de vida de cada família.
O consentimento livre e esclarecido assegura ao participante do estudo a
confidência, o anonimato, liberdade de desistir do estudo no momento em que
desejar, assim como retirar o seu consentimento em qualquer fase do estudo, sem
prejuízo algum para ele.
De acordo com a Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde –
CNS (1996), que fala da ética da pesquisa envolvendo seres humanos, os
depoimentos estarão guardados durante cinco anos e assegurados em sigilo e
anonimato, e com o consentimento livre e esclarecido apresentado e aprovado pelos
familiares.
Por motivos éticos, os nomes dos familiares não serão citados e, portanto,
foram utilizados pseudônimos com os nomes de algumas pedras preciosas
encontradas na natureza. Os nomes de pedras preciosas que foram utilizadas como
pseudônimos foram: RUBI, DIAMANTE e ESMERALDA.
52
5 UMA PRÁTICA ASSISTENCIAL NA BUSCA DA TRANSCENDÊNCIA
5.1 ENTRADA NO CAMPO
Para selecionar os participantes da pesquisa, foi utilizado o conhecimento dos
Agentes Comunitários de Saúde (ACS), que indicaram pessoas que cuidam de
algum familiar com diagnóstico de transtorno mental e também, indicação de
professores e profissionais que atuam nas práticas de saúde mental da CIABS,
como o Grupo de Convivência, as visitas domiciliares e as consultas de
enfermagem, para famílias que possuam pacientes com algum transtorno mental.
Após a indicação, foi agendado um primeiro contato com os familiares, sendo
alguns agendados na própria Unidade de Saúde - CIABS, em uma sala reservada.
Neste primeiro encontro apresentei os objetivos, finalidades do trabalho e expliquei
através da leitura do termo de consentimento livre e esclarecido (APÊNDICE B),
deixando o familiar livre para a sua decisão na participação da pesquisa ou não.
Com outros familiares, o primeiro contato ocorreu através das visitas domiciliares,
procedendo da mesma maneira.
Foram então, selecionados os familiares que tiveram maior interesse de
participação na pesquisa e maior disponibilidade de tempo. Os encontros foram
agendados no mesmo dia do primeiro contato com cada família, dentro da
possibilidade e disponibilidade dos mesmos e da pesquisadora.
A proposta inicial era realizar os encontros com três famílias, mas, devido a
problemas que surgiram no decorrer da seleção, os encontros foram realizados com
apenas duas famílias.
Um familiar selecionado não compareceu ao primeiro encontro marcado e
mostrou desinteresse, mesmo tendo aceitado anteriormente a participar da
pesquisa, referindo muitas vezes que não estaria disponível nas datas agendadas.
Com outros dois familiares, no primeiro contato com os mesmos, descartei a
possibilidade de participarem da pesquisa, pois existiam outros problemas
envolvidos e por isto não contribuiriam para a pesquisa como se esperava. A maioria
53
dos encontros foi realizado na CIABS e apenas um encontro, com uma família,
aconteceu no domicílio da mesma.
5.2 OS ENCONTROS COM RUBI E DIAMANTE
Rubi e Diamante são casados há mais de 20 anos, aparentam ter idade entre
40 e 50 anos. Rubi é uma mulher e Diamante é homem. São pais de dois filhos, uma
menina de 9 anos e um rapaz, de 25 anos, Roberto 3 , filho mais velho do casal, o
qual tem diagnóstico médico de Transtorno Afetivo Bipolar. São nascidos em
Governador Celso Ramos, município litorâneo situado próximo a grande
Florianópolis, no Estado de Santa Catarina. A família reside no bairro da Praia da
Armação, no mesmo município e são sócios com outro familiar de um comércio, no
mesmo local. Rubi e Diamante são os cuidadores nesta família.
O primeiro contato com a família foi por meio de indicação de uma professora
e profissional que atua nas práticas de saúde mental da CIABS, a qual já conhecia a
família e o paciente portador de transtorno mental e fez a ponte para que nos
conhecêssemos. Então a partir daí, marquei com Rubi para um primeiro contato e
ela disse que quem compareceria ao encontro seria Diamante, pois ela estaria em
seu período de trabalho no dia marcado. Diamante foi ao meu encontro na CIABS,
segundo o combinado com Rubi. E então me apresentei, expus o tema do projeto,
os objetivos, explicando como seriam os encontros, as gravações dos depoimentos
e os demais aspectos éticos que permeiam uma pesquisa envolvendo seres
humanos. Ele, logo concordou em participar da pesquisa e disse que falaria com sua
esposa sobre o assunto. Agendamos então um próximo encontro, que seria o nosso
primeiro encontro para o início da prática. No dia 31/07/07, conforme o combinado
Diamante compareceu ao primeiro encontro, na data e horário marcados. O encontro
aconteceu na CIABS, em uma sala, reservada previamente com a enfermeira
responsável, que já estava devidamente informada sobre a pesquisa e sobre como e
quando aconteceria a coleta de dados. A minha expectativa era grande, pois nunca
3
Roberto: nome fictício escolhido pela autora.
54
havia passado por este tipo de experiência e por saber que iniciaria uma nova etapa
da pesquisa. Diamante chegou e foi a minha procura na Unidade. Cumprimentamosnos e fomos à sala reservada para o encontro. Perguntei como ele estava e como
passou a semana e, se havia falado com sua esposa e com o filho sobre o primeiro
contato que tivemos. Ele respondeu que não havia falado com o filho nada sobre isto
e que a esposa já estava ciente e também tinha concordado com a participação na
pesquisa. Então, avisei que iria começar a gravar, ressaltando que a exposição de
seu nome seria mantida em sigilo, proporcionando assim um ambiente confortável
para que ele pudesse falar mais abertamente sobre o cuidado ao doente na família e
o convívio familiar. Ao final do encontro, marcamos então um próximo encontro, que
também aconteceria na CIABS e em uma data que Rubi também pudesse
comparecer.
No segundo encontro, dia 14/08/07 compareceram então Rubi e Diamante,
onde os mesmos se mostraram bastante interessados na pesquisa e preocupados
com a situação do filho. Neste encontro, surgiu a possibilidade de um contato maior
com a família. Eles propuseram que o próximo e último encontro acontecesse na
casa da família. Eu também mostrei interesse, pois, seria uma oportunidade de
vivenciar o processo de cuidado do doente no ambiente familiar, criando uma maior
proximidade com esta família na busca dos padrões de saúde para a transformação
da prática em qualidade de vida. Então, após o encontro deixamos combinado que o
próximo encontro seria na casa da família e que eu daria um retorno para
marcarmos a data e o horário certos. No meio tempo em que fiquei de ligar para a
família, Diamante me liga avisando que não poderíamos nos encontrar nos próximos
dias, pois o filho havia sido internado e eles estariam em função deste
acontecimento. A partir daí cominamos o encontro para a próxima semana, um dia
antes de Roberto estar de alta e vir para casa.
No dia 27/08/07, conforme o combinado fui até a residência da família em
Governador Celso Ramos. Quando cheguei, perguntei no comércio, que fica
embaixo da casa se a família que eu procurava residia ali mesmo. Então, uma
funcionária do estabelecimento respondeu que sim e me levou até a porta da casa
que ficava nos fundos da loja. Quem me recebeu foi uma moça que me levou até o
andar de cima da casa, onde a vista dava para o mar e o visual era maravilhoso.
Então, logo em seguida subiu Rubi, que me recebeu gentilmente. Cumprimentamos-
55
nos e ela então falou que Diamante talvez não pudesse participar do encontro, pois
não estava em casa, mas que logo voltaria. Conversamos um pouco e logo
Diamante chegou. Também me recebeu com muita gentileza e simpatia. Então
começamos a gravar o encontro. Ao finalizarmos o encontro agradeci a participação
deles na pesquisa. Eles também ficaram muito gratos e se disponibilizaram para
qualquer dúvida no que fosse necessário. Ao nos despedirmos, saí de lá com a
sensação de que teria contribuído de alguma forma para o processo de
transcendência dessa família, para a busca do ir além do que é.
5.2.1 Uma síntese teórica com RUBI E DIAMANTE
No início da aplicação deste processo deparei-me com dificuldades,
momentos de angústia, apreensão e expectativa, por se tratar de uma nova prática
baseada num novo referencial, com proposta diferenciada da prática até hoje por
mim vivenciada.
O tempo de aplicação desta prática foi curto, mas ocorreu de forma profunda,
iluminando a essência da experiência vivida, conforme prevê a teoria de Parse no
processo de cuidado. Cada significado emergiu carregado de emoções e
recordações de momentos muito difíceis vividos. Desta forma, emergiram dos
encontros alguns significados considerados importantes, tais como: enfrentamentos
e limitações, medo e necessidade de vigília, adesão ao tratamento, uso de drogas,
compreensão acerca da doença.
Com esta família encontrei muita receptividade e abertura para o
compartilhamento das experiências vividas. Encontrei também, uma carência na
assistência profissional a esses familiares. Observei que a minha presença era
sempre bem vinda e esperada, o que os fazia senti-los notados por alguém que
enxergava aquele problema que só eles vivenciam e sabem o que significa. Os
sentimentos de afeto por eles demonstrados na interação familiar traziam a
compreensão do sofrimento que a doença mental pode causar em uma família.
Compartilhar momentos com os familiares através de ações educativas
56
proporcionou espaço para reflexões e discussões no sentido de abordar a doença
na família e a busca pelo processo de cuidado.
Ao término dos encontros pude observar a riqueza encontrada nos
depoimentos
dos
cuidadores,
viabilizando
possibilidades
de
um
melhor
entendimento da doença e, de melhores estratégias de atenção à saúde do familiar
cuidador, pois é ele o responsável pela assistência diária ao doente no seio familiar
(AZEVEDO; GAUDÊNCIO, 2007).
A teoria de Parse propiciou uma nova perspectiva para o atendimento ao
familiar cuidador do portador de transtorno mental, respeitando cada um em suas
potencialidades e ritmos, para que estes seres co-constituam um ambiente
terapêutico com o familiar doente e co-criem relações com novos padrões de vida,
de saúde e qualidade de vida.
5.3 OS ENCONTROS COM ESMERALDA
Esmeralda é uma mulher que aparenta aproximadamente 40 anos, é casada,
não tem filhos e cuida da mãe, Dona Iracema 4 , 71 anos que vive com ela e com o
marido há 5 anos. Dona Iracema tem diagnóstico médico de Depressão, que foi
diagnosticada após uma cirurgia cardíaca a qual foi submetida há 4 anos atrás. Ela
teve 8 filhos, sendo que 1 foi a óbito há 5 anos e os demais são casados e vivem
com suas famílias. Esmeralda é a quinta filha pela ordem de idade e a cuidadora de
Dona Iracema nesta família.
Também conheci Esmeralda por meio das práticas de saúde mental da
CIABS. A indicação também surgiu da mesma profissional, a qual indicou a outra
família. Esmeralda participa do Grupo de Convivência, um grupo de auto ajuda que
há um ano e meio vem se trabalhando na CIABS.
Todos os encontros realizados com Esmeralda aconteceram na CIABS. Ela
também compareceu ao primeiro encontro conforme data e horário marcados.
4
Iracema: nome fictício escolhido pela autora.
57
Parecia ansiosa para aquele momento, mostrando-se bastante interessada e
prestativa para com a pesquisa. Perguntei como ela estava e como estava sua mãe.
Falei que iria iniciar a gravação para darmos continuidade a conversa normalmente.
Marcamos o próximo encontro para a outra semana, mas Esmeralda me comunicou
que não poderia comparecer pois estava passando uns dias na casa de sua irmã
com a mãe e não teria como vir até a CIABS. Adiamos o encontro para a semana
seguinte. No segundo encontro Esmeralda parecia estar mais tranqüila em relação a
mãe, em função de ter ficado uns dias longe de casa e espairecido os ares. Ela
relatou que a mudança de ambiente teria favorecido alguns aspectos relacionados
ao relacionamento interpessoal e ao humor de sua familiar, que parecia ter
melhorado.
No terceiro encontro esclarecemos significados de questões da doença e
medicamentos que Esmeralda havia questionado quando o assunto foi abordado.
Neste momento, percebi a importância de uma assistência voltada a esses
familiares, que se mostram interessados em aprender cada vez mais sobre a doença
de seu parente e de como intervir de maneira correta, apesar de toda a experiência
já vivenciada com esse doente. Terminamos a gravação, finalizando assim os
encontros, mas quando percebi não havia sido gravado nada, devido a problemas
com o aparelho. Perguntei se não haveria problema para Esmeralda comparecer
outro dia para mais um encontro. Ela, gentilmente, se mostrou disponível e falou que
poderia comparecer sem problemas. Então, marcamos um novo encontro na
semana seguinte para poder recuperar o material perdido. Neste encontro,
Esmeralda estava abatida e referiu cansaço nos últimos dias. Em seus relatos
demonstrou muita emoção e fragilidade, contudo recuperamos o material e
finalizamos os encontros.
5.3.1 Uma síntese teórica com ESMERALDA
Ao me dar conta do processo vivenciado com estas famílias, não tinha noção
do quão importante é para esses familiares ter um espaço para poderem expor suas
58
dúvidas e angústias, seus medos e anseios, ou apenas, por saberem que existe
alguém ali que possa simplesmente ouvi-los e dar a devida importância para suas
palavras quando expressam os significados do que é conviver com o familiar doente.
Com Esmeralda compartilhei de uma vivência cheia de sentimentos que
afloraram durante os encontros. Amor, ódio, tristeza, alegria, compaixão, humildade,
coragem, fé... Em um dos encontros, Esmeralda parecia frágil, mas ao mesmo
tempo forte por não querer demonstrar sua fragilidade. Foi então, quando questionei
a ela o significado de ser familiar cuidador, frisando o que seria para ela ser essa
cuidadora. No mesmo instante, seus olhos se encheram de lágrimas e ela chorou
desculpando-se e afirmando que estava se sentindo mais sensível naqueles dias.
Porém, Esmeralda também demonstrou no desenrolar dos encontros, interesse em
melhorar o relacionamento com os irmãos na busca por uma responsabilidade
compartilhada e assim resultando em um cuidado sem sobrecarga e com disposição
para com o familiar doente.
Apesar do pouco tempo de convivência dos encontros, com Esmeralda, foi
possível desvelar e iluminar os significados de sua vivência, sincronizando ritmos e
buscando mobilizar as transcendências, conforme a proposta de Parse.
A boa atuação de enfermagem para com os familiares tem a perspectiva de
que não seja unidirecional, com o profissional apenas "despejando" as orientações
para o cuidado. Mas ela considera as potencialidades do familiar cuidador para
formular, ele mesmo, mecanismos de adaptação e enfrentamento para a situação
vivida com o portador de transtorno mental.
Percebi que esse familiar necessita de um acompanhamento contínuo,
propiciando continuidade no processo reflexivo, o qual proporcionará um viver mais
saudável e com qualidade de vida.
59
6 OS SIGNIFICADOS DE SER CUIDADOR EM FAMÍLIA
Neste estudo a análise dos dados foi feita com base no material gerado a
partir da transcrição dos depoimentos que foram realizados durante os encontros
com os familiares e das notas registradas em diário de campo. A análise dos dados
seguiu os passos metodológicos propostos por Parse (1987). Na extração de
síntese, buscou-se a essência a partir dos diálogos realizados entre a enfermeira e o
familiar cuidador do portador de transtorno mental, possibilitando uma estrutura que
demonstrasse a reflexão dos significados destas vivências. A interpretação
heurística se deu através da interpretação dos significados, tal como descritos na
linguagem dos participantes no decorrer do processo, integrando as estruturas da
teoria e suas concepções metodológicas, oferecendo novas bases para a prática e
propiciando oportunidades para outros estudos.
Escolhi a interação com os familiares que convivem com um portador de
transtorno mental na família como tema desta pesquisa e busquei na prática
assistencial conviver e conhecer melhor a realidade do familiar cuidador do portador
de transtorno mental. Através do acompanhamento feito a estas duas famílias,
destaco a seguir as experiências vividas nos encontros, os quais foram momentos
de nossa co-existência, procurando co-constituir padrões rítmicos de relação,
buscando co-criar novos padrões de saúde.
Apresento na seqüência, os significados que resultaram de ser familiar
cuidador do paciente portador de transtorno mental, colocando em categorias e
contemplando os assuntos que emergiram nestes encontros, os quais foram:
ƒ
Convivendo com o transtorno mental;
ƒ
Lidando com as dificuldades, enfrentamentos e limitações;
ƒ
Co-constituindo padrões de inter-relação em família e com “outros”;
ƒ
Co-criando possibilidades de vir-a-ser: a busca da transcendência.
60
6.1 CONVIVENDO COM O TRANSTORNO MENTAL
6.1.1 Manifestações da doença
Ao conviver com a pessoa portadora de transtorno mental o familiar presencia
e participa de inúmeras situações, as quais estão associadas aos sintomas da
doença, onde muitas vezes ele tem de estar preparado para lidar com tais situações.
Contudo, com o acompanhamento do familiar com transtorno, o cuidador vai sendo
afetado emocionalmente, ao vivenciar as mudanças comportamentais e seus
reflexos causados no ambiente familiar e social. As dificuldades com que se
deparam as pessoas que assumem a função de cuidar evidenciam uma realidade
que se confronta com a necessidade de dividir seu tempo e espaço com um membro
da família cujo comportamento foge dos padrões até então conhecidos pelos que
com ele convivem, os quais aparecem nas falas:
“[...] é, ele não é, ele não quer ser, ele tem mania de querer ter o carro bom,
de ter mania de querer ter isso, ter aquilo [...] Agressão e dinheiro não era
que chegue nessa época [...] compra tudo!” (DIAMANTE)
“Ele não pára, ele anda o dia todo, ele não para!” (RUBI)
“[...] se não trancar ele acorda cedo, aí saí pra rua, quando a gente acorda
ele já não tá [...]” (RUBI)
Com estas falas, Rubi e Diamante demonstraram que na fase maníaca da
doença, quando os sintomas se tornam mais perceptíveis, o paciente apresenta
formas de mania de grandeza relacionada a bens materiais, de estar sempre
querendo esbanjar, e quanto ao comportamento ele se torna mais agressivo e
inquieto. Conforme Abrata (2007), a pessoa com Transtorno Bipolar pode apresentar
grandes oscilações no seu estado de humor, atrapalhando muito o andamento de
sua vida no trabalho, nas relações afetivas e familiares.
Travelbee (1979) sinaliza que a doença mental afeta cada aspecto de suas
funções psíquicas, a qual reflete sobre seus pensamentos, sentimentos e ações. A
doença mental não é apenas um rótulo, uma categoria, um diagnóstico. Ela constitui-
61
se numa experiência vivida pelo ser humano e por sua família.
Na fala abaixo o familiar cuidador aponta o desequilíbrio que a doença traz ao
familiar doente:
“Claro, ele pode até tá bem, mas de repente ele já dá uma escapada, aí ó,
ele já não tá bem, é complicado [...] fala muito, se agita muito, que se tiver
muito pra frente é que ele não tá legal, né [...] se tiver muito aí também não
tá [...] então a normalidade dele é bem pouca [...]” (DIAMANTE)
Já na família de Esmeralda, alguns sintomas da doença trazem angústia e
impaciência, quando ela refere que tem que levar a situação com “empurrões”, como
na fala:
“Tudo eu tenho que mandar ela falar, eu tenho que mandar ela fazer, aí ela
assim [...] ah, não fiz nada, não sei o que! Aí então eu tenho que me [...]
entendesse. Às vezes tenho que dar uns empurrão pra coisa andar [...]”
(ESMERALDA)
Segundo Louzã Neto (1995), um dos sintomas da doença mental é a
diminuição da motivação, levando o paciente a não conversar, ficar apático, isolado
e retraído socialmente.
A experiência vivida e os significados que o familiar cuidador dá as situações
vivenciadas no cotidiano podem variar conforme o momento. Para a busca da
compreensão dos sintomas da doença, Rubi e Diamante afirmaram nos encontros
que já haviam lido muito sobre o assunto e que para eles já estava esclarecida esta
questão. Contudo, fiz questão de trazer para os encontros, em alguns momentos
materiais sobre a doença do filho. Ressaltei alguns aspectos no sentido de reforçar
as informações até então conhecidas e presenciar o que realmente já tinha sido
esclarecido, para poder assim estabelecer através do processo reflexivo, e da
interpretação das experiências desses familiares a mudança e a transformação
relacionados a superação de limites.
Neste caso, o movimento, no sentido de ir além, de enfrentamento e
superação de limites, pode ser lento, e sempre se torna necessário o apoio
profissional, norteado por referencias adequadas e efetivas. A enfermeira pode,
através de seu conhecimento e presença verdadeira, co-constituir e iluminar
significados a partir das experiências vividas (PARSE, 1981).
62
Nos encontros com Esmeralda este processo se deu aos poucos, respeitando
cada momento, que era parte da sua história, da sua experiência que estava sendo
compartilhada. Esmeralda afirmou saber um pouco sobre as manifestações da
doença, no entanto solicitou material sobre alguns aspectos da doença. Toda a nova
informação que lhe era dada nos encontros, era acumulada como um novo corpo de
conhecimento que agora estaria associado as experiências vividas.
Em todos os encontros compartilhamos as reflexões em face de cada
significado e procuramos caminhar para a co-transcendência.
6.1.2 Recaídas
O fato de a família conviver com o portador de transtorno psíquico, faz com
que os membros da família fiquem sempre apreensivos quanto ao tratamento e o
surgimento de novas crises ou recaídas. E, principalmente quando o tratamento não
é seguido corretamente.
Os relatos dos familiares (cuidadores) de um paciente evidenciam a falta de
adesão ao tratamento:
“[...] as vezes ele até entende que tem e outra hora não, mas ele não aceita
que tem que tomar remédio nada, é bem complicado!” (RUBI)
“[...] até hoje não aceita bem né! Um trabalho! Mas [...] aí ele voltou pra
casa, voltou um pouco, com o tempo, mas o Roberto não era mais aquela
pessoa, mas dava pra controlar né, aí começou a trabalhar um pouquinho,
ajudar! E depois ele, final do ano ele se agitou denovo, e vem festa e vem
coisa, aí pega em noite, pega em festa, e bebe e coisa [...] aí piorou
denovo!” (DIAMANTE)
“[...] ele sai e usa droga e coisa e ai, aí incendeia tudo né..” (DIAMANTE)
Existem fatores que favorecem a melhora dos sintomas da doença como, por
exemplo, a medicação, apoio emocional, reabilitação; e outros são agravantes dos
sintomas como vulnerabilidade biológica, drogas, stress, podendo estes levar a
novos surtos ou recaídas. O papel que a família desempenha no tratamento do
paciente portador de transtorno mental é tão importante quanto o papel que tem no
63
tratamento de qualquer outra enfermidade crônica grave, afinal todas elas
pressupõem uma reintegração. Isto significa que o tratamento não se limita a
medicamentos e eventuais internações, mas se completa com todas as ações e
procedimentos que visem uma reintegração familiar, profissional e social, ou seja,
uma melhora da qualidade de vida do doente (LOUZÃ NETO, 1995).
Para o outro familiar (cuidadora) a recaída está associada aos sintomas da
doença, como: desânimo, falta de vontade, diminuição da percepção, dependência
para o autocuidado, entre outros.
Neste contexto o que mais se destacou foram os aspectos relacionados ao
tratamento, como a falta de aderência, e o stress da família geradas pelas crises ou
recaídas.
Nos encontros, mostrei as alternativas de tratamento das doenças para os
familiares, com intuito de esclarecer os significados e guia-los para o processo de
reflexão.
O processo de cuidado proposto por Parse, inicialmente, é guiar o indivíduo
ou família para relatarem os significados das situações vivenciadas, explicando, na
sua linguagem, a sua experiência vivida, clareando os significados.
6.1.3 Aderência ao tratamento
Uma das maiores dificuldades no tratamento de manutenção do paciente é
garantir o uso da medicação. Por diversos motivos os pacientes não tomam a
medicação corretamente, ou porque não se acham doentes, ou pelos efeitos
colaterais que incomodam muito, e às vezes por mero esquecimento. A adesão do
paciente ao tratamento pode melhorar com a conscientização da doença e o ajuste
da medicação para minimizar os efeitos indesejáveis. Os familiares podem ajudar na
organização da medicação do paciente, fazendo esquemas de horários para tomar a
medicação, auxiliando-o a lembrar-se dos mesmos (LOUZÃ NETO, 1995).
Para Rubi e Diamante, a aderência do familiar doente ao tratamento não se
64
torna eficaz pelo uso inadequado da medicação em conseqüência da negação da
doença pelo próprio doente. A não aceitação da doença foi um fator marcante neste
contexto, como aparece na fala:
“O pessoal que diz que eu sou louco”, ele assim! “Vou mostrá pra eles ainda
e não sei o que, vou mostra pra eles que eu não tenho nada, vou mostrar
que eu vou casar, que eu vou [...]” (DIAMANTE)
“Ele que não aceita né, pra ele, ele não tem nada! Pra ele, ele é normal!”
(RUBI)
De acordo com Louzã e Shirakawa (2000), a aceitação da doença é parte
fundamental para o sucesso do tratamento. O portador de transtorno mental e sua
família devem ser orientados sobre a doença, suas características, diagnóstico e
prognóstico da mesma. Há necessidade de conhecimento, pois, em geral, o
tratamento é por tempo indeterminado. As informações e orientações devem ser
transmitidas pela equipe de saúde, de forma clara e objetiva, para que se estabeleça
um vínculo de confiança e maior adesão ao tratamento.
Pelo que foi exposto nos encontros, neste aspecto, considero que a adesão
ao tratamento do paciente não se faz eficaz pela falta de conscientização do mesmo
sobre a doença, pelo uso incorreto da medicação e pela falta de um
acompanhamento terapêutico mais rígido, como se observa na fala:
“O tratamento a gente tá levando no banho maria, na verdade a gente tá
levando com calma[...] como eu posso dizer, a gente tá conseguindo a
manter ele em casa. Ter uma vida praticamente normal na realidade né”
(DIAMANTE)
Para Rubi e Diamante, o fato de o filho estar apresentando um
comportamento mais regrado e estar mantendo-se em casa já é um alívio, pois,
desta forma, não ficam apreensivos e preocupados como quando o filho saí de casa
e não dá notícias. Esta atitude é compreensível, já que os pais sempre querem
proteger os filhos e fazem de tudo para que nada de mal aconteça a eles. Porém,
nos encontros, durante o meu envolvimento com a família resgatei as possibilidades
de tratamento e acompanhamento do paciente portador de transtorno mental
abrindo uma gama de escolhas para o melhor cuidado ao paciente. Este processo
foi relativamente difícil, pois se tratava da busca pelo bem estar do filho e da
manutenção do ambiente familiar. Em meio a todos os momentos de reflexão co-
65
constituímos a adaptação deste processo a uma nova experiência de vida, numa
relação de co-existência, na busca pela transcendência.
Na teoria de Parse (1995), o ser humano vive multidimensionalmente com
ações pré-reflexivas ou reflexivas, escolhendo as opções. O ser humano, como um
ser único e singular, compartilha as crenças e valores de sua existência. Neste
sentido, o ser humano, interagindo no meio em que vive, escolhe o seu próprio
caminho.
Já, quando existe um outro problema associado ao transtorno mental, a
doença fica ainda mais difícil de ser estabilizada, causando assim uma grande
dificuldade por parte do familiar cuidador para investir no tratamento, principalmente
quando esse outro acometimento é o uso de drogas.
Em relação a esse aspecto, a aderência do familiar doente ao tratamento não
acontece pelo uso concomitante de álcool e outras drogas. Nos encontros foram
relatadas experiências vividas pela família que apontam esta dura realidade. Como
aparece nas falas:
“[...] é porque ele no final de semana ele usa droga. Se ele não usasse ele
tava [...]”(RUBI)
“Se ele não usasse a droga a gente já teria conseguido há muito tempo. O
problema dele é a droga né!” (DIAMANTE)
Nestes casos, o familiar acaba perdendo as esperanças de cura e melhora, e
pode tentar fugir do problema, alegando que não pode fazer nada, que o problema
está fora de seu alcance.
Sabe-se quão freqüente é o uso de drogas entre os jovens. E também os
malefícios que acarretam, mesmo em indivíduos sadios. As drogas têm em geral
efeitos no cérebro que provocam sintomas parecidos com o de alguns transtornos
psíquicos. Com o uso de drogas novos surtos podem ocorrer, mesmo em pacientes
bem controlados com medicação. Elas “contra-balançam” e anulam os efeitos de
alguns medicamentos; com isto o paciente pode ter o quadro agravado pelo uso de
drogas (LOUZÃ NETO, 1995).
Para Rosseti e Santos (2006), o dependente químico é aquele que depende
do uso de uma química, seja álcool ou quaisquer outras substâncias psicoativas, por
66
exemplo, maconha, cocaína, crack, entre outras. A Organização Mundial de Saúde
já considera dependência química uma doença, com tendência mundial apontada
para o uso cada vez mais precoce dessas substâncias.
Quando questionados quanto a gravidade do tratamento e do uso
concomitante de drogas Rubi e Diamante frisaram que estavam a par desta questão
mas que a dificuldade em lidar com o familiar superava a de conseguir de fato ajudálo. Como se observa nas falas:
“Claro [...] nós sabemos! Nós sabemos e passamos pra ele mas como é que
vai botar na cabeça de um homem desse?” (DIAMANTE)
“Ah, nós já conversamos né e os médicos sempre batem na mesma tecla né
[...]” (DIAMANTE)
Assim, o enfermeiro deve estar atento durante a assistência, observando
como ocorre a dinâmica familiar, os significados que emergem em cada situação,
dentro do ritmo próprio da família, procurando buscar possibilidades com os
cuidadores para transformar a interação familiar.
Neste processo, a enfermeira pode contribuir no sentido de estabelecer uma
maior interação entre o portador de transtorno mental e sua família.
6.2 LIDANDO COM AS DIFICULDADES, ENFRENTAMENTOS E LIMITAÇÕES
6.2.1 Percepção da doença e enfrentamentos
São muitas as razões que levam as pessoas a sentir vergonha da presença
de um doente mental na família. Razões, na sua maioria de ordem cultural e que se
relacionam à falta de conhecimento que se tem do funcionamento do organismo
humano. As doenças mentais, diferentemente das doenças físicas mais graves,
além de serem temidas, são ridicularizadas. O doente mental, muito mais que um
doente, é confundido com um “louco”, um “doido”, com toda a carga preconceituosa
que estes termos carregam consigo (LOUZÃ NETO, 1995).
67
Para Santos (2003), a vergonha é um sentimento bastante freqüente para
quem convive e cuida de pessoas com doenças mentais. É difícil para o familiar
compreender que aquela pessoa está apresentando sintomas da doença que
provavelmente ainda não está controlada e, ao mesmo tempo ele se frustra por
cobrar dela comportamentos “dentro da normalidade”.
A primeira reação de uma pessoa que tem um membro da família acometido
por algum transtorno mental é não aceitar, ou seja, negar ou esconder a doença
perante os outros. A partir do momento em que esta família ou esta pessoa busca
informações a respeito e começa a entender a doença, conseqüentemente, o seu
olhar muda e a sua concepção em relação à doença e possibilidades de
enfrentamento irão estar mais bem estruturadas. Como destaca Rubi e Diamante
nas falas:
“Ah, a maior dificuldade foi entender a doença, aceitar né! Daí então a gente
procurou [...] aí um dia, ah, não, o bipolar tem cura, mas não bem que tem
cura, mas o bipolar tem tratamento, tem uma vida normal [...]” (DIAMANTE)
“É, e o pessoal dizia que era droga, e os vizinhos diziam que não era
doença, só droga [...]” (RUBI)
Segundo Ribas (2004), a experiência vivida e os significados que uma pessoa
ou uma família dá aos seus problemas podem variar conforme o momento
vivenciado no cotidiano. Parse (1992), diz que a estruturação do significado é a cocriação da realidade que se dá através da linguagem, dos valores constituídos e da
imagem que se elabora. A cada momento, o significado pode modificar-se, conforme
as possibilidades que se apresentam na experiência vivida.
Outro aspecto relevante é saber qual o significado que essa família atribui ao
transtorno mental que acomete seu familiar, para então poder ajudá-la a
compreender melhor a doença e a ressignificar seu familiar como doente. Messa
(2004) afirma que as limitações impostas pelas doenças crônicas afetam a família
que precisa se adaptar às necessidades do membro doente, para isso utilizando
novos recursos de enfrentamento. Ocorre um desequilíbrio familiar diante do novo
evento, as mudanças que acarretará e as adaptações que essa família realizará
dependem dos recursos que dispõe, de como o evento começou e do significado
que será dado para ele.
Percebe-se que as famílias demonstram dificuldades em lidar com a noção de
68
doença mental, solicitando muitas vezes esclarecimentos sobre a mesma e
orientações sobre o relacionamento com o familiar doente no domicílio.
Ao envolver a família e ao dar suporte a esta para enfrentar as dificuldades no
relacionamento com a loucura, a sobrecarga, a culpa, o isolamento social, a carência
de informações, problemas de vinculo com os profissionais de saúde, situações de
crise, emergência, conflitos familiares, diminuiria a carga emocional da família e do
próprio usuário aumentando o nível de interação e empatia da família com seu
familiar doente (COIMBRA et al., 2005).
O estigma é gerado pela desinformação e pelo preconceito e cria um círculo
vicioso de discriminação e exclusão social, que perpetuam a desinformação e o
preconceito. As conseqüências para as pessoas que sofrem o estigma são muito
sérias (ABRE – BRASIL, 2007).
Quando rotulamos alguém, não olhamos para o que essa pessoa realmente é
ou sente. Se nos referimos a alguém que tem um transtorno mental como “louco”,
“leso” ou “nóia”, esses termos são usados como rótulos e trazem mais sofrimento
para estas pessoas. O uso de rótulos negativos “marca” e desqualifica uma pessoa.
Esta marca é o que chamamos de estigma. As pessoas estigmatizadas passam a
ser reconhecidas pelos aspectos “negativos” associados a esta marca, ou rótulo
(ABRE – BRASIL, 2007).
Segundo o autor citado acima, o estigma e a discriminação tornam mais difícil
para as pessoas que sofrem de algum transtorno mental reconhecer que tem algum
problema e procurar apoio e tratamento. Estudos têm mostrado que o estigma é a
influência mais negativa na vida das pessoas com algum transtorno mental. A
discriminação causa dano, destrói a auto-estima, causa depressão e ansiedade, cria
isolamento e exclusão social.
Neste contexto, o que mais aparece em relação ao familiar é o peso do
preconceito enfrentado pela doença mental e a dificuldade na aceitação da doença.
6.2.2 Medo e necessidade de vigília constante
Em alguns relatos dos cuidadores de uma família identifiquei alguns pontos
que estariam relacionados ao medo do comportamento do paciente em relação a
69
algumas atitudes que são manifestações dos sintomas da doença. A mãe
(cuidadora) do paciente relatou em alguns momentos que fecha a porta de todos os
quartos da casa quando a família dorme, por não saber o que “ele” seria capaz de
fazer, como se observa na fala a seguir:
“antes nós dormia com a casa assim toda aberta, os quartos, e hoje a gente
dorme com a casa tudo fechado, o nosso quarto, o da minha menina
fechado, eu tenho medo, a gente nunca sabe né, o que vai passa na cabeça
dele [...]" (RUBI)
Em um dos seus relatos Diamante diz que em relação aos quadros de euforia
e depressão, sintomas da doença apresentada por seu familiar, ele demonstra uma
preocupação excessiva com o filho e com o que ele possa fazer, como o que foi
observado nesta fala:
“[...] eu fico atento né, nos casos de ele fechar o quarto e coisa, e a gente
tem medo, tá sempre de olho né! A gente acha que sempre tá preparado,
mas a gente nunca tá e isso aí é [...] é só da cabeça da gente, ah, não [...]
tô preparado [...] mas que nada, não tá preparado, aí ele demora um
pouquinho a gente fica agitado, aí coisa [...]” (DIAMANTE)
A atenção e o cuidado dispensados ao paciente com transtorno mental é de
fundamental importância, pois ele apresenta uma necessidade de atenção maior e
contínua, parecendo ser essa uma das tarefas executadas pelo cuidador. Ao
assumir tal função, o familiar cuidador passa a desempenhar diretamente o papel de
observador, avaliador, determinando as ações e decisões a serem tomadas,
surgindo assim o estresse e ansiedade pela transformação das situações
vivenciadas, passando este familiar a viver um cotidiano impregnado de
preocupação.
Com a outra família o medo estaria mais relacionado à dependência para o
autocuidado, onde a filha (cuidadora) da paciente demonstrou em seus depoimentos
o medo de a mãe não conseguir realizar mais suas atividades diárias sozinhas,
tornar-se totalmente dependente e também do risco para se machucar que ela
apresenta quando tenta fazer as atividades da casa ou de higiene pessoal sozinha.
Como aparece na fala:
“É, quando eu saio e às vezes deixo café pronto pra ela de tarde, até eu
passo alguma coisa no pão, pra não deixar faca, é igual, entendesse, igual
70
criança [...] eu não sei se eu tô agindo certo, ou né, sei lá, mas eu evito de
que ela se machuque e coisa, porque dá mais trabalho né, também ela vai
sofrer mais, ou sei lá que corte o dedo, acontece mais alguma coisa [...]”
(ESMERALDA)
Ao vivenciar tais situações com Esmeralda compartilhei de reflexões nas
quais me embasava no conhecimento científico para o esclarecimento dos
significados. Reforcei que a vigília constante de sua mãe e o medo de que algo lhe
acontecesse era uma preocupação cabível a ela e que a maioria dos cuidadores de
pacientes com algum transtorno mental passam por este momento. Geralmente os
transtornos mentais são doenças crônicas e, portanto, precisam ter um significado
para toda a família, que necessita de uma reorganização para lidar com a nova
situação. Nesse sentido, percebi, no decorrer do desenvolvimento dos encontros,
que os transtornos mentais são vividos de maneira coletiva, pelo grupo familiar como
um todo, pois, quando um membro familiar adoece, toda a sua rede de relações se
altera. Sendo a família, na maioria das vezes, o grupo primário de inserção de um
indivíduo.
A tendência é que os cuidadores também sejam afetados pela doença. Por
tudo que vivenciei nos encontros com esses familiares, notei que se faz necessário
atingir o familiar cuidador com um suporte efetivo de auxílio, para que este possa
atender seu ente querido de forma mais eficaz e com menos prejuízos na sua vida.
Segundo Parse (1987), nos encontros vivenciados é que se dá o
esclarecimento dos significados, que se encontra no processo de interpretação.
Esclarecer significado é dar sentido, através da revelação daquilo que era e daquilo
que será, tal como aparece agora. Interpretando ou esclarecendo aquilo que é neste
momento, une-se ao que era e ao que será. O profissional orienta o indivíduo ou a
família pra a relação do significado da situação, sendo que assim, no relacionamento
recíproco, o significado modifica-se e é mais bem esclarecido.
Segundo Ortiz e Tostes (1992 apud PEGORARO; CALDANA, 2006), muitos
familiares referem-se ao “peso da responsabilidade” que a doença mental de um
membro lhes acarreta, sendo comumente por eles relatados os sentimentos de
raiva, insegurança, medo, ansiedade, culpa e solidão.
Para Diamante e Rubi esse peso da responsabilidade aumenta quando não
há mais como controlar a situação de crise. Para Scóz (2001), a crise é um estado
71
temporário de desequilíbrio em que a pessoa se encontra, por falha ocorrida nos
mecanismos de enfrentamentos utilizados nas situações de conflito e por ela
percebidos como insolúveis, emergentes na sua trajetória de vida.
Segundo
o
mesmo
autor,
pode
trazer
conseqüências
benéficas
(amadurecimento) ou maléficas (crescente vulnerabilidade ao transtorno mental),
dependendo do suporte intra e interpessoal disponível no momento.
Como afirma Sadisgursky (1997 apud PEGORARO; CALDANA, 2006),
algumas famílias compartilham da preferência pela presença do doente em casa
quando este se encontra fora da crise, sendo esta aparente estabilidade atribuída ao
uso da medicação, que, na concepção dos familiares, controlaria o seu
comportamento indesejável. A internação aparece como uma solução para a
situação insuportável de ansiedade e temor que vivenciam as famílias quando
percebem a emergência de uma descompensação e, em alguns casos, pode
representar uma tentativa de manutenção da estrutura familiar. Como podemos
observar nas falas:
“[...] aí nós, todos os problemas que ele tava ocasionando, a gente [...] ele
ameaçou bota fogo na casa, tava totalmente fora, não tava violento assim
[...] e a gente entrou em conversa com ele e conseguimos a leva ele
sozinhos, eu e a Rubi, e entra na consulta, internamos e ele aceitou até a
internação lá [...]” (DIAMANTE)
Em relação a internações anteriores eles também atribuem a situação de
crise como fator determinante para a internação do familiar e a manutenção do
ambiente familiar. O que foi relatado da seguinte forma:
“ é [...] quando ele já entrou nas duas ou três vezes a gente teve que
internar, foi uma, essa é a solução, não existe mais solução né!”
(DIAMANTE)
Ao falar da complexidade do cuidado ao portador de transtorno mental, é
possível captar que o familiar se mostra ambíguo quanto ao parente permanecer em
casa ou no hospital, pois, ao mesmo tempo em que gostaria que ele permanecesse
em casa, para receber cuidados e afeto, considera o hospital uma alternativa para
garantir o controle do quadro de crise e a administração de medicamentos, para
poder dar continuidade ao tratamento. Como nos relatos:
72
“[...] ah, se não aceita de jeito nenhum entra em, entra em crise né, entra
em psicose, aí tem que toma as providências né!” (DIAMANTE)
“[...] é, agora a gente já ta um bom tempo sem internar, só controlando né,
vai e volta, a gente controla assim em casa né [...]” (RUBI)
Segundo Parse (1981), cada ser humano transcende com as possibilidades
de que dispõe em diferentes momentos de sua existência. Em sua singularidade, ele
se depara com limites, os quais são transcendidos de acordo com o padrão de
relações que estabelece consigo e com os outros. Com isso, cada ser humano é
indissociável de seu meio, influencia e é influenciado em suas decisões, o que lhe
confere uma liberdade situada.
6.2.3 Sobrecarga do familiar
Com esta prática pude perceber que as famílias que convivem com um
portador de transtorno psíquico, necessitam de uma assistência profissional com um
olhar mais voltado a qualidade de vida da família e dos que praticam este cuidado. A
tarefa de cuidar e ao mesmo tempo ser um familiar exige muita disponibilidade e
paciência, o que acarreta em sobrecarga física e mental do familiar cuidador, onde
muitas vezes este é o único membro da família que acolhe o doente. Em um dos
encontros com Esmeralda (filha), ela relatou a falta de interesse dos outros membros
da família em se responsabilizar pelo cuidado da mãe, que vive com ela e fica
somente sob os seus cuidados. Como aparece nas falas:
“É, mas como eu diria assim, aí eles acham que não tem compromisso e
eles fazem quando eles querem entendeu [...]”(ESMERALDA)
Percebe-se que o principal desejo dessa cuidadora era poder contar de
maneira efetiva com o suporte emocional e a ajuda instrumental de seus familiares,
isto é, poder compartilhar tanto as responsabilidades quanto as atividades práticas
do cuidar. Semelhante compreensão foi também encontrada por Santos (2003),
quando de seu trabalho com cuidadores familiares de idosos portadores de
demências. Parece que as doenças crônicas degenerativas, especialmente as que
73
afetam o cérebro e a mente, propiciam mais o distanciamento dos familiares.
As pessoas que não convivem diariamente com um portador de transtorno
mental, como no caso os outros familiares e amigos, mostram certo receio de se
aproximar para ajudar nos cuidados, pois desconhecem e não compreendem a
doença e suas manifestações. Muitas vezes nem se interessam em saber como
podem ajudar, apenas se afastam desses membros da família.
De acordo com Melman e Miles (2002 apud PEGORARO; CALDANA, 2006) a
literatura diz que, o termo “sobrecarga familiar” fundamenta-se no impacto
provocado pela presença do portador de sofrimento mental junto ao meio/ambiente
familiar e envolve aspectos econômicos, práticos e emocionais a que se encontram
submetidos àqueles familiares que se encarregam do cuidado necessário e exigido
pelo usuário. Os familiares com contato mais próximo ao indivíduo em situação de
sofrimento mental usualmente não dispõem de tempo nem de espaço para manter
outros relacionamentos; envolvem-se apenas com o que diz respeito à doença
mental, tornando o vínculo sobrecarregado de cobranças e exigências em relação
eles mesmos e à pessoa de quem cuidam. A distância entre a família e o corpo
social pode ser exemplificada pela ausência a festas e eventos, diminuição do
número de visitas a amigos e parentes. Este fator pode ser observado nas falas:
“[...] a gente viajava, gostava de sair pra fazer uma viajem, né, que no caso
a gente sempre tem eventos e tem coisa, né que eu sou convidado e pra
levar a mulher e coisa, não tem como ir porque [...] um casamento, a gente
vai, mas a preocupação tá em casa, porque tem dia que ele fica sozinho em
casa, né!” (DIAMANTE)
“[...] é, como um trabalho né, tu ter um trabalho, no caso tu ter o teu trabalho
tu tem que dividir o teu trabalho e eu às vezes eu tento fazer isso, porque aí
final de semana alguém fica pra mim poder desligar um pouco assim,
separa um pouco a minha vida pessoal com o, com a vida junto com ela,
entendesse, eu tento fazer isso!” (ESMERALDA)
Para Santos (2003), a experiência de prestar cuidados é geralmente algo
novo para o cuidador, e ele também tem que aprender como fazê-lo. Com todas as
mudanças ocorridas pela doença, alguns cuidadores custam a compreender que o
familiar doente requer atenção e cuidados quase que constantes no início da doença
ou até sua estabilidade que, no caso dos transtornos mentais, não é tão simples e
pode levar bastante tempo.
Muitos são os fatores que interferem no cotidiano do cuidador, como também
74
em sua pessoa, influenciando em seu zelo a condução do tratamento dispensado ao
membro da família portador de transtorno mental.
A partir do momento em que o familiar passa a perceber que seu parente
entrou em sofrimento mental, começa a sentir transformações em sua vida,
constatando a perda do seu mundo habitualmente vivido com os demais membros
da família, levando-o a se sentir em uma nova situação (SCHNEIDER, 1999). Como
relata Esmeralda na fala:
“[...] porque tudo eu tenho que pensar por ela, tem que pensar por ela,
entendeu, a gente tem que manda, tem que fazer tudo, então tu não, tu
nunca tá descansada, porque a tua mente nunca tá tranqüila [...]”
(ESMERALDA)
É perceptível que realmente as famílias enfrentam grandes e inúmeras
dificuldades a partir do momento em que seu familiar é acometido por algum tipo de
transtorno mental. Podemos destacar a sobrecarga como importante fator, a que
essas famílias são submetidas em decorrência da convivência com o doente
(PORTELA, 2006). Como podemos observar nas seguintes falas, quando o familiar
se refere a convivência com o doente em geral:
“Tem que ter bastante da paciência, porque assim, às vezes tá tudo
certinho, mas ele bota defeito, aí chega na mesa e se tem, se o almoço tá
pronto ele: ah, isso eu não quero! É assim, tem que ter paciência! Se não
tiver paciência [...] aí em vez de ele falar alguma coisa ele sai, ele não
come!” (RUBI)
O impacto da doença mental atinge um amplo espectro de dimensões da vida
familiar e é considerado como sobrecarga, pois requer que os familiares passem a
colocar suas próprias necessidades e desejos em segundo plano e adotem um
papel suplementar aos já desempenhados por eles (MAURIN; BOYD, 1990).
6.2.4 Falta de controle sobre suas ações
A experiência de lidar com o doente muitas vezes traz a tona sentimentos de
culpa, onde a família se sente incapaz de controlar a situação. Em uma das famílias
75
entrevistadas, os pais (cuidadores) relatam que não conseguem impedir que o filho
saia de casa ou vá para festas, quando está “em crise” ou não estabilizado. Como
na fala a seguir:
“Sábado ele saiu [...] a gente tá meio assim apreensivo. Ele saiu sábado era
dez horas da manhã de casa e não apareceu, só consegui falar com ele oito
e meia de domingo oito e meia da manhã de domingo. Ele foi numa festa
[...]” (DIAMANTE)
Já, na próxima fala, o não saber como lidar com a doença leva o familiar a
sentir-se exausto por todo o esforço e cuidado dispensado ao familiar doente.
“[...] no caso do Roberto que se ele não tem o meu apoio, se ele não tem
uma estrutura eu acho que acaba jogado, porque tem horas que a gente dá
vontade de dá [...]” (DIAMANTE)
As reações das famílias são difíceis de prever devido ao grande número de
fatores envolvidos. Toda a família é composta por pessoas, tendo cada uma um
relacionamento diferente com o indivíduo afetado. Neste sentido pude detectar que
os conflitos familiares existentes nem sempre estão associados apenas a condição
do transtorno mental, mas a toda uma história de vida.
Com relação a este aspecto, a família pode sentir-se culpada pela doença e
também
apresentar
ansiedade
por
não
saber
como
lidar
com
alguns
comportamentos apresentados (como, por exemplo, o silêncio excessivo, fala
contínua e desordenada) ou com a imprevisibilidade em suas ações. Como
agravante, raramente a família busca ou recebe informações. Aparece insegurança
quanto ao melhor modo possível de cuidar do paciente. Miles (1982 apud
PEGORARO; CALDANA, 2006). Como relata Esmeralda quando fala da
insegurança em lidar com o familiar doente:
“[...] eu fiz o possível e o impossível, entendesse, já busquei de tudo que
podia imaginar pra que ela ficasse boa né, assim, pelo menos reagisse,
quisesse, não que né, mas de sair, se animar, se cuidar, entendesse [...]”
(ESMERALDA)
“Não é preguiça, eu acho que é por desânimo né, é da própria depressão ali
eu acho que é que, aí vê tudo isso né pra um filho é triste né. Eu acho
assim, que quando é, é se tu cuida de uma pessoa que não é teu parente, a
gente já sente né, as pessoas assim que não são parentes, claro que tu
sente aquela coisa, mas não né! Já tem aquele amor, no caso pela mãe e,
aí tu vê aquela situação, uma pessoa que fazia tudo né e de repente fica
naquela situação ali que não sei mais, a gente diz até meu deus né, eu e a
76
minha irmã, a gente não sabe mais o que fazer [...]”(ESMERALDA)
Schneider (1999), fala que quando uma pessoa se defronta com a doença
mental num dos membros da família, todas as situações que passa a vivenciar com
ele remetem ao seu estado. Não há por onde fugir perante tal situação, levando a
um estreitamento no horizonte de possibilidades desse familiar, que passa a não ver
muitas perspectivas, sentindo-se limitado, se angustiando e passando a viver um
cotidiano cheio de preocupação. Essa preocupação se manifesta através de
queixas, que podem expressar uma incapacidade para atender e compreender seu
familiar, com a não aceitação passando a gerar uma manifestação de culpa, pela
dificuldade em lidar com a situação que se apresenta.
Contudo,
se
torna
essencial
o
acompanhamento
e
tratamento
psicoterapêutico do doente e da família por profissionais especializados que possam
proporcionar conforto e segurança para fortalecer ou ajudar o grupo familiar.
De acordo com Souza et al. (s/d), presença verdadeira é o viver da teoria, é
uma forma especial de estar com o outro, reconhecendo o valor de suas prioridades
como soberano, e acreditando no seu potencial como ser humano. É um modo de
ser e exige um verdadeiro comprometimento com as crenças e valores da teoria,
deixando-se guiar intencionalmente por ela. O enfermeiro aproxima-se do outro
mostrando interesse profundo pelo significado do momento que está sendo vivido
pela pessoa ou família e os convida a explorarem as idéias, situações e
acontecimentos, à medida que fazem suas escolhas.
6.3 CO-CONSTITUINDO PADRÕES DE INTER-RELAÇÃO EM FAMÍLIA E COM
“OUTROS”
6.3.1 História de vida em família
A família do doente sempre busca uma causa para a doença e, ao longo de
sua vida, busca significados para compreender a origem do transtorno. Quando se
atribui uma causa para qualquer acontecimento na vida da pessoa, de certa forma,
77
isto ocasiona certo alívio para os que estão envolvidos diretamente no processo.
Constatei na prática deste estudo que estes familiares trouxeram concepções
etiológicas de causas relacionadas a fatores hereditários e causas originadas de
difíceis experiências em determinados percursos de suas vidas, ou de algum
acontecimento marcante para os transtornos mentais de seus familiares. Para
uma
família a doença foi percebida em um momento marcante da vida do familiar, como
nas falas:
“Nós fomos perceber o“bipolar” do Roberto até depois que casou e separou
né!” (DIAMANTE)
“Aí casou [...] separou [...] aí nessa separação acabou que 1 ano, 1 ano e
pouco apareceu esse quadro né [...]”(DIAMANTE)
“É, o“bipolar” mesmo apareceu depois! Na realidade [...] ele começou desde
os 15 anos com depressão, né! Antes de casar! Com 15 anos ele teve uma
depressão forte! É que, na realidade, deu o quadro mesmo com 23 anos”
(DIAMANTE)
Nesta família a doença também foi atribuída a fatores hereditários como relata
Diamante:
“Ah, pode dar na [...] a maioria é na genética né! “ (DIAMANTE)
“É desconhecida, mas a genética é a que mais aparece [...]” (DIAMANTE)
“[...] que é uma doença, que talvez também, podia estar associado a droga,
mas eu acho que não começou por causa da droga, eu acho que começou
porque ele tinha predisposição mesmo!” (DIAMANTE)
Com relação à família de Esmeralda, a doença se tornou evidente após uma
intervenção cirúrgica, o que também é considerado um momento marcante na vida
de uma pessoa. Como observado nos relatos abaixo:
“[...] os problemas começaram depois que ela fez cirurgia do coração!”
(ESMERALDA)
“[...] ela tentava fazer, mas acho que ela não tinha força né, desanimou,
não sei! Se deixava assim, do jeito que ela começava ela parava, saia, não
sei [...]” (ESMERALDA)
“[...] alguns falaram que assim, no caso da idade, que ela desanimou, um
quadro de depressão que deu por causa da cirurgia, daquele sofrimento
todo que ela teve ali [...]” (ESMERALDA)
Mas, para Esmeralda o adoecimento de seu parente também se deu pela vida
78
difícil e carregada de sofrimento que ela enfrentou. Relatado da seguinte forma:
“Ela foi adotada, perdeu a mãe cedo [...] aí depois também casou cedo [...]
aí teve um monte de filhos [...] aí depois o meu pai.. também começou a, a
trair ela [...] saiu né, mesmo casado com ela, ele teve outros filhos, ele, ele
andava com outras mulheres [...] teve filhos com outras mulheres [...]”
(ESMERALDA)
“E, depois que meu pai saiu de casa assim, eu lembro muito pouco
também, eu acho que eu devia ter uns 3, 4 anos, e ela ficou, deu problema
nas pernas, ela não conseguia andar, entendeu! Aí já pensou, com um
monte de filho, ela já tinha 5 ou 6!” (ESMERALDA)
Quanto à infância vivida por seus familiares, os cuidadores apresentaram em
seus relatos fatos que demonstram em cada história de vida um significado
diferente. Para Rubi e Diamante a infância de seu filho foi caracterizada em alguma
época por alguns fatos onde eles já observavam algo que o diferenciava das outras
crianças. Como nas falas:
“[...] ele já era um pouco assim, uma criança um pouco diferenciada..”
(DIAMANTE)
“[...] o Roberto tinha um pouco de hiperatividade, às vezes tinha
reclamação, né!” (DIAMANTE)
Conforme Grande (1998 apud RIBAS, 2004), a infância caracteriza-se pelo
período da vida humana desde o nascimento até cerca de doze anos. Neste período
ocorrem as primeiras trocas, vínculos, socializações, brincadeiras e aprendizagem.
Segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (2001), os transtornos
mentais e de comportamento têm ocorrência relativamente comum durante a
infância e a adolescência. Com freqüência não são detectados, mesmo porque
existe um certo consenso popular sobre a sua inexistência, ou mesmo sobre um
suposto caráter incomum. Apesar disso, trazem custo inestimável para a sociedade
como um todo, especialmente, nos aspectos humano e financeiro. Constituem grave
problema de saúde pública mundial, o que se agrava pelo fato de que muitos dos
transtornos ocorridos nessas fases do desenvolvimento humano podem continuar se
manifestando durante a idade adulta.
Na família de Esmeralda a infância de seu familiar foi identificada como uma
fase de mudanças marcadas por muito sofrimento. Relatado de acordo com as falas:
“No caso ela, a mãe dela morreu acho que quando ela era ainda menina
79
acho né, .ai, no caso a minha, a minha vó [...] ela deu a minha mãe pra
outra mulher, pra outra mulher criar né [...]” (ESMERALDA)
“[...] eu acho que ela foi assim, não sei se renegada ou coisa, a situação
que ela ficou foi bem difícil.” (ESMERALDA)
Pode-se concluir que a infância é uma etapa fundamental na vida do ser
humano. É a base para formação da personalidade, para desfrutar uma vida adulta
saudável e em harmonia com o meio ambiente, responsabilizando-se pelas escolhas
nas situações que se apresentam.
Parse (1994, p.18) coloca que “os seres humanos, ao buscarem uma melhor
qualidade de vida, revelam e ao mesmo tempo ocultam, conectando-separando do
universo, das pessoas, das idéias, dos objetos e das situações”.
Neste estudo o familiar cuidador co-participa de sua saúde, co-participa com o
meio ambiente, sendo o portador de transtorno mental parte deste ambiente. Com
ele co-cria e pode buscar a transformação de sua situação. É um ser aberto e
singular, livre para escolher formas de viver saúde. Enquanto ser presente no
mundo, vivencia a sua indissociável inter-relação com o meio ambiente; enquanto
unidade é mais e diferente do que a soma de suas partes. E, enquanto ser no
mundo, co-constitui família, enquanto co-existe com todos os humanos (PARSE,
1987).
6.3.2 Relações interpessoais ou sociais/estudo e trabalho
Segundo Shirakawa et al (2001), as famílias enfrentam, no mundo todo, a
maior parte das responsabilidades pelo cuidado dos doentes mentais. Segundo
estes autores, o que constitui uma família em uma determinada sociedade e quais
recursos as famílias têm disponíveis para responder a doença mental, isto varia
imensamente.
Assim, as famílias passam a habitar com estranheza um outro mundo, o
mundo do hospital, do sofrimento mental do seu parente, e isso acarreta mudanças
de ordem afetiva, econômica e social, numa alteração de sintonia do mundo familiar.
80
Durante toda a trajetória de vida destas famílias elas se deparam com
inúmeras vivências que representam algum significado em cada fase da vida,
especialmente quando estas estão ligadas ao membro que adoeceu. Nos relatos de
uma família destaco alguns pontos importantes que fizeram parte das relações
interpessoais que se deram com o familiar doente e quais os significados atribuídos
a estas passagens.
Em relação a moradia, estudo e trabalho os familiares cuidadores Rubi e
Diamante falaram desta relação com o familiar como se observa nas seguintes falas:
“Sempre morou conosco! Sempre morou, sempre trabalhou! Ele trabalhou
desde cedo com nós né, que a gente tinha panificadora. Ele se criou ali
dentro, né! Com 13, 14, 15 anos ele começou a ajudar na padaria, né!”
(DIAMANTE)
“Se formou na 8º, fez 1ª comunhão, fez tudo direitinho, na Igreja, né! Fez o
caticismo [...] Se formou na 8ª, depois no 3º!” (DIAMANTE)
“Aí ele parou! Aí ele começou a namorar e parou! Aí desistiu e não estudou
mais! Ele tava tocando os negócios comigo, né! Até eu não incentivei muito
não, porque eu tenho negócio, eu tenho que tocar os meus negócios, né!”
(DIAMANTE)
“Ele já fez administração, já passou pra direito, mas depois pode querer ir,
pode não querer ir e lá vai, entendeu [...] só porque eu vejo assim, que é
uma coisa que não, que não adianta, ele já passou por 2 fases [...]”
(DIAMANTE)
Quanto ao convívio familiar e os relacionamentos afetivos e de amizade,
podemos considerar as seguintes falas:
“[...] é, ele tem um convívio, ele tem e a gente também tem muita amizade
né, a gente tem muito [...] comércio a 20 e poucos anos lá então a gente é
bem, bem querido lá e todo mundo adora ele e aquelas igreja tudo e o
pessoal vai lá em casa e qualquer religião, qualquer crença, ó, nós tamo
fazendo corrente pro teu filho e pá [...]” (DIAMANTE)
“É, só porque as amizades dele assim [...] ele tem bastante amizade mas
ele é um pouco assim retraído, tem uns dois três só que ele né [...] tem
amizade!” (DIAMANTE)
Parse, em seus princípios, afirma que o humano co-existe enquanto coconstitui padrões rítmicos com o ambiente que o cerca.
A vida é uma manifestação de vibrações rítmicas. Criamos padrões rítmicos
com o universo. Esses padrões são os paradoxos que vivemos ao longo da vida.
Paradoxos são ritmos vividos multidimensionalmente e simultaneamente. Cada
81
pessoa tem seu ritmo que se move junto com o das outras pessoas.
Neste aspecto, percebi que o convívio com a família e com o meio estão
diretamente relacionados as implicações na vida do ser humano e nos padrões de
inter-relacionamento que vão se constituindo.
Os processos de relações paternais, fraternais, conjugais e outros, vão
formando uma rede de experiências vividas, vivendo as unidades paradoxais de
revelar-ocultar, capacitar-limitar, conectar-separar e assim interferem no cotidiano
destas pessoas e na busca de uma melhor qualidade de vida.
Em relação a outro aspecto, nem sempre e nem todos os familiares possuem
condições estruturais, econômicas e emocionais para lidar com o comportamento
próprio do membro da família acometido de um transtorno mental. Daí a
complexidade na qual se insere o cuidador, que passa a vivenciar situações que,
muitas vezes, refletem direta e indiretamente em sua subjetividade, exposta não só
as situações determinadas pelo membro da família com transtorno mental, mas
também pelas situações conflituosas geradas no próprio contexto familiar.
Em seus depoimentos Diamante relata que sua família tem condições e
estrutura para um cuidado relativamente adequado ao familiar doente, mas se refere
aos familiares que não tem essa estrutura, imaginando que as dificuldades e
sofrimento estas famílias passam devem ser muito maiores pelas que sua família
passa. Como na fala:
“É muito complicado, porque a pessoa que não tem uma estrutura,
conhecimento [...] de financeiro, é a gente tem uma estrutura!”
(DIAMANTE)
Na família de Esmeralda, ela relata que a tarefa de ser cuidadora requer
muita responsabilidade e atribuí isto também a questões emocionais e de afeto,
como aparece na seguinte fala:
“Ah, é muita responsabilidade né! Coisa assim que ficou, no caso assim eu
fui, não fui eu que disse assim: eu vou ficar! Eu comecei a me envolver, fui
ficando e como se o, como ter um filho né, tu teve e agora tem que cuidar,
entendeu. Eu peguei aquela responsabilidade e hoje eu sinto assim que,
não que ela seja toda minha, no caso eu quiser passa pra alguém né, mas
eu acho que também assim, mais amor né de mãe, coisa assim né, o
sentimento que eu tenho [...] tá ali sabendo que ela tá bem [...]”
(ESMERALDA)
82
Não obstante às múltiplas fontes de sofrimento, a maioria dos cuidadores
considera que a experiência mais dramática e a maior fonte de sofrimento é a
percepção das angústias e da vida cada vez mais “empobrecida” do paciente. Muitos
não se conformam em ver um parente, que até então era brilhante, cheio de projetos
de vida e socialmente bem integrado, se transformar numa pessoa comprometida,
dependente, desprotegida e tomada por limitações de toda natureza. Observado nos
relatos:
“[...] agora ele ficou totalmente perturbado né, totalmente fora da realidade..”
(DIAMANTE)
“[...] assim, em ver a situação dela, a gente vendo a própria mãe na situação
que ela tá né, uma pessoa que era, que fazia tudo e de repente tá aí né sem
[...] fala coisa sem é [...] então tu tem um sentimento assim de, de né, de
tristeza [...]” (ESMERALDA)
“No entanto ela era, a mente no caso era normal né, ela reagia normal, claro
esquecia alguma coisa como todo mundo esquece mas, tentava fazer tudo
certo né! Hoje não, ela faz errado e às vezes teima comigo que não, que ela
não fez aquilo ali!” (ESMERALDA)
Nunca se sabe tudo que há para saber sobre si, o ser humano vai se
revelando no processo de transformar-se. A pessoa não pode ter todas as
possibilidades ao mesmo tempo. Em cada situação o ser humano encontra-se
capacitado para mover-se em uma direção e limitado para outra. Ao mover-se em
direção a uma escolha, separa-se da outra possibilidade. Isto resulta em integração
ao pensamento, torna-o mais complexo e o direciona a buscar novas opções.
Fazendo uma breve análise desta categoria, considero que nossa mente e
corpo, nossos vínculos sociais e perspectivas de vida, nosso emprego, níveis de
estresse e suscetibilidade a doenças, tudo está interligado. Os aspectos físicos,
mentais, emocionais, sociais, espirituais e materiais de nossa vida estão em
constante interação. Entendo este conjunto como um "sistema de saúde" que,
dependendo de seu equilíbrio responde pelo bem-estar do ser humano.
São as experiências de vida que refletem a natureza paradoxal das relações
da pessoa no mundo em um processo rítmico. Parse, afirma que a essência da
enfermagem é o relacionamento enfermeiro-pessoa e, sua meta principal, é a
qualidade de vida sob a perspectiva da própria pessoa.
83
6.4 CO-CRIANDO POSSIBILIDADES DE VIR-A-SER: A BUSCA DA TRANSCENDÊNCIA
6.4.1 Compreensão acerca da doença
Segundo Schneider (1999 apud PORTELA, 2006), para compreender o que é
ser um cuidador de um portador de transtorno mental, é preciso se transportar para
o seu mundo, se imaginando no lugar dele. Não é suficiente para isso o
embasamento teórico, mas precisaria se atentar para o caminho da solicitude, num
esforço de ser-com-o-outro, com disponibilidade para compreendê-lo em tal
momento de sua existência. Para o familiar cuidador, a doença é um obstáculo a ser
superado e a esperança de uma melhora está sempre presente quando, mais ainda
o seu entendimento relacionado à doença está firmado. Há que ser lembrado que
estas famílias estão passando por situações não escolhidas e para as quais não
foram preparadas. Portanto, o estar nesse papel é difícil e sempre acarreta algum
prejuízo para a família. Porém, muitas dessas famílias conseguem se restabelecer e
manter
uma
estrutura
adequada
para
o
cuidado
ao
doente.
Com
um
acompanhamento profissional e tratamento apropriados a família tem o apoio
necessário para poder transformar sua prática na busca pela qualidade de vida.
Para Diamante e Rubi suas atitudes no dia-a-dia estão constantemente sendo
mudadas, pois eles passaram para a uma fase em que a doença já foi
compreendida e as informações a respeito estão sendo aperfeiçoadas.
“[...] mas no conviver a gente, a gente tá [...] eu acho que cada dia a gente
vai aprendendo mais, vai aceitando, vai caindo na realidade! O período da
primeira internação até o primeiro ano foi complicado [...]” (DIAMANTE)
“[...] nós aceitamos que ele é doente e que tem que tratar e nós é que temos
que cuidar dele né!” (DIAMANTE)
Para esses familiares a esperança de uma melhora é o que os sustenta para
continuarem a insistir no tratamento de seu familiar, já que não existe cura para a
doença. A adesão ao tratamento se constitui no cotranscender as possibilidades a
84
fim de procurar maneiras únicas de iniciar o processo de transformação na busca
pela qualidade de vida. Observado nas falas:
“A gente tem esperança que ele vai melhorar [...]” (RUBI)
“[...] é a esperança a gente tem! Eu, dentro de mim não tenho muita
esperança não, eu tenho esperança que ele possa ter um quadro de
tratamento normal, que eu espero um dia de ele aceitar o tratamento, que o
tratamento já é bem dizer, uma cura né!” (DIAMANTE)
Cotranscender para Parse significa mover-se para outras dimensões com
sonhos e esperanças cultivados, criando novas formas de perceber o que já é
conhecido. Quando a pessoa cotranscende cria forças para originar novas formas de
viver, transformando assim, seus padrões de vida. Transformar é viver novas
possibilidades imaginadas. A mudança é um processo contínuo do ser humano em
relação com o meio ambiente, movendo-se do que é para o que ainda não é. As
novas maneiras de ver a vida são incorporadas às anteriores (SOUZA et al., s/d).
Para Esmeralda a esperança de que sua mãe melhore se apóia na idéia de
que ela possa vir a se tornar mais independente, para que Esmeralda possa voltar
as suas atividades diárias e também retornar ao trabalho, o que foi relatado da
seguinte forma:
“[...] no caso, ela já teve pior, hoje ela tá melhor né do que antes mas, eu
claro que a minha esperança é que ela fique cada vez melhor, pra pelo
menos ela pra, pra ter ânimo né, pra fazer as coisas e pra que no caso do
lado dela né, as coisas que ela precisa fazer pra ela mesma [...] que ela
pudesse ficar sozinha, entendesse, é que no caso se eu trabalhar, que ela
pudesse ficar sozinha em casa [...]” (ESMERALDA)
Para Parse (1987), as transformações buscadas pelo ser humano são
reforçadas nos conceitos de enfermagem, entendidos como ciência e arte,
fundamentadas nas ciências humanas. O foco da enfermagem é o ser humano como
unidade de vida, como um elemento de participação qualitativa em seu modo de
experenciar a saúde. Nesta teoria, a prática de enfermagem, sustenta-se em guiar
esta unidade de vida na escolha de possibilidades sobre o processo saúde, através
de uma participação intersubjetiva com as pessoas ou com suas famílias.
A terceira dimensão da prática metodológica acontece através do processo de “ir
além” do significado daquele momento. “Ir além” significa projetar possibilidades de
transformação. Esta dimensão focaliza os sonhos possíveis e a possibilidade de planejar
85
mudanças nos padrões vividos almejando a qualidade de vida e Ser Mais (PARSE,
1987).
86
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao finalizar este estudo, percebi que as situações vivenciadas trouxeram uma
realidade que me proporcionou um novo olhar para a vida. As experiências vividas
com as famílias foram uma forma de eu poder amadurecer como pessoa e como
acadêmica de enfermagem, iniciando uma vida profissional. Este processo revelou a
certeza de que tenho muito ainda a aprender e me fez estar aberta a novas
experiências, situações diferentes e inusitadas.
O referencial teórico utilizado fundamentou esta prática voltada ao familiar
cuidador do portador de transtorno mental, o qual me possibilitou uma melhor
compreensão do mundo em minha volta, contribuindo para a descoberta de novos
significados e reflexões. Com a teoria do “Tornar-se-Humano”, pude co-existir e coconstituir padrões de inter-relação com os familiares cuidadores na busca pela cotranscendência. O foco principal da teoria diz que a busca de possibilidades para
SER MAIS com qualidade de vida confere ao ser humano uma maior autonomia, no
que diz respeito às decisões e ações de saúde, com base no processo reflexivo.
Neste sentido, o ser humano é aberto, singular e livre para escolher formas de viver
a saúde (PARSE, 1987). Viver este compromisso com o familiar cuidador do doente
mental é buscar se portar para um mundo que é só dele e que é dotado de muito
sofrimento e sabedoria.
O Ser Mais se constitui num processo de evolução humana, no qual saúde e
qualidade de vida são experiências vividas numa relação com os outros e o
ambiente, num processo consciente e reflexivo, criando possibilidades para outras
experiências.
Com a proposta da participação direta dos membros da família envolvidos
com o portador de transtorno mental, em especial aquela pessoa em que
normalmente
recaí
diretamente
responsabilidades,
busquei
informações
e
depoimentos valiosos para a sustentação do estudo. A percepção e valorização do
papel do cuidador me possibilitaram a verdadeira compreensão do significado que
realmente os move a assumir tal função. Permitiu-me, ainda, verificar a repercussão
de ser um cuidador na vida de cada um dos participantes em diferentes aspectos,
87
tais como: as dificuldades, enfrentamentos, limitações e interação com o meio assim
como o convívio familiar.
Não posso deixar de registrar que, o desenvolvimento deste processo de
cuidado, só foi possível pela participação efetiva e receptividade dos familiares
cuidadores para com o estudo. Tive a oportunidade de co-existir com estas famílias,
fortalecendo em cada encontro os laços de confiança que nos proporcionaram
momentos de co-constituição dos padrões de saúde através do compartilhamento de
experiências, sentimentos e emoções, como também, dificuldades no co-transcender
com as possibilidades presentes na vida destes familiares e em suas interações com
o meio. O meio impõe limitações, não só através de crenças e valores que
marginalizam e discriminam o portador de transtorno mental, mas também, através
de um sistema social excludente, que impossibilita aos seres e as famílias viverem
com dignidade.
A convivência com essas limitações e a inexperiência na condução de um
estudo qualitativo, me fez sentir, em vários momentos, impotente para co-criar novas
realidades de saúde com o outro. Contudo, fiquei gratificada quando apareceram as
possibilidades de avançar em direção ao SER MAIS. Neste sentido, procurei ser
presença verdadeira com os familiares cuidadores dos portadores de transtornos
mentais. Parse (1994) descreve a presença verdadeira como uma presença atentiva,
em que a qualidade de vida da pessoa se ilumina através dos momentos em que a
pessoa revela ou oculta o que é importante para ela. Ser presença verdadeira requer
intenção e preparação para aceitar o ritmo do outro e mover com ele em todas as
situações. A presença verdadeira difere muito da prática convencional de
enfermagem. O foco é a experiência vivida da pessoa e família, a qualidade de vida
como descrita e experienciada por cada pessoa. Com isso, no desenvolvimento
desta prática, tive de ir a busca do Ser Mais para entender todo o processo de
cuidado da teoria e transcender os meus limites no desenvolvimento do referencial
proposto e adotado.
A partir das informações obtidas, cheguei a conclusão que este estudo aponta
para a necessidade de direcionamento da atenção profissional para seres humanos
em família. Sendo possível compreender os significados de ser familiar cuidador do
portador de transtorno mental, evidenciando os inúmeros desafios enfrentados por
essas pessoas, dentre os quais destaco: a convivência com o transtorno mental; o
88
lidar com as dificuldades, enfrentamentos e limitações; a co-constituição de padrões
de inter-relação em família e com “outros” e a co-criação de possibilidades de vir-aser na busca da transcendência.
Na análise dos dados pude concluir também que, a compreensão da doença
pelo familiar cuidador e a busca pela assistência mais adequada ao seu familiar
doente acontece de forma lenta e progressiva, a medida que eles se dão conta do
processo pelo qual estão passando. Através dos encontros e experiências
vivenciadas pude refletir com estas famílias sobre o cuidado ao portador de
transtorno mental, estando ali como um instrumento para guiá-los a novas formas de
cuidado, mostrando os caminhos e os respeitando. Compartilhamos de reflexões
relacionadas a cada significado, procurando sempre co-transcender no sentido de “ir
além”.
Desta forma, acredito que a teoria do “Tornar-se Humano” contempla uma
área da psiquiatria inovando a assistência, transformando-a e tornando a relação
mais humana, considerando o outro. No papel da enfermagem psiquiátrica, este
processo vem ao encontro da assistência que toca a especificidade do ser humano
em toda a sua complexidade. Para cuidar, devemos buscar a essência da pessoa
como algo que jamais adoece, compreender suas particularidades e escutar sem
repreender.
A contribuição desta teoria, para a enfermagem, contempla a oportunidade de
desenvolvimento no seu conhecimento científico, quando coloca em cheque as
bases do conhecimento de enfermagem, tradicionalmente aceitos, e mostra novos
caminhos que podem contribuir, em muito, no aperfeiçoamento da prática da
profissão.
A teoria vem a oferecer um novo paradigma para o “ser” e “fazer”
enfermagem, dentro de uma abordagem moderna, inovadora e desafiadora,
centrada no indivíduo e sua família, enfocando os valores e experiências vividas por
estas pessoas, respeitando seus ritmos e acreditando em suas potencialidades e
superação como pessoas, por si próprias.
Ao estar nesta prática com famílias, penso em família como um enlace de
amor, de fraternidade, de identificação e de afetividade, que age de forma positiva
quando estruturada e negativa quando incapaz de lidar com os problemas de
89
maneira participativa, onde estes podem influenciar diretamente em cada um dos
membros que a constitui.
Buscar formas de aproximação com o cuidador é um ponto imprescindível,
para a facilitação de um apoio fortalecedor, para um enfrentamento mais suportável
de todo um contexto familiar e social, onde o portador de transtorno mental está
inserido.
Segundo Moreno e Alencastre (2003), a família vem ocupando um espaço
privilegiado nas discussões sobre as políticas públicas, sendo convidada a tornar-se
aliada na formulação de um novo modelo de atenção à saúde. No campo da saúde
mental, os familiares têm sido chamados a participar ativamente na implantação do
projeto terapêutico do portador de transtorno mental, bem como, são atores
privilegiados na luta por melhores condições de assistência psiquiátrica.
A partir da década de 50, na área da saúde mental, pode-se observar o início
de um trabalho com famílias e desde então, foi descrito como elas atuavam no
sentido de reforçar ou manter a enfermidade de um membro doente. Já na década
de 90, notou-se a presença, cada vez mais marcante, de usuários e familiares com
papéis principais no contexto da reforma psiquiátrica no Brasil (BRASIL, 2001b).
Assim, estou de acordo com o autor citado acima, quando afirma que, os
usuários e seus familiares estão deixando de ser apenas objeto de intervenção
técnica e estão passando a assumirem de fato, o papel de agentes transformadores
da realidade, opinando e participando ativamente das discussões sobre as políticas
de saúde mental.
Contudo, são quatrocentos milhões de pessoas que sofrem, ainda hoje no
mundo, de perturbações mentais. Além do sofrimento e da falta de cuidados, essas
pessoas vivenciam o estigma, a vergonha, a exclusão social e, com muita
freqüência, a morte (OPAS, 2000).
As importantes transformações, que vêm ocorrendo hoje nas políticas de
saúde do país, caracterizam um cenário privilegiado para a implementação de
transformações significativas das práticas e saberes na área de saúde mental
(BRASIL, 2001b).
Visando a possibilidade de um longo processo de desinstitucionalização,
torna-se evidente que não há possibilidades de haver reintegração com uma família
90
desassistida. A singularidade e o conhecimento da dinâmica familiar poderão ajudar
no estabelecimento de metas para intervenções significativas na expansão da rede
de atenção à saúde mental. Nesta perspectiva, ampliam-se as possibilidades de
uma assistência mais digna e global, a partir da desconstrução de conceitos,
atuando em direção das transformações que se fazem necessárias na relação entre
profissionais de saúde, pacientes e suas famílias.
Uma grande parte do sofrimento psíquico menos grave continua sendo objeto
do trabalho de ambulatórios e da atenção básica em qualquer uma de suas formas.
Neste sentido, baseia-se a idéia de uma necessidade imediata de estimular
ativamente, nas políticas de expansão, formulação e avaliação da atenção básica,
diretrizes que incluam a dimensão subjetiva dos usuários e os problemas mais
graves de saúde mental. Esta é uma forma de compromisso e responsabilidade em
relação à produção de saúde, à busca da eficácia das práticas e à promoção da
eqüidade, da integralidade e da cidadania num sentido mais amplo (BRASIL, 2003).
Segundo o mesmo autor, com isso, as ações de saúde mental na atenção
básica devem estar fundamentadas nos princípios do SUS e nos princípios da
Reforma Psiquiátrica. Devem obedecer ao modelo de redes de cuidado, de base
territorial e atuação transversal com outras políticas específicas e que busquem o
estabelecimento de vínculos e acolhimento.
Diante do exposto, considero que a articulação entre o campo da saúde
mental e a assistência na atenção básica seja de fundamental importância para uma
atenção mais abrangente, focando o portador de transtorno mental e sua família
como alvos para uma atenção com uma proposta compartilhada, oferecendo a
família do doente mental o apoio necessário para que ela possa assumir o seu papel
de agente de inclusão de seu familiar doente, inserindo-o de volta a sua
comunidade.
Assim, acredito que a enfermagem esteja instrumentalizando-se, baseada em
novas teorias para realizar um cuidado mais humanizado, contribuindo de forma
incisiva para a reforma da assistência psiquiátrica.
Concluindo, espera-se que os serviços em saúde mental passem a constituirse em espaços de acolhimento, valorização da escuta, de cuidado, de trocas, de
auto-ajuda, de afeto, de integração, de liberdade e autonomia. Que sejam espaços
sociais de resgate da cidadania, sem preconceitos, e acima de tudo, espaços que
91
tenham como objeto a existência do sofrimento dos pacientes e sua relação com o
meio social onde vivem.
92
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98
APÊNDICES
APÊNDICE A – TERMO DE COMPROMISSO DE ORIENTAÇÃO
TERMO DE COMPROMISSO DE ORIENTAÇÃO
Eu, Valdete Préve Pereira, professora da disciplina de Saúde da Mulher, da
Criança, do Adolescente, do Adulto e do Idoso, do Curso de Graduação em
Enfermagem da Universidade do Vale do Itajaí – Centro de Educação – Campus
Biguaçu, concordo orientar a monografia de conclusão de curso da aluna Marília
Mazzuco Sant’Ana, tendo como tema: “O significado de ser familiar cuidador do
portador de transtorno mental”.
A orientadora está ciente das normas para elaboração do trabalho
monográfico de conclusão do Curso de Graduação em Enfermagem, bem como, do
calendário de atividades propostas.
Biguaçu, 20 de fevereiro de 2007.
_____________________________________
Valdete Préve Pereira
Professora orientadora
_______________________________
Marília Mazzuco Sant’Ana
Acadêmica de Enfermagem
99
APÊNDICE B – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Este instrumento tem a intenção de obter o seu consentimento por escrito
para participar da pesquisa intitulada “O significado de ser familiar cuidador do
portador de transtorno mental”, com o intuito de contribuir para o levantamento de
dados da acadêmica do Curso de Graduação em Enfermagem da UNIVAI, Marília
Mazzuco Sant’Ana.
Esta pesquisa tem como objetivo compreender os significados de ser familiar
cuidador de pessoas portadoras de transtornos mentais, proporcionando atenção a
essas famílias, conhecendo suas experiências, refletindo sobre as questões de lidar
com a doença na família, suas dificuldades na aceitação e enfrentamento, apoio na
adaptação a um novo estilo de vida, identificando suas necessidades e dificuldades
no cuidado ao doente mental, contribuindo assim para a qualidade de vida dessas
famílias.
Os relatos obtidos serão confidenciais e, portanto, não utilizados os nomes
dos participantes em nenhum momento, garantindo sempre o sigilo da pesquisa e os
preceitos éticos da profissão.
Salienta-se que, após a coleta de dados, seu relato será entregue para seu
parecer final, tendo liberdade para argumentar, interferir ou recusar as informações,
como também desistir de participar do estudo em qualquer momento.
Conto com a sua colaboração e agradeço se tiver disponibilidade em
participar do estudo, que nos possibilitará a aquisição de novos conhecimentos, bem
como, prováveis mudanças que repercutirão na prática da Enfermagem.
Eu,........................................................................................................, consinto
em participar desta pesquisa, desde que respeite as respectivas proposições
contidas neste termo.
__________________________________
Biguaçu, fevereiro de 2007.
100
APÊNDICE C – SOLICITAÇÃO PRÉVIA DE AUTORIZAÇÃO DA INSTITUIÇÃO
SOLICITAÇÃO PRÉVIA DE AUTORIZAÇÃO DA INSTITUIÇÃO
Biguaçu (SC), fevereiro 2007.
Ilmo. Sr.
Pedro Cardoso Júnior
Gerente de Área – Biguaçu
Prezado Senhor,
Cumprimentando-o cordialmente, vimos pelo presente solicitar a V.Sª, a
autorização para desenvolvermos, nas dependências desta Universidade, o projeto
de monografia: “O significado de ser familiar cuidador do portador de transtorno
mental”.
Este estudo tem como objetivo compreender os significados de ser familiar
cuidador do paciente portador de transtorno mental. A pesquisa será feita com
familiares atendidos na Clínica Integrada de Atenção Básica à Saúde (CIABS),
vinculada à UNIVALI, localizada no município de Biguaçu.
Salientamos que os dados serão coletados pela pesquisadora, aluna de
Enfermagem da UNIVALI – CE – Biguaçu, com a cobertura da supervisão da
orientadora do projeto, Professora Valdete Préve Pereira. A coleta de dados prevê a
inclusão da técnica de depoimentos a serem gravados em cassete.
Esperamos que este estudo reverta benefícios para esta Instituição,
especificamente ao Curso de Graduação em Enfermagem, para facilitar e
transformar a prática pedagógica referente à temática em estudo.
Marília Mazzuco Sant’Ana
Valdete Préve Pereira
Enfermagem
Professora orientadora
Acadêmica de
101
APÊNDICE D – SOLICITAÇÃO PRÉVIA DE AUTORIZAÇÃO DA INSTITUIÇÃO
SOLICITAÇÃO PRÉVIA DE AUTORIZAÇÃO DA INSTITUIÇÃO
Biguaçu (SC), fevereiro 2007.
Ilma. Sra.
Cláudia Barbeito Barbosa Monteiro Mattos
Administração da Clínica Integrada de Atenção Básica à Saúde (CIABS)
Prezada Senhora,
Cumprimentando-a cordialmente, vimos pelo presente solicitar a V.Sª, a
autorização para desenvolvermos, nas dependências desta Universidade, o projeto
de monografia: “O significado de ser familiar cuidador do portador de transtorno
mental”.
Este estudo tem como objetivo compreender os significados de ser familiar
cuidador do paciente portador de transtorno mental. A pesquisa será feita com
familiares atendidos na Clínica Integrada de Atenção Básica à Saúde (CIABS),
vinculada à UNIVALI, localizada no município de Biguaçu.
Salientamos que os dados serão coletados pela pesquisadora, aluna de
Enfermagem da UNIVALI – CE – Biguaçu, com a cobertura da supervisão da
orientadora do projeto, Professora Valdete Préve Pereira. A coleta de dados prevê
a inclusão da técnica de depoimentos a serem gravados em cassete.
Esperamos que este estudo reverta benefícios para esta Instituição,
especificamente ao Curso de Graduação em Enfermagem, para facilitar e
transformar a prática pedagógica referente à temática em estudo.
Marília Mazzuco Sant’Ana
Valdete Préve Pereira
Acadêmica de Enfermagem
Professora orientadora
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LUCIANE DE SOUZA ARAUJO NEVES